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Bancos públicos sob ameaça de privatização. Entenda o que está em jogo

Raíssa Ebrahim / 20/03/2019

Foto: Rodrigo Ramos

Mesmo Jair Bolsonaro (PSL) tendo afirmado depois de eleito que não privatizaria o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, gestores e funcionários de bancos públicos juntamente com centrais sindicais estão preocupados com o enfraquecimento das instituições públicas. A recente declaração de Rubens Novaes, novo presidente do BB, em evento no Rio de Janeiro, de que está “convencido” de que é preciso privatizar o banco, acendeu o alerta.

O que está em xeque é a democratização do acesso ao sistema bancário, com uma possível redução do número de agências – sobretudo fora das regiões metropolitanas -; o acesso ao sistema de crédito público, fundamental para o funcionamento da economia, sobretudo para os mais pobres e também para o setor produtivo; e a manutenção do emprego de milhares de funcionários públicos.

As privatizações dos bancos públicos são um desmonte dos bens brasileiros, destaca Jair, presidente da Fenae (foto: Rodrigo Ramos)

Privatizações dos bancos são um desmonte dos bens públicos, destaca Jair, da Fenae (foto: Rodrigo Ramos)

“Quando fala-se em privatizações e vendas, está-se desmontando um bem público. Os bancos são ferramentas de desenvolvimento, de fomento da economia, ajudando a diminuir as desigualdades. E os bancos privados querem dinheiro, quem vai investir onde não se dá o lucro esperado?”, provoca Jair Pedro Ferreira, presidente da Fenae (Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa).

Somente o Banco do Brasil em Pernambuco é responsável por 96% de tudo o que é financiado no meio rural no estado. Só a Caixa Econômica detém 88% dos R$ 16,14 bilhões do crédito imobiliário ofertado localmente, onde não há financiamento privado do setor habitacional.

Isso sem contar com a gestão dos depósitos e saques do Bolsa Família, presentes em todos os municípios pernambucanos, somando 1,1 milhão de beneficiários, que, juntos, recebem R$ 215 milhões.

Confira um trecho da fala do novo presidente do Banco do Brasil:

Sinais já começaram

“Ninguém imaginava que o governo seria tão rápido nesse processo”, pontua Jair. Os primeiros sinais já começaram. Os novos presidentes de bancos públicos estão falando em reestruturação, o que, na prática, significa redução de tamanho, cortes, diminuição de áreas de atendimento, demissões, venda de loterias, diminuição de carteiras físicas e jurídicas. “Isso significa cortar a capacidade de tirar novos empréstimos, e o banco precisa ter dinheiro para emprestar dinheiro”. Para ele, permitir que o capital privado comece a entrar nas instituições públicas é tornar-se refém do mercado.

A Fenae promoveu nesta terça (19) à noite no Recife o debate “Bancos públicos sob ataque: desafios, riscos e perspectivas”, no Sindicato dos Bancários de Pernambuco. Aberto ao público, o evento foi transmitido ao vivo nas redes sociais. O encontro é parte da série Diálogos Capitais, uma parceria com a Carta Capital. Além de Jair, participaram do encontro Luiz Gonzaga Belluzo, professor da Unicamp; Liana Cirne Lins, professora de direito da UFPE; e Xico Sá, escritor e jornalista.

O professor Belluzo lembrou também o caráter estratégico dos bancos públicos, destacando contextos de crise e de baixo crescimento e a geração de emprego e renda através do crédito. “Os bancos públicos são a ponta de lança do crédito oferecido na economia e que se espalha pelo sistema. Sempre foram eles os grandes responsáveis pela expansão do crédito”. Belluzo disse que há cidades onde só existe uma agência da Caixa e/ou do Banco do Brasil, então mantê-las é uma “questão de sociabilidade”.

Professor Belluzo chama a atenção para o caráter estratégico dos bancos públicos (foto: Rodrigo Ramos)

Prof. Belluzo chama a atenção para o caráter estratégico dos bancos públicos (foto: Rodrigo Ramos)

“É um déficit de civilidade, não é um problema técnico”, afirmou o economista sobre as ações do governo, lembrando que a economia não funciona apenas pelo mercado, mas também pelas instituições.

Vale lembrar que o alvo das privatizações são instituições lucrativas. A Caixa lucrou, em 2018, entre R$ 15,5 bilhões e R$ 16,5 bilhões; o BB, R$ 12,8 bilhões. “São privatizações à brasileira”, brincou Liana. “Querem privatizar empresas lucrativas e onde o dinheiro público fez crescer o patrimônio do país que é vendido agora a preço de banana”.

“O Banco do Brasil, assim como a Caixa e outras instituições na mão do Estado, estão presentes em cidades e regiões onde há pouca oferta de agências bancárias, justamente porque os bancos privados não têm interesse em atuar nestas localidades, porque trazem pouco retorno financeiro”, reforça João Fukunaga, secretário de Assuntos Jurídicos do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região e também bancário do BB, em matéria publicada no site do sindicato.

Pernambuco – confira mais números:

>> 17 instituições financeiras atuam em Pernambuco, sendo apenas 4 delas públicas: Caixa, Banco do Brasil, BNB e Banrisul (apenas uma agência);

>> Das 573 agências em funcionamento no estado, 290 (51%) são dos bancos públicos;

>> Somente em 2018, passaram pela Caixa 332 (75%) dos 444 instrumentos relativos a convênios firmados entre o executivo federal e governo estadual, prefeituras e organizações da sociedade civil (OSC) dos municípios de Pernambuco.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com