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Cinco pontos para entender como deveriam ser (e como são) os conselhos de direito no Brasil

Débora Britto / 17/01/2018

Conselhos de direitos – também conhecidos como conselhos de políticas públicas ou conselhos gestores de políticas setoriais – são instrumentos de participação direta da população na política. Mais do que partir nas eleições por meio do voto, a Constituição Federal de 1988 também previu formas de garantir que a sociedade acompanhe, fiscalize e participe da formulação de políticas públicas que interferem nas suas vidas.

Apesar disso, muitas pessoas desconhecem o que são e para que servem. São muitas as dúvidas sobre o que e como deveriam ser estruturados conselhos de direito para que sejam, de fato, espaços democráticos e de controle e participação social. Em meio à falta de informação, em Pernambuco, só no último mês, mudanças em dois conselhos foram motivo de críticas da sociedade civil por ferirem o que defendem como princípios democráticos. O Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) por demorar seis meses para empossar conselheiros e alterar composição de forças, e o Conselho Estadual de Defesa Social (CEDS) por aprovar projeto de lei que muda composição de conselheiros sem diálogo com sociedade.

Existe também uma contradição entre teoria e prática. O que está definido em lei nem sempre é cumprido e princípios previstos na Constituição não são seguidos. Os desafios são grandes, concordam representantes de entidades como a Associação Brasileira de Organizações da Sociedade Civil (Abong) em Pernambuco. Desde 1988, a criação de conselhos como formas de controle e participação social previa uma mudança cultural: passar de uma tradição patrimonialista para uma democracia com participação direta da sociedade.

Trinta anos depois, o desafio permanece. “Vemos que falta conhecimento sobre o papel dos conselhos pela sociedade. A população teria acesso às pautas e às reuniões”, comenta Alessandra Nilo, a Gestos Comunicação e Saúde, e coordenadora da Abong PE.

Por meio dos conselhos a sociedade poderia participar da construção de políticas que regulamentam as vidas de cidadãos e cidadãs brasileiras. No entanto, existe uma grande diferença do texto escrito na Constituição para a realidade de conselhos municipais e estaduais que deveriam fiscalizar e acompanhar a implementação de políticas pelos governos eleitos.

A Constituição prevê princípios que deveriam organizar a estrutura dos conselhos como participação e descentralização. “Os conselhos deveriam órgãos colegiados, permanentes e deliberativos, incumbidos, de modo geral, da formulação, supervisão e da avaliação das políticas públicas, em âmbito federal, estadual e municipal”, de acordo com Patrícia Helena Massa, em artigo sobre o tema no site de refência dhnet (Direitos Humanos na Interner).

Contudo, cada conselho, seja nacional, estadual ou municipal deve ter legislação própria, o que resulta em variações. Instituídos num movimento de abertura democrática, quando também foi feita a inclusão do plebiscito, referendo e iniciativa popular, os conselhos são entendidos pela sociedade civil meios garantir a democracia direta.

Entrave político

“O grande problema no Brasil é que as resoluções dos conselhos não são acatadas quando não interessam”, diz Alessandra. Para ela, o princípio que garantiria a divisão de poderes entre sociedade e governos – o caráter deliberativo – quando instituído muitas vezes é desconsiderado pelas gestões. “Existe uma cultura de não valorização dos conselhos por gestores que precisa ser revista”, alerta Alessandra.

Isso se reflete também no desconhecimento geral da população sobre a importância e papel dos conselhos. Sylvia Siqueira, conselheira do CEDH, acrescenta que é preciso que constante diálogo de conselheiros/as com a população e organizações que muitas vezes não conhecem esse espaço de controle social. Além disso, cita a importância de conhecer de perto os programas e ações governamentais relativas à área do conselho “e construir proposições alinhadas com às demandas sociais, reivindicadas pela sociedade civil organizada que defende um Estado de Direitos e Democrático”.

Alessandra defende uma reformulação dos conselhos para que suas ações se tornem efetivas. Cita o exemplo de conferências que são realizadas, mas que não existe um monitoramento e cobrança para que as decisões sejam cumpridas. A repetição dessas dinâmicas poderia ocasionar um maior desgaste dos conselhos. Para ela, talvez seja necessário inclusive rever as legislações dos conselhos.

Em meio às divergências conceituais e paradoxos dos textos legais e da prática dos conselhos, reunimos reflexões de ativistas, integrantes de organizações da sociedade civil e conselheiros/as sobre que pontos defendem para que conselhos de direito sejam democráticos. Confira abaixo:

correto
Orçamento é termômetro

Mais do que existir e estar em funcionando, a Abong e organizações que compõem conselhos defendem que é preciso ter estrutura e orçamento. Sem isso, a função de fiscalização e monitoramento de políticas públicas é prejudicada.

Em Pernambuco, diagnóstico realizado pela Abong PE em 2015 e atualizado em 2016 identificou a condição de desmonte e consequente enfraquecimento de conselhos estaduais. O documento fez levantamento de 17 conselhos setoriais de políticas públicas no ano de 2016 (acrescentou cinco à lista de 2015). O contexto de contenção de gastos públicos pelo poder executivo foi observado no estudo, no entanto, integrantes da sociedade civil dizem que não houve diálogo para a tomada de decisão.

Existiria, segundo a Abong, uma postura de minar a atuação dos conselhos por meio de poucos investimentos. “Vemos que não há interesse por parte desde governo de realizar ações de fortalecimento dos conselhos como instrumentos de participação social”, explica Alessandra Nilo.

Entre as consequências desse corte nos recursos estão a dificuldade de garantir o transporte de conselheiros que não residem na região metropolitana do Recife para partipar das reuniões regulares, além de restringir a participação em conferências nacionais.

Em 2016, por exemplo, devido a cortes e “incerteza orçamentária”, o Conselho das Cidades- ConCidades/PE não realizou nenhuma reunião, segundo relatório. O Conselho Estadual de Educação de Pernambuco CEE/PE, por sua vez, não possui orçamento próprio e teve a destinação de apenas R$3.000,00, montante que seria dividido com conselho específico do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação).

O CONSEA – Conselho Estadual de Segurança Alimentar, por exemplo, apesar de ter recursos garantidos por meio da rubrica destinada à ampliação da rede de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) é um dos conselhos que não consegue realizar ações devido à falta de estrutura no estado. “Os municípios precisam ser acompanhados, fazer formação para a população entender o que é segurança alimentar. Não temos financiamento para acompanhar os municípios”, explica a presidente Zênia Tavares – que é representante da sociedade civil.

Segundo ela, o CONSEA conta com uma sala com acesso a computador e telefone que, por sua vez, não realiza chamadas de outros DDDs. “[O governo] Não dá a devida atenção para esse conselho. Para todos, mas para esse especialmente. As pessoas que representam o estado dentro dos conselhos têm interesse, mas eles não têm o poder da caneta”, diz.

 

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.