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Comunicação e política: como conseguir engajamento e conquistar (e)leitores

Maria Carolina Santos / 01/09/2019

A deputada norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez

selo ocupa políticaEm tempos de eletrizantes fake news, às vezes parece que o jornalismo político e social é sem graça. Perdido em conceitos, sem energia, com textos quilométricos que não geram impacto. O mesmo pode ser dito de algumas campanhas políticas de esquerda: candidatos que debatem teorias que nunca conseguem alcançar o cotidiano das pessoas.

Falar com propriedade sobre temas importantes, conquistar a atenção das pessoas e fazer tudo isso com qualidade e ética dentro do jornalismo ou da política é um grande desafio da comunicação. Oficinas e rodas de diálogos no encontro do Ocupa Política, que durante três dias movimentou o Recife, perpassaram sobre esse tema: como, enfim, engajar as pessoas e conquistar a atenção?

As respostas e questionamentosparaessa pergunta servem tanto para candidatos quanto para os meios de comunicação. No debate sobre Comunicação e Mobilização por Direitos no último dia do Ocupa Política, comunicadores de vários estados do Brasil e do Uruguai explanaram sobre novas formas de resistência e política por meio da comunicação.

A experiência mais exitosa, em termos de audiência, posta na roda de diálogo foi a do jornal uruguaio La Diaria – assim mesmo, no feminino. Impresso de segunda a sábado, o jornal nasceu há 13 anos, como uma cooperativa de jornalistas independentes. Hoje, é o segundo jornal mais lido do país, emprega mais de 130 pessoas, e consegue ter 80% da sua receita por meio de assinaturas. Os 20% restantes vêm da publicidade. A meta é, em breve, ficar 100% livre de anúncios.

Para a editora do La Diaria Denisse Legrand, a chave do sucesso é o laço de confiança que ele mantém com seu público. É um jornal com posicionamento, à esquerda, mas que não deixa de ser crítico, diz ela. “Temos uma missão claramente progressista e um alto nível de confiança entre os leitores. Nos últimos anos temos apostado no jornalismo especializado, gerando editorias específicas como Educação, Saúde, Trabalho, Ciência e Feminismo. Somos referência para o sistema político, por sermos um espaço de confiança, apresentando a pauta política com muita qualidade informativa”, diz.

Para Bruna Souza, do coletivo Chama, do Rio de Janeiro, para conseguir se comunicar de forma eficaz com a população é preciso traduzir conceitos e abstraçõesem exemplos práticos do dia a dia. “O debate que está acontecendo deve ser trazido para o chão. Trazer para a base. Entender como isso afeta o dia a dia. Levar a comunicação para o povo, para questões práticas. É um trabalho de formiguinha”, diz Bruna, que também trabalha no mandato da deputada federal Talíria Petrone, no Rio de Janeiro.

Fazer uma comunicação relevante e de impacto, claro, éum conceito que varia de público para público. E uma campanha política ou um meio de comunicação tem que estabelecer com quem quer se comunicar prioritariamente. Foi focando em descobrir qual o seu público alvo que Flávia Moreira, que trabalhou na campanha vitoriosa da Bancada Ativista na Assembleia do Estado de São Paulo, deu uma oficina voltada para comunicação digital.

A primeira dica que ela ofereceu é que é preciso saber como se comporta o seu público. Não é um bicho de sete cabeças: gênero, faixa etária, localização geográfica e tipo de celular estão a um clique com softwares gratuitos de monitoramento. Flávia alertou que é necessário fazer um acompanhamento estratégico desses dados, testando formas de abordar os assuntos que o candidato defende. Traduzindo esses assuntos – novamente a mesma tecla – em exemplos práticos que afetam o cotidiano das pessoas.

A política contemporânea, assim como a comunicação, tem que ser relevante, forte e direta, para atingir mentes e corações ocupados (distraídos?) demais com umaenxurrada de informação. O verdadeiro pulo de gato é identificar oqueesses adjetivossignificam para o público alvo de cada candidato, ouveículode comunicação. Ao contrário do que otítulo deste texto e tantos livros de marketingafirmam, nãohá uma fórmula pronta para o sucesso.

“Os candidatos devem ser contadores de histórias”

Entrevista Ilona Duverge / Movement School

ilonaduvergeQuem viu o documentário Virando a mesa do poder (Knock down the house), da Netflix, percebeu que não dá para ficar inerte quando a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez fala sobre suas ideias. Ela é contundente, emotiva e, principalmente, muito clara e direta. A ativista norte-americana Ilona Duverge participou da campanha vitoriosa de Ocasio e aprendeu muito no período. Ela é uma das fundadoras da Movement School, organização criada para dar treinamento a pessoas que trabalham em campanhas políticas. Ilona foi uma das convidadas do Ocupa Política no Recife e conversou com a Marco Zero.

Quais as principais lições que você aprendeu trabalhando na campanha de Alexandria Ocasio-Cortez?
Foi que as pessoas que estão na posição de poder não ligam para indígenas, negros, latinos. Eles só ligam para pessoas brancas, ricas e, geralmente, homens. É por isso que o congresso norte-americano é formado por homens brancos e ricos. Até os democratas. Às vezes eu acho que os democratas são piores (que os republicanos), por conta do silêncio deles. Especialmente agora que os democratas têm a maioria no congresso, o silêncio deles é ainda mais destrutivo para nós. Eles deveriam ser ousados e apoiar as grandes ideias que estão vindo da esquerda, e eles não estão fazendo isso. Com a campanha de Alexandria nós criamos um movimento, algo que incluía pessoas que nunca haviam sido alcançadas antes pela política. Muitas vezes essas pessoas são as que mais são afetadas negativamente pela política. Não é que elas não votem porque não querem: é porque ninguém nunca usou seu tempo para explicar para elas a importância do voto, que é como você pode fazer uma mudança ocorrer.

Você acha que existe uma desconexão entre o que as pessoas enfrentam em suas vidas cotidianas e como elas votam nas eleições?
Sim, totalmente. E isso acontece porque a política não é acessível para todo mundo. É muito elitizada. Nos Estados Unidos, a votação é em um dia comum de trabalho. Pessoas como meus pais, por exemplo, não podem deixar de trabalhar por duas horas, porque isso significa menos dinheiro, o que significa menos comida, menos roupas…e para que? Para ajudar a eleger um político corrupto que não vai fazer nada pela sua vida? E muitas pessoas decidem na fila em que elas vão votar, por que acham que é simplesmente uma coisa que elas têm que fazer. E pegam a cédula, votam em quem tiver concorrendo pelo partido Democrata, sem saber o que aquele candidato está propondo e quem ele é. E, como já disse, os democratas hoje são um problema para nós até maior que os republicanos, porque o silêncio deles está nos prejudicando. Eles têm a voz para apoiar o green new deal (reforma ambientalista proposta por Ocasio), o Medicare (sistema de saúde norte-americano) para todos, faculdade gratuitas…e eles não estão fazendo isso.

Como então engajar as pessoas para ficarem mais atentas à política?
Você tem que encontrar as pessoas onde elas estão. Você tem que ir até as pessoas em suas comunidades. Você tem que falar com elas sobre coisas que realmente importem para elas. Tudo que fazemos envolve política. Mas o jeito que se fala de política é muito elitizado. E assim não se atinge o povo. É necessário ter conversas francas sobre as preocupações das pessoas e como podemos resolvê-las. Nos Estados Unidos, durante a campanha, há comunidades em que as ruas ficam lotadas de panfletos e outras em que não há panfleto algum, e essas são geralmente comunidades negras e pobres. Onde a falta de assistência prejudica mais. São as pessoas que os políticos deveriam conversar mais, e isso não acontece. Isso vai soar engraçado, mas a política hoje em dia não é sexy. Você vê o Congresso norte-americano e é um monte de homem velho e branco. Não há representatividade. Não há agitação. Os congressistas não estão lutando apaixonadamente pelas pessoas. É muito blá blá blá (faz voz de tédio). As pessoas não estão se engajando? Então vamos colocar arte, vamos colocar música, vamos colocar teatro, vamos colocar as coisas que as pessoas se importam. E vamos encontrar uma interseção entre o ativismo e o poder do voto. Temos que fazer com que as pessoas se vejam na política.

No documentário Virando a mesa do poder, todas as candidatas têm pautas muito claras e específicas que têm impacto direto na vida das pessoas. E Ocasio sabe comunicar as pautas dela muito bem. Qual o papel da comunicação nessa nova onda politica?
Eu acho que você tem que ser um contador de histórias. Porque a política não tem apelo para as pessoas quando é um monte de homem branco falando em um só tom, sem uma mensagem real e clara. Especialmente os democratas. Uma coisa que os republicanos fazem bem é repassar a mensagem deles: família, finanças, religião. Democratas ficam falando em círculos e perdem o foco. Falam de coisas teóricas, abstratas, não há um plano real e tangível. O que Alexandria faz é trazer planos tangíveis. Ela é capaz de se conectar com as pessoas por que ela passou por muita coisa, ela viveu o que as pessoas que são mais afetadas pela política vivem.

Há no Brasil e nos EUA a ideia do “cidadão comum” indo ocupar espaços na política. É uma faca de dois gumes. Há candidatos que querem realmente lutar pelas suas comunidades, mas há também aproveitadores – até Trump usou o discurso de não ser um político de carreira. Como separar o joio do trigo?
Vamos pegar o exemplo de Trump, que se colocou como alguém contrário a um político de carreira. Mas Trump representa uma porção muito pequena de pessoas nos EUA, que são os bilionários. Uma fatia grande do eleitorado de Trump são pessoas brancas pobres em áreas rurais que se sentem representadas por ele. E como isso pode acontecer, como um bilionário pode representar essas pessoas? A única conexão de Trump – e um dos motivos pela qual a presidência dele é tão temerosa – com essas pessoas é que ele é racista, misógino e está trabalhando nesse sistema de opressão: ele é um supremacista branco. Ele atinge pessoas que pensam assim e antes não diziam que pensavam assim, mas agora dizem: “ele me representa porque ele diz o que estava na minha mente e que eu não podia expressar, porque a sociedade não deixava”. É assim que acontece essa relação. Não é porque ele é um cidadão normal, não é porque ele não é um político de carreira. É a retórica que ele usa para se conectar com sua base. Essa é a parte mais assustadora, porque você vê essa base deleemergindo e negando os princípios pelos quais os Estados Unidos foram fundados.

E como combater isso?
Precisamos nos organizar. Precisamos criar um movimento que inclua todas as pessoas. É por isso que eu tenho esperança: nos Estados Unidos, apenas uma pequena fração das pessoas votam. Então temos que falar com essas outras pessoas, porque elas estão em maior número. E falando com elas você vai descobrir que elas concordam com muitas das nossas pautas, mas ainda não apareceu ninguém que se conecte com essas pessoas, essas que não votam. E eu acredito que as jovens mulheres que estão renovando o congresso dos EUA fazem essa conexão, e por isso que está aumentando o número de pessoas que votam. Esta é minha esperança.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com