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Convenção Nacional Batista pede investigação contra pastor suspeito de fraudar documentos

Mariama Correia / 24/01/2020
Pastor Herivando Costa lançando candidatura

Pastor Herivando Costa lançando candidatura ao lado do deputado federal e líder do PP em Pernambuco, Eduardo da Fonte, deputado estadual Cleiton Collins e o pastor Josinaldo Soares, representando a Assembleia de Deus Madureira - PE (Reprodução internet)

Investigação criminal, troca de acusações, manobras políticas, disputa por poder e dinheiro. O caso de um pastor batista, denunciado por suspeita de fraude em Pernambuco, tem ingredientes essenciais de uma boa trama policial.

Acusado pela própria Convenção Batista Nacional (CBN), entidade que representa 1.800 igrejas batistas no Brasil – 200 delas em Pernambuco -, o pastor Antônio Herivando Costa está sendo investigado pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE). A CNB levantou a suspeita dele ter falsificado documentos para assumir a presidência da igreja Batista de Pontezinha, no município do Cabo de Santo Agostinho. Entre as atas de assembleias possivelmente adulteradas, uma que indica o pastor Ismael de França Silva como tendo sido o presidente do ato, mas ele já tinha falecido quando a suposta assembleia aconteceu.

A reportagem da Marco Zero Conteúdo teve acesso exclusivo aos documentos que fazem parte do processo contra Herivando Costa. Durante semanas, as denúncias contra o pastor foram enviadas para nossas redes sociais por fontes ligadas ao ministério Batista, que preferem manter a identidade em sigilo por medo de represálias. Mais do que uma denúncia de fraude documental, que se comprovada configura crime de estelionato, o caso do pastor expõe as disputas internas entre os evangélicos batistas próximos a nomes conhecidos da política pernambucana.

Herivando Costa é pastor titular de três igrejas nos bairros recifenses do Ibura e da Iputinga, e em Pontezinha, no Cabo. A zona de influência dele, entretanto, vai além do campo religioso. Ligado ao deputado estadual Cleiton Collins e à vereadora Michele Collins, Herivando é uma figura popular, de oratória envolvente e uma rede de contatos influentes.

Em seus perfis nas redes sociais, o pastor já publicou fotos ao lado de políticos como Lula Cabral (PSB), prefeito do Cabo de Santo Agostinho, do deputado federal Eduardo da Fonte (PP). Sua página no Facebook tem mais de 1,1 mil seguidores. Por lá ele divulga vídeos de suas pregações nos cultos e das campanhas das quais protagonizou como candidato. Foram três disputas para vereador e uma para deputado federal no Recife, mas ele nunca conseguiu se eleger. 

Em 2016, o pastor batista se candidatou a vereador no Cabo de Santo Agostinho pelo PP, mesmo partido dos Collins. O casal de parlamentares evangélicos gravou vídeos endossando a candidatura dele.  Naquela eleição, Michele Collins foi eleita como a vereadora mais votada do Recife. Ela nomeou o pastor Herivando, que fracassou nas urnas, para um cargo de secretário parlamentar com remuneração bruta de quase R$ 10 mil/mês. 

A esposa de Herivando assumiu um cargo no gabinete do deputado estadual Cleiton Collins, em outubro do mesmo ano. Em 2017, quando o pastor batista ainda trabalhava no gabinete de Michele Collins, a vereadora e seu esposo, o pastor Cleiton Collins, foram investigados por suposta contratação de funcionários fantasmas pelo MPPE. De acordo com a denúncia, os parlamentares “estavam empregando servidores em seus gabinetes que não cumpriam expediente nas respectivas casas legislativas e tinham parte dos seus salários retidos pelos parlamentares investigados, recebendo remuneração inferior à que constava em seus contracheques.” 

Vereadora Michele Collins em vídeo de campanha de Herivando

Vereadora Michele Collins em vídeo de campanha de Herivando

O inquérito contra os Collins foi arquivado no segundo semestre de 2017. O MPPE não detalhou os motivos do arquivamento, decidido monocraticamente pelo conselheiro Renato da Silva Filho. 

Logo após a denúncia da Convenção Nacional Batista ao Ministério Público, em junho do ano passado, Herivando foi exonerado do gabinete da vereadora Michele Collins.

Racha na igreja

As acusações contra o pastor Herivando Costa são baseadas no trabalho de dois advogados da Convenção Nacional Batista.A dupla passou quatro meses analisando documentos das igrejas para verificar possíveis irregularidades. 

A Convenção acusa seu pastor de ter “inserido conteúdo deliberativo sobre a eleição e posse dele como pastor presidente da igreja de Pontezinha” em ata de assembleia registrada em 2013. Na reunião, os membros da igreja teriam decidido apenas sobre a renúncia e a jubilação de Ismael de França Silva, antigo pastor titular, que estava doente na época. Herivando assumiria apenas como interino, até que um novo pastor fosse escolhido pela própria congregação, como é de costume entre os batistas. 

Além disso, o ofício enviado ao MPPE menciona um segundo documento supostamente adulterado em 2018. A ata registra a nova diretoria da igreja de Pontezinha, incluindo Herivando, pastor presidente da congregação. Acontece que a assembleia reportada pelo documento, registrado no cartório do 1º Ofício de Cabo de Santo Agostinho, jamais teria sido realizada. 

A ata da assembleia geral, emitida em 2018, indica que o ato foi presidido pelo pastor Ismael de França Silva, que faleceu no dia 13 de abril de 2015. Além disso, a data da assembleia (22 de junho de 2018) coincide com a abertura da Festa de São José do Cabo de Santo Agostinho, que acontece na rua principal de Pontezinha, onde a igreja Batista está localizada. Por causa da quantidade de pessoas e da poluição sonora nas ruas, não existiria viabilidade de fazer reunião administrativa, devocional, ou qualquer outra na igreja”, diz o documento.

Na denúncia enviada ao MPPE, em junho do ano passado, a CNB avalia as motivações de Herivando para cometer as supostas fraudes. Ao assumir a presidência da igreja, ele teria inúmeras vantagens. “Primeiro por seus interesses políticos, abusando do poder religioso, segundo porque o mesmo ter recebido mensalmente quatro salários mínimos para passar quatro horas de culto, posto que o mesmo só vai nos cultos da terça, chegando às 20h na igreja e saindo às 21h, ou seja, o sr. Herivando tem recebido R$ 1 mil por hora trabalhada”, detalha a denúncia. 

O salário do pastor é retirado dos dízimos dos fiéis. Uma fonte ligada ao ministério Batista contou “em off” que, apenas na igreja de Pontezinha, onde há cerca de 300 membros, a renda mensal dos dízimos é de R$ 18 mil. E que aproximadamente 80% dos dizimistas da igreja são pensionistas e aposentados.

Fiéis x pastor

Um dos denunciantes das supostas fraudes de Herivando é Jessé Alves Alexandre, estudante de Direito. Ele frequenta a igreja Batista de Pontezinha desde a infância. Há dois anos, Jessé teve um desentendimento com pastor. “Ele fez uma mudança na liderança dos jovens que desagradou, não somente a mim, mas a outros membros. Fui questioná-lo sobre os critérios e terminei sendo punido por ele”, contou. 

A partir do desentendimento, Jessé e outros membros da igreja passaram a acompanhar as atividades do pastor com maior interesse. Foi então que eles descobriram os documentos supostamente fraudados. As denúncias desse grupo de membros da igreja, do qual Jessé faz parte, foram enviadas à Convenção Nacional Batista, que passou a investigar as condutas do líder religioso.

Jessé foi proibido por Herivando de assumir funções de liderança na igreja e diz estar sendo perseguido pelo pastor. No passado, ele assumiu cargos no ministério, todos não remunerados, porque apenas o pastor recebe salário. O evangélico garante que nunca chegou a pleitear o cargo de pastor, que no ministério Batista é escolhido por indicação da congregação e não por eleição. “Outro dia ele (o pastor) falou no culto que ‘essa raça de urubu só vem aqui quando vê carniça’”, contou Jessé, que continua frequentando a igreja de Pontezinha.

“Continuo lá porque quero que a congregação volte a ser como era antes. A gente tinha prestação de contas, a liderança trabalhava com a participação dos membros”, argumentou e prosseguiu. “Muitos irmãos têm medo de se expor por causa dos conhecimentos que o pastor tem na sociedade, mas muitos estão tristes com a liderança dele”, afirmou, garantindo que não tem interesse em se tornar pastor, nem de voltar a assumir cargos na igreja, como fez no passado, porque atualmente está se dedicando à faculdade. 

As acusações contra o pastor causaram incômodo entre os membros das igrejas que ele lidera. “As denúncias de fraudes são graves. Isso mexeu com as pessoas, muitos ficaram tristes. O que está em jogo é um exemplo que a gente devia estar dando como cristão. Que tipo de evangelho é esse que se faz sem seguir a lei?”, questionou um fiel da igreja de Pontezinha, preferindo manter sua identidade em sigilo.

Além das suspeitas de fraudes, os membros das igrejas de Herivando ainda denunciam outras irregularidades. “Existe indícios de sonegação fiscal e dívidas trabalhistas com as zeladoras das igrejas que não tinham carteira assinada e ganhavam menos de um salário mínimo”, contou um membro da igreja do Cabo. “Os evangelistas das igrejas Batistas não podem receber salários, por determinação do ministério. Mas o pastor oferece uma remuneração para que eles administrem as igrejas durante a ausência dele, uma espécie de terceirização que cria uma rede de apoio”, denunciou na sequência.

Investigação

Por causa da denúncia ao MPPE, o pastor Herivando foi afastado do cargo de diretor do Seminário Batista Nacional. A Convenção Batista Nacional (CBN) informou que ele continua pastoreando as três igrejas porque, no ministério Batista, as congregações têm autonomia para decidir sobre suas lideranças. Contudo, um processo disciplinar contra o pastor está em curso e pode destituí-lo dos cargos. 

A investigação contra Herivando Costa está correndo na 41º delegacia de polícia de Ponte dos Carvalhos. Uma primeira visita à igreja de Pontezinha foi feita no ano passado pela polícia, mas o procedimento foi devolvido ao Ministério Público porque a equipe não encontrou provas. No dia 27 de novembro do ano passado, o MPPE devolveu o processo à delegacia, por entender que existem indícios de fraudes que precisam ser melhor apurados. O prazo para as diligências complementares é de 90 dias a partir dessa data.

Fizemos contato com a delegacia, mas não conseguimos informações sobre o andamento do inquérito até a publicação desta reportagem. O pastor Herivando Costa negou a existência de denúncias contra ele no Ministério Público – embora isso tenha sido confirmado pelo órgão. “O que de fato existe é uma sórdida, irresponsável e criminosa tentativa de me denegrir”, disse por mensagem no Whatsapp. Herivando prosseguiu: 

“O que aconteceu foi uma falsa comunicação de crime, portanto encaminharam para o delegado abrir inquérito para apurar a denúncia, não ficaram satisfeitos com a conclusão do delegado, entregaram mais documentos referentes a um processo administrativo que não tem nada haver com o caso em discussão. Tentam confundir o MP, mas com certeza tudo será esclarecido. Como estou dizendo. Estou sendo vítima de uma campanha sórdida, covarde e criminosa com o objetivo de denegrir minha imagem. Não tenho absolutamente nada a temer. Todos serão responsabilizados criminalmente na hora certa”, escreveu. 

Diante da resposta genérica, enviamos perguntas detalhadas sobre as denúncias narradas nesta reportagem. O pastor Herivando respondeu:

“Acredito que o que te falei anteriormente contempla sua pergunta. O MP pediu diligências complementares para o caso, depois de ter recebido material da convenção batista nacional que não tem qualquer poder sobre as decisões da igreja que é soberana em todas as suas decisões, em expressão de desespero por seus esquivos cometidos contra pastores e igrejas tenta desesperadamente um fato para me denegrir, agem de forma atabalhoada e criminosa em vários outros casos aqui e no país. Creio que dentro do prazo estipulado o inquérito será concluído sobre o tema de fato pertinente a igreja. Quanto minha vida particular e questões internas da igreja não vou comentar. Reafirmo minha tranquilidade, consciente do que de fato ocorre aguardo essa decisão para providências futuras. A verdade às vezes parece lenta mas sempre se impõe diante da mentira. Agradeço pelo seu contato e sugiro que você pesquise bem sobre a convenção batista nacional, e sobre o senhor Edmilson Vila Nova (presidente da Convenção Batista Nacional), como você faz um jornalismo investigativo poderá elucidar melhor os reais interesses por trás dessa doentia e criminosa perseguição a minha pessoa. Deus abençoe. Estou aguardando autorização de uma pessoa para lhe passar contato e com certeza irá lhe dizer melhor o que é essa organização atualmente. Mais uma vez obrigado pelo contato.”

Tentamos por diversas vezes falar com o presidente da CBN, o pastor Edmilson Vila Nova, mas não recebemos retorno. A Convenção não emitiu nenhuma nota sobre o caso e, em sigilo, uma pessoa ligada à CBN informou que os batistas decidiram não falar “por temerem um escândalo no ministério.”

A vereadora Michele Collins não quis comentar as denúncias de funcionários fantasmas no seu gabinete e do seu esposo, que foram investigadas pelo MPPE. Por meio da Assessoria de Imprensa, informou apenas que “ durante o período em que o pastor Herivandro Costa trabalhou em seu gabinete foi um funcionário exemplar que sempre cumpriu com as suas atividades com zelo e afinco. Na sua vida pessoal como pastor o vê como um homem zeloso pela obra de Deus , tanto ele quanto a sua família. Em relação ao seu ministério junto a Convenção da Igreja Batista a parlamentar não tem nada a declarar.”

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).