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Estudantes da ocupação no Instituto Federal de Barreiros estão sob pressão: sem alimentação e sem internet

Marco Zero Conteúdo / 13/11/2016

Por Laércio Portela e Samarone Lima

Quando fizeram uma assembleia e decidiram ocupar o campus Barreiros do Instituto Federal de Pernambuco, na Mata Sul do Estado, na última quarta-feira, para engrossar a luta contra a PEC 55, os estudantes talvez não imaginassem que a barra fosse ficar tão pesada.

No dia seguinte, uma nova assembleia de encaminhamento foi realizada. O diretor do Instituto, Adalberto de Souza Arruda, fez questão de participar. Disse que não iria promover nenhuma ação jurídica de reintegração, mas indicou três professores para “dar suporte” ao grupo que ficaria à frente do movimento.

A proposta foi tão estranha, que os estudantes desconfiaram. E não concordaram, claro.

No final do dia, receberam a informação de que “como não estavam tendo aula”, a alimentação seria cortada. E foi, mesmo com 86 estudantes em regime de internato (eles moram no Instituto e dependem dele para se alimentar). Alguns destes alunos voltaram para casa, mas outros internos seguem na ocupação.

Pouco depois, o sinal da internet caiu. Os alunos também se queixam do cancelamento dos ônibus das prefeituras que todos os dias vão buscar os estudantes nos municípios vizinhos de Tamandaré, Rio Formoso, São José da Coroa Grande e Sirinhaém.

Na sexta, os estudantes da ocupação saíram em passeata até o centro de Barreiros em protesto contra os cortes de bolsas e a PEC 55

Na sexta, os estudantes da ocupação saíram em passeata até o centro de Barreiros em protesto contra os cortes de bolsas, a reforma do Ensino Médio e a PEC 55

Um grupo de professores entrou em contato com os ocupantes, para oferecer atividades extracurriculares durante a ocupação. Uma agenda começou a ser montada, mas a programação “vazou” e os professores não realizaram suas atividades com receio de retaliação.

“Tecnicamente, está sendo colocada uma coisa militar: ele manda, a gente tem que obedecer”, diz um dos jovens que participam da ocupação.

O fato mais grave, no entanto, ainda estava por acontecer. Na mesma noite, quando se organizavam para dormir na biblioteca do Instituto, dois tiros foram disparados de uma mata próxima, não se sabe em qual direção.

Os vigilantes chegaram a fazer uma proposta no mínimo inusitada aos ocupantes na suposta intenção de “protegê-los”: trancá-los nos dormitórios à noite e liberá-los pela manhã.

“Estamos vivendo um faroeste caboclo”, completou outro estudante.

Informações cada vez mais alarmantes começaram a chegar aos celulares dos Juristas Pela Democracia, que despacharam para o Instituto, no sábado à tarde, o advogado Augusto Evangelista. A reportagem da Marco Zero Conteúdo acompanhou o seu encontro com os jovens.

Numa roda de conversa na biblioteca, Augusto pode ouvir o desabafo dos estudantes, ainda visivelmente assustados com o vendaval autoritário.

“O que estão impondo aqui não existe. Vocês não estão fazendo nada irregular, e estão sem alimentação, sem comunicação e com dificuldades de acesso ao Instituto. Vocês não são invasores. São estudantes e lugar de estudante é aqui mesmo nas escolas e universidades”, observou, já repassando o número do celular, para qualquer dúvida ou emergência.

O advogado Augusto Evangelista orienta os estudantes da ocupação do IF Barreiros sobre seus direitos

O advogado Augusto Evangelista orienta os estudantes da ocupação do IFPE de Barreiros sobre seus direitos

Depois de meia hora de conversa, os jovens começaram a ficar mais à vontade e falaram abertamente sobre o que vêm sofrendo e os desafios de fazer parte de uma ocupação em um Instituto Federal em plena Zona da Mata de Pernambuco, a 112 quilômetros do Recife.

Sem querer se identificar, uma jovem contou um caso que revela o clima na instituição, em caso de dissidência.

“Em 2014, um aluno começou a mobilizar os outros e a coisa foi crescendo. Alguém da direção disse que o pensamento dele “subiu demais à cabeça” e ele acabou sendo transferido para o Recife. É como um cachorro, que botam a corda nele e ele vai lá, com a cabeça baixa”.

Depois de uma pausa, a jovem arremata:

“Mas isso acabou”.

Uma palavra nova

Discreto, de fala mansa e pausada, Gustavo Monteiro, de 21 anos, cursa licenciatura em Química. Lembra que “ocupação” é uma palavra nova para eles, mas que vêm discutindo há vários dias.

“Aqui é a Mata Sul. É área de cana-de-açúcar. A população é muito podada. Estamos convivendo com o que é novo”, afirma.

Ele diz que a luta é contra a PEC, contra a proposta de reforma do Ensino Médio, o corte de bolsas e por melhorias no Instituto.

“A gente está realizando um movimento pacífico. Estamos cuidando do que é nosso. Quando terminar, vamos deixar este local melhor do que encontramos”.

“Mesmo que esta PEC vá adiante, daqui a vinte anos a gente vai dizer que fizemos parte desta grande mobilização nacional”, completa. “A gente perde o semestre mas não vamos perder 20 anos”.

A exemplo de centenas de outras ocupações, eles se dividiram em comissões, que cuidam de diferentes temas. A alimentação está sendo feita por eles mesmos, graças a doações. Como não têm mais acesso à Internet, se revezam nos celulares. “Os créditos estão acabando rápido”, conta.

Quanto às atividades extracurriculares, os jovens ocupantes acreditam que serão realizadas e não têm se deixado intimidar. Na sexta, saíram do Instituto até a zona central de Barreiros em passeata, com faixas e cartazes contra a PEC 55. Antes mesmo da ocupação criaram um página no Facebook (@mobarreiros) para manifestar suas ideias e protestar contra os cortes na educação.

O estudante Willard Victor tem 18 anos e faz o curso técnico em Agropecuária. Mora pertinho do Instituto e avisou à mãe que iria participar da ocupação e dormir fora de casa. “Ela me disse ‘tá certo, você tem que lutar pelos seus direito. Vá e se cuide'”.

Willard está convicto de que tomou a decisão certa: “Muitos de nós poderiam estar agora na praia, mas estamos aqui passando por todas essas dificuldades e lutando. Nós temos voz e não vamos nos calar”.

As  jovens Mayra Gabryella e Caroline Barros, 18 anos, participam da ocupação e vêem no movimento um espaço de aprendizado. As duas, assim como Willard, são alunas do curso técnico em Agropecuária. “A gente não aprende só sobre política. A gente também está tendo uma experiência no nível pessoal, de relacionamento. A gente conversa e busca o consenso entre todos nós e também divide as atividades do dia, a limpeza, a alimentação. Tudo isso é um grande aprendizado”, explica Caroline.

Controle quase militar

A reportagem do Marco Zero Conteúdo acompanhou o representante do grupo Juristas Pela Democracia, na visita ao Instituto. Para chegar ao alojamento dos alunos, foi preciso uma série de telefonemas. A entrada de carro foi proibida. Tivemos que esperar os estudantes, e fomos caminhando juntos.

Dois minutos depois, duas motos de uma empresa de vigilância privada encostaram, passando o celular para Gustavo, que respondia várias perguntas a uma pessoa chamada somente por “Bira”, o vice-diretor administrativo. O estudante nos identificou como pesquisadores, que estavam levando ajuda para o movimento.

Bira queria falar com um dos pesquisadores. Gustavo me passou o telefone. Para não expor os jovens, confirmamos a história. A ligação estava muito ruim, mas ele queria saber detalhes, o que faríamos e, principalmente, quanto tempo duraria a visita.

“Ah, é para conhecer o movimento, vamos passar meia hora, no máximo”.

“Só meia hora, né?”

“Sim, sim, tranquilo. Já visitamos outras ocupações para nossa pesquisa”.

O telefone voltou para Gustavo, depois para o segurança.

Eu e o repórter Laércio Portela pudemos então conversar longamente com os integrantes do movimento.

Na roda de conversa, perguntamos o que teria acontecido se tivéssemos nos identificado como jornalistas.

“Dificilmente seria aceita a entrada. Caso vocês entrassem, em pouco tempo, o diretor já estaria aqui”, contou um estudante.

“Gastei todos os créditos do meu celular falando com o diretor, para conseguir esta autorização”, disse Gustavo. “A autorização para vocês subirem foi a coisa mais difícil do dia”, completou.

Diretor justifica corte de comida por causa do “calendário escolar”

O diretor do campus Barreiros do Instituto Federal de Pernambuco, Adalberto de Souza Arruda, confirmou à Marco Zero Conteúdo a suspensão do fornecimento da alimentação para os alunos a partir da última sexta-feira.

Alegou que a interrupção não tem relação com a ocupação, mas com o calendário escolar. “Sexta não houve aula por causa da paralisação nacional e agora estamos num feriadão. A alimentação volta ao normal a partir da próxima quarta, com o retorno das aulas”.

Insistimos na questão com o diretor. Afinal, os estudantes da ocupação não teriam direito a ter acesso aos alimentos? “Professores e pessoas que apóiam o movimento têm ajudado com doações. Eu não posso garantir institucionalmente o acesso porque senão vai fazer falta no final do ano para os outros alunos. Trabalho com o calendário do ano letivo”.

Conversei por telefone com o diretor na manhã do domingo, um dia após nossa visita ao IFPE de Barreiros. Expliquei que eu e o repórter Samarone Lima tínhamos estranhado o comportamento dos vigilantes. “Tem tido muito assalto e violência pela região. Um vigilante nosso foi baleado no final de semana passado. Por isso a tensão. Mas vocês têm todo direito de ir lá e conversar com os estudantes. Não tem problema”, argumentou.

Adalberto disse que não houve uma determinação sua para cortar a Internet. Segundo o diretor, o serviço cai com freqüência e é isso o que deve ter ocorrido dessa vez. O pessoal de manutenção está de folga e, assim, novamente, tudo só poderá ser resolvido na quarta que vem.

Sobre a participação dos professores em atividades extracurriculares com os estudantes da ocupação, o diretor foi evasivo: “A diretoria não se envolve nisso. Temos dado todo o apoio em outros pontos. Mas essa é uma decisão deles. Pelo que sei há divergência aí entre os próprios estudantes e também entre os professores sobre essa participação. Mas qualquer um pode ir lá. Vocês foram lá”.

No sábado, enquanto conversávamos com os jovens na biblioteca do Instituto ocupado, um funcionário apareceu no local e foi retirado rapidamente. Os estudantes dizem que eles aparecem de vez em quando para checar se tem algum professor com os alunos. “Estão de olho. É muita pressão”, contou um dos estudantes.

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Marco Zero Conteúdo

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