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Incêndio na refinaria é consequência do desmonte e descaso com segurança

Mariama Correia / 04/12/2018

O incêndio que atingiu a unidade Coqueamento Retardado (U-21) da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Suape, nesta terça-feira (4), não aconteceu por acaso. A falta de manutenções preventivas por causa do pequeno número de técnicos seria a real causa do acidente, na avaliação do Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco e da Paraíba (Sindipetro PE/PB). A entidade denuncia o esvaziamento paulatino de equipes de operação e de segurança do empreendimento bilionário da Petrobras, que está na lista de privatizações da empresa.

No começo da manhã, uma das torres da Rnest foi tomada pelo fogo. O incêndio foi rapidamente controlado pelas equipes de contingência internas e, por sorte, ninguém ficou ferido. Em nota, a Petrobras informou que as causas do acidente ainda estão sendo apuradas. A petrolífera garantiu que nem a operação da Rnest, nem o abastecimento dos produtos serão prejudicados porque há estoque de combustíveis suficiente, embora a unidade atingida permaneça paralisada.

Rapidamente debelado, o princípio de incêndio pode ser apenas um aviso de uma tragédia industrial de grandes proporções. Acontece que as paradas de manutenção das refinarias foram reduzidas pela Petrobras, desde que a companhia adotou a sua política de desinvestimentos e passou a enxugar os quadros das operações, diz a Federação Única dos Petroleiros (FUP) e seus sindicatos. Assim, os cortes de funcionários estariam afetando diretamente a segurança nas plantas de refino. A explosão na refinaria de Paulínia (Replan) , em agosto passado, por um defeito em um equipamento, estaria relacionada ao problema, apesar de, na época, a Petrobras ter negado essa correlação.

O que se sabe com certeza é que o desmonte da Petrobras já resultou na saída de cerca de 20 mil trabalhadores nos planos recentes de desligamento (PIDV). Houve ainda um estudo de reestruturação de efetivos que encolheu ainda mais as equipes nas áreas operacionais. Nas contas do Sindipetro PE/PB, a Abreu e Lima sofreu uma redução de efetivo de operação de 20% em um ano. Atualmente, são 24 técnicos de operação em cada um dos três turnos. No ano passado eram 30 por turno. A equipe de manutenção preventiva, fundamental para evitar incêndios, por exemplo, também foi reduzida, mas o sindicato não soube precisar a quantidade de demissões.

Os cortes de funcionários na Rnest implicam na precariedade do ambiente de trabalho, porque a sobrecarga de atividades expõe os profissionais a riscos constantes, denuncia Rogério Almeida, coordenador do Sindipetro PE/PB. Ele visitou a unidade atingida pelo incêndio na manhã desta terça-feira. “As demissões, os salários atrasados e o acúmulo de funções, tudo isso contribui para a deterioração de equipamentos que observamos na unidade, o que pode ter ocasionado o vazamento da torre que pegou fogo”, argumentou. “A privatização da refinaria, como quer a Petrobras, tende a agravar esse descaso com um empreendimento de extrema importância, porque as empresas privadas priorizam o lucro em detrimento da segurança do trabalhador”, acrescentou.

Almeida também explicou que normalmente as refinarias de petróleo operam por períodos ininterruptos de quatro anos, chamados de campanhas. Esses prazos são interrompidos por paradas de 20 a 30 dias para manutenções. Acontece que a Abreu e Lima já completou quatro anos de operação, mas a Petrobras ampliou o período da campanha para cinco anos. “É um risco, principalmente porque a Rnest fica próximo do mar e a maresia prejudica os equipamentos”, explicou o coordenador do sindicato. Atualmente, cerca de 800 pessoas trabalham na Rnest, incluindo atividades administrativas, operacionais e de construção, porque, embora o empreendimento tenha quatro anos de funcionamento e já tenha consumido mais de US$ 20 bilhões, ainda opera com a metade da sua capacidade.

Operação

A unidade de Coqueamento Retardado é responsável por processar a parte mais pesada do petróleo e transformá-lo em um produto mais leve. Ela produz, além do coque, o gás combustível, o gás liquefeito de petróleo (GLP), nafta, diesel e gasóleo pesado.  Em nota, a Petrobras informou que “uma comissão de investigação foi mobilizada para avaliar as causas do acidente e o prazo para retorno da unidade”.

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).