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Jornalistas viram alvo de ataques de apoiadores de Bolsonaro

Mariama Correia / 17/10/2018

Um bloquinho, um gravador e/ou um microfone nas mãos são as únicas armas que nós jornalistas costumamos carregar no enfrentamento diário das ruas. Não seria necessário mais do que isso, afinal, jornalista não é soldado. Não deveria ser alvo de agressões por cumprir o dever de informar. Mas o contexto político e eleitoral vem tornando o exercício da profissão um campo minado no Brasil.

Este ano, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) já contabilizou 137 agressões a jornalistas  relacionadas com as questões políticas e eleitorais. Entre os 62 casos de agressões físicas (com 60 atingidos) há um em Pernambuco. Outro levantamento, este sem recorte de profissões, feito pela Agência Pública e pela Open Knowledge Brasil registrou pelo menos 70 ataques nos primeiros dez dias deste mês – 50 de autoria de apoiadores do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).

Um dos ataques a jornalistas relatados no levantamento da Abraji foi o da repórter Fernanda Villas Bôas, do Portal NE10. Ela estava com o crachá nas mãos quando foi abordada por dois homens com camisas de Bolsonaro na saída de seu local de votação, na Zona Norte do Recife, no último dia 7. “Eles disseram: quando nosso comandante ganhar essa imprensa vai morrer! Um disse que iria me estuprar, mas o outro respondeu que era melhor me cortar toda. Foi quando ele pegou a faca e cortou meu rosto, meu braço e antebraço”, recorda.

Ameaçada de estupro, cortada no queixo e nos braços, Fernanda sofreu um choque tão grande que não consegue lembrar como foi capaz de chegar até a redação do jornal naquele dia. “Depois disso fiquei com medo de exercer minha profissão. A maneira como Bolsonaro fala da imprensa está provocando a ira das pessoas”, conta.

O caso de Fernanda está sendo investigado pela polícia. O Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) emitiram nota sobre o ocorrido onde afirmam que “a violência contra jornalistas representa gravíssimo ataque à liberdade de expressão e de imprensa”. O Sistema Jornal do Commercio, ao qual pertence o Portal NE, também repudiou a agressão. “A orientação é noticiar e acompanhar casos assim, desde que haja uma queixa formalmente prestada à polícia por parte de quem sofreu a agressão”, esclareceu o diretor de redação Felipe Vieira, comentando que o fato não repercutiu em mudanças no cotidiano da redação. Ele informou ainda que a profissional está sendo assistida pela empresa.

Outro ataque recente envolvendo jornalistas do estado aconteceu no último dia 11. O estagiário da Folha de Pernambuco Armando Holanda usava o crachá da empresa quando foi abordado por um motoqueiro ao atravessar uma rua nas proximidades do jornal, que fica no bairro do Recife Antigo. “Ele freou de leve e deu um tapa na minha cabeça. Falou: essa raça vai acabar, viu? Isso foi porque sou gay. Foi um ataque homofóbico”, lembra o estudante de jornalismo.

Armando permaneceu atônito até voltar à redação. “Foi aí que a ficha caiu, comecei a chorar. Estou com medo de andar sozinho”, revela. Embora o agressor não tenha se identificado como seguidor de nenhum candidato, o estudante acredita que declarações de Bolsonaro contra homossexuais inflamam os radicais. “Até na delegacia, quando fui prestar queixa, o delegado insinuou que iria registrar o caso como veadagem. Ele ainda ficou dizendo que só Bolsonaro pode dar jeito no país”, relata. O caso acabou sendo enquadrado como crime de discriminação e preconceito.

A Folha de Pernambuco lamentou o ocorrido e ressaltou que o fato não está restrito ao jornalismo. Também disse que a agressão ao estagiário não chegou a motivar nenhuma mudança de postura da redação, nem algum alerta para os profissionais, mas reconhece que casos como o de Armando têm se tornado mais frequentes. “Denunciamos o que acontece. Produzimos amplo conteúdo sobre intolerância recentemente para chamar atenção para o problema, que tem se acentuado”, avaliou a editora-chefe Patrícia Raposo.

Entre o medo e o dever

Oficialmente, as agressões recentes a jornalistas em Pernambuco ainda não parecem ter sido suficientes para provocar a adoção de ações preventivas entre os veículos de mídia e seus profissionais. Além de registrar queixas formais e noticiar esses fatos, o Sinjope acredita que é importante orientar melhor os comunicadores sobre como agir nessas situações. “De modo preventivo, treinar os profissionais para que eles saibam o que fazer”, argumenta o diretor do Sinjope e vice-presidente do Nordeste da Fenaj, Osnaldo Moraes.

Enquanto a segurança ainda não virou pauta nas redações, o medo, por outro lado, já domina as conversas de bastidores. “Uma matéria que falava sobre negros, gays e nordestinos, que já começaram a sofrer ameaças e agressões antes mesmo de uma possível vitória de Bolsonaro, foi publicada sem assinatura dos repórteres recentemente. Tem profissionais que já falam em não participar de cobertura de eventos pró-Bolsonaro por medo”, conta um repórter do Diário de Pernambuco que preferiu não se identificar.

“Em outras situações sentia que o crachá me protegia, pensava que estava blindada por ter uma identificação escrito ‘imprensa’”, comenta a repórter do Jornal do Commercio Luiza Freitas. “Uma colega escreveu uma matéria e acabaram com ela nos comentários das redes sociais. Comecei a sentir muito medo. Depois do dia da eleição decidi que vou analisar bem antes de assinar uma matéria. Também entendi que, a depender do lugar, o crachá não me protege, só me denúncia. E, independentemente do resultado das eleições, já percebi que os ânimos estão exaltados demais. Vou precisar aprender a trabalhar com medo de ser tão vítima quanto as pessoas que entrevistamos”, acrescenta.

Do digital para a vida real

As barreiras entre os jornalistas e os leitores foram derrubadas graças ao mundo digital. Essa proximidade pode ser até benéfica em alguns aspectos, mas por outro lado deixou os produtores de conteúdos mais vulneráveis aos ataques no ambiente online. Esse tipo de abordagem  se avolumou nestas eleições, com casos emblemáticos como o da jornalista Míriam Leitão e as agressões a repórteres de agências de checagem.

A Abraji registrou 75 ataques por meios digitais (com 64 profissionais afetados) a jornalistas no contexto destas eleições. Jornalista pernambucana, Talita Corrêa costuma publicar textos opinativos em suas redes sociais. Na eleição anterior, por exemplo, chegou a divulgar conteúdos onde criticava o PT. “Este ano, no primeiro turno, compartilhei um texto dizendo que nunca votaria em Bolsonaro. O texto começou a ser muito compartilhado, chegando a mais de 80 mil curtidas em uma página no Facebook e circulou também em outras plataformas. Como consequência, recebi uma enxurrada de agressões virtuais. Pessoas que não conheço mandavam mensagens privadas me chamando de puta, dizendo que deveria ser estuprada, me ameaçando. Fizeram ataques virtuais também no perfil do meu marido”, relata.

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Talita consultou um advogado, mas não chegou a prestar queixa na polícia.  Conta que passou alguns dias se dedicando a responder as mensagens e que o estresse da situação chegou a prejudicá-la no trabalho. Com os perfis na internet bloqueados para desconhecidos, a jornalista, que trabalha com redes sociais, comenta que o episódio a fez perceber a força do ambiente virtual. “Vi que não é algo que fica somente ali, na internet. Percebi que essas pessoas são reais e teria medo de encontrar metade dessas pessoas na vida real”, comenta.

Confira aqui uma cartilha da Abraji sobre como agir em casos de assédios online.

Liberdade de imprensa ameaçada

Claro defensor do regime militar que subjugou a imprensa brasileira por meio de mecanismos como a lei da imprensa (1967) e a censura prévia (1970), o candidato Jair Bolsonaro reproduz comportamentos comuns aos sensores da ditadura. Trata jornalistas usando táticas de intimidação expressas de forma truculenta,  que também motivam seus seguidores a usarem os mesmos meios. “Mesmo antes do resultado das eleições, na prática,  se a gente fala alguma coisa e o candidato do PSL não aceita, sofre represálias”, alerta Osnaldo Moraes, do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope).

Se a aversão do candidato do PSL à imprensa já provocou ondas de violência durante a campanha, uma possível vitória dele nas urnas pode ser o prenúncio de tempos ainda mais obscuros para os profissionais de mídia, assim como foi durante a ditadura militar. “Acho que podemos esperar uma postura semelhante à de Trump, que coloca em descrédito a imprensa como um todo. Ele já faz isso. Esses dias recomendou aos parlamentares do seu partido não falarem com a imprensa porque os jornalistas querem desgastá-lo”, diz a jornalista e professora da ESPM-SUL Marcela Donini, que é co-fundadora do Farol Jornalismo, entidade que produziu a cartilha de segurança dos jornalistas para a Abraji.

A professora considera que os ataques a repórteres devem se intensificar especialmente se Bolsonaro for eleito.  “Isso porque ele já fez várias declarações que violam direitos humanos. Se um presidente coloca em descrédito toda a categoria dos jornalistas, é óbvio que as pessoas também se sentem autorizadas a não acreditarem na imprensa. A sociedade tem todo o direito de criticar a imprensa, mas não perseguir jornalistas”.

 

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).