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O Carnaval – sem rua – dos blocos tradicionais de Olinda

Raíssa Ebrahim / 05/03/2020

Agremiações e moradores do Sítio Histórico de Olinda se reúnem para avaliar o Carnaval 2020

O que o tombo de Paul McCartney tem a ver com a manutenção da tradição do Carnaval de Olinda? Calma, não é uma pergunta sob os efeitos da embriaguez do Carnaval. A ressaca passou, mas a memória ficou. Se você brincou a folia este ano nas ladeiras do Sítio Histórico, percebeu facilmente a dificuldade de circulação de agremiações e bonecos gigantes. O do integrante dos Beatles tombou em meio à multidão próximo à sede da prefeitura.

A cada ano, mais gente vai curtir a Festa de Momo na cidade. Foram 3,6 milhões de foliões neste ano, segundo a prefeitura. Mas a tradição tem precisado disputar cada vez mais espaço com paredões de som – com direito até a gelo seco -, veículos e desorganização do comércio informal (cujo ordenamento é de responsabilidade do poder público, que fique aqui negritado).

O som mecânico em Olinda é proibido por lei justamente para não prejudicar a evolução de orquestras de frevo e a passagem dos blocos e também por questão de conservação do patrimônio. Isso sem falar de outros pontos como falta de iluminação, sujeira, truculência policial e camarotização. Neste ano, a Prefeitura de Olinda não repassou informações sobre as casas camarote e prejudicou a fiscalização antes da festa.

Em 2020, a situação chegou ao extremo e foi um dos destaques da reunião de avaliação do Carnaval realizada pela sociedade civil para pensar estratégias para os próximos anos. O encontro aconteceu na sede da Sociedade Beneficente de Artistas e Operarios de Olinda (Sbaoo), utilizado pela Sociedade Olindense de Defesa da Cidade Alta (Sodeca).

Do jeito que está, avaliam, não vai dar para continuar. O argumento do grupo é que o patrimônio imaterial e material do século XVI não aguenta.

Veículo puxando paredão de som transita por um dos principais corredores naturais do Carnaval de Olinda, em frente à prefeitura

O encontro da última quarta-feira (4) à noite contou com representantes de agremiações importantes, moradoras e moradores da Cidade Alta. A Pitombeira, que é dos Quatro Cantos, hoje em dia mal consegue passar pelo cruzamento mais tradicional das ladeiras.

“Quando chega a sexta de Carnaval, a prefeitura some das ruas. Na segunda, procuramos, mas não tinha ninguém no desfile. As troças vão se acabar se a Prefeitura de Olinda não der suporte”, reclamou Aprígio Trajano, vice-presidente da troça, fundada em 1947 e uma referência do Carnaval de rua de Olinda.

Na Rua do Bonfim, outra passarela natural da folia, foi difícil circular. Segundo os depoimentos, a iluminação estava ruim e a impressão que deu é que não houve ordenamento para organizar os ambulantes, que, apesar de pagarem uma taxa, precisam se virar como podem.

Famílias inteiras acampam nas ruas durante toda a festa, em meio à sujeira e ao mau cheiro. De dia, o retrato do Carnaval de Olinda brilha. À noite, a realidade pesa. É um lado B da folia que o folião não vê.

“Nossas agremiações tradicionais estão sendo expulsas, precisando encontrar rotas fora do Sítio Histórico para conseguir desfilar”, provocou Juliana Serretti, do Elefante de Olinda, fundado em 1952 e que assina o hino extraoficial de Olinda. Foi ela quem abriu as falas elencando a série de reclamações que listamos no começo da matéria.

Juliana também sugeriu que é necessário educar o folião sobre a dinâmica específica do Carnaval de Olinda, informando, por exemplo, o que pode, o que não pode e a importância de respeitar o patrimônio.

O Eu Acho É Pouco, que arrasta uma multidão no Sábado de Zé Pereira e na Terça Gorda, parou de divulgar local e horário da concentração por conta dos problemas de circulação. “Este ano foi o pior”, desabafou Maria Chaves.

Ela disse que ofertas e convites não faltam para o EAP desfilar em outros lugares. Mas o grupo quer manter a tradição, não quer sair de Olinda. “Nunca vi nada igual à quantidade de carros circulando pelo Sítio Histórico neste Carnaval”, comentou.

“Fico triste porque estamos voltando 25 anos no tempo. Eu não sei por que a lei não sai da gaveta e vai para a rua. Voltou a esculhambação na cidade. Duvido que o trade turístico esteja satisfeito, isso não é modelo de festa. O controle urbano liberou geral. Quem quer investir numa bagunça dessas?”, alfinetou Sílvio Botelho, artista plástico e criador dos bonecos gigantes.

Paredão de som, proibido por lei, ocupa as ruas do Sítio Histórico de Olinda no Carnaval

Geraldo Lima Jr., do Minha Cobra, bloco da torcida do Santa Cruz, relatou que às 10h da segunda havia um caminhão de cerveja entre o Largo do Amparo e o Bonsucesso. “Ouvimos relatos de som mecânico que quebrou e foi ser consertado no meio da rua. Depois parou em frente à prefeitura para tocar a pedido da uma emissora de TV”, contou.

“O frevo madruga lá em São José. Depois em Olinda na praça do Jacaré”. Plínio Victor, do bloco da Ema, lembrou a música de J.Michiles para dizer que antigamente as agremiações desfilavam nas avenidas largas debaixo, na Sigismundo Gonçalves, da Praça do Jacaré, no Varadouro, até a Praça 12, no início do Bairro Novo.

Era lá também que os comerciantes informais colocavam suas vendas. “Depois que abriram para a circulação de trânsito, tudo isso se aglomerou na parte de cima do Sítio Histórico”, rememorou para mostrar o aperto.

O pessoal que se reuniu ainda está tentando chegar a um consenso sobre alguns pontos debatidos, sobretudo a questão do som mecânico. Isso porque algumas agremiações usam aparelhos para amplificar as vozes, com volumes não tão potentes quanto os paredões.

A respeito do comércio informal, a sugestão é rever a locação dos conjuntos de tabuleiros e também exigir melhor controle sobre sua implantação, pois há indícios de venda de pontos além da capacidade do Sítio Histórico e também da venda ilegal do locais para permissão de utilização. Outra ideia é evitar barracas e tabuleiros nas esquinas e proibir implantação em frente a portas e janelas das casas.

Alguns participantes sugeriram estudar a implantação de um cinturão de comércio de alimento na parte baixa, entre a Rua do Sol e o Varadouro, semelhante ao implantado no Carnaval do Recife, até para evitar que pessoas sofram acidentes com brazeiros e fogões no meio da multidão.

Um mapa com pontos críticos em relação ao comércio baseados nos registros fotográficos dos moradores deve ser elaborado. O Conselho de Preservação também irá se encontrar, no dia dia 13 de março.

O grupo irá finalizar um relatório sobre o Carnaval e encaminhar à prefeitura, à Câmara Municipal e ao Ministério Público. Também irá pedir uma audiência pública para tratar do Carnaval e das prévias, a pedido dos moradores.

LEIA TAMBÉM: Em 2020, o Carnaval de Olinda foi de outro mundo

Dois carnavais diferentes

A Marco Zero Conteúdo entrou em contato com o secretário de Patrimônio, Cultura, Turismo e Desenvolvimento Econômico de Olinda, João Luiz, para saber qual a avaliação dele em relação às críticas e quais os planos para o próximo Carnaval. O gestor, no entanto, disse que “não tinha muito o que falar” por não ter recebido qualquer documento oficial das agremiações com as reclamações.

“Se era para avaliar o Carnaval, seria importante que a prefeitura tivesse sido chamada para prestar esclarecimento. Mas, quando a sociedade que se diz defensora da Cidade Alta não se propõe a chamar o poder público, não tenho o que falar sobre o assunto”, argumentou.

Alguns dos moradores e representantes das agremiações presentes na reunião da Sodeca criticaram o fato de a Prefeitura de Olinda não ter sido convidada. Acharam que seria importante a presença do poder municipal para ouvir e avançar no debate.

Segundo João Luiz, que polemizou sobre a reunião ter servido de palanque contra o prefeito Professor Lupércio (SD), cotado para a reeleição, a avaliação do Executivo municipal é outra, completamente diferente, e foi apresentada durante coletiva de imprensa.

Segundo os dados divulgados, a cidade recebeu 3,6 milhões de foliões durante os quatro dias de Carnaval, quando 400 orquestras circularam, e movimentou R$ 295 milhões com a hotelaria tendo chegado a 98% de ocupação. Ao todo, 100 mil empregos foram gerados e 120 toneladas de lixo foram recolhidas. A aprovação do público foi de de 92%, de acordo com pesquisa realizada pela prefeitura.

Atualizado às 16h54

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com