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Candidaturas de mulheres trans crescem e querem ser ouvidas no legislativo

Maria Carolina Santos / 03/10/2018

Pernambuco tem três candidatas trans, todas no campo da esquerda. Fotos: Inês Campelo e Mayara Santana

adalgisasaberturaNestas eleições, as candidaturas de transexuais cresceram exponencialmente no Brasil: passaram de apenas cinco em 2014 para 47 candidaturas neste ano, segundo levantamento da Associação Nacional de Travestis e Transexuais e da Marco Zero Conteúdo. Em Pernambuco, são três candidaturas, todas de mulheres trans: Amanda Palha, única candidata a federal, pelo PCB; Robeyoncé Lima, que faz parte do coletivo Juntas, do Psol; e Joana Casotti, pelo PCdoB. É a primeira vez que todas elas participam de uma eleição. (Confira as propostas de cada uma ao final desta matéria)

A população trans é das mais vulneráveis no estado. Segundo o relatório anual da Antra, que foi lançado no final de 2017, Pernambuco é o quarto estado brasileiro que mais mata travestis, pessoas trans e transexuais. “Isso dentro do país campeão em nos assassinar é ainda mais alarmante. Então primeiramente a gente precisa garantir formas de sobrevivência. A idade média de pessoas trans mortas com violência é de 35 anos”, diz a transfeminista Caia Coelho, ligada à Nova Associação de Travestis e Transsexuais de Pernambuco (Natrape).

Entre as pautas mais urgentes que os movimentos citam estão garantias de sobrevivência. “Na prática, isso significa pensar nos adolescentes trans que se hormonizam sem acompanhamento médico (no caso dos homens trans, com testosterona traficada) porque a lei não permite o acesso à saúde. Eles acabam desenvolvendo trombose, muitas vezes. Mas para além da questão endocrinológica, estamos falando de direito ao aborto para mulheres e para homens trans (esquecidos do debate). De condições mais seguras para se prostituir. De universidades criando cotas para pessoas trans na graduação…”.

Confira no mapa quem são e onde estão as candidaturas trans
Dezoito estados e o Distrito Federal somam 47 candidaturas de transexuais nas eleições 2018. São 45 candidaturas individuais e duas em coletivos (Juntas/PE e Bancada Ativista/SP). A grande maioria é de mulheres trans: são apenas dois homens trans. Confira os nomes, cargos e partidos no mapa. Dados: AntraBrasil/TSE

Este também é o primeiro pleito em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aceita a autoidentificação tanto para o título de eleitor quanto para os registros dos candidatos. “O TSE fez isso já depois do Supremo Tribunal Federal garantir a correção dos documentos através de processo administrativo, não mais judicial. Ou seja, agora qualquer pessoa trans ou travesti que for retificar a certidão de nascimento, procura um cartório, não mais a defensoria ou advogado particular. Uma vez, vendo a plenária do STF na TV Justiça, lembro que um ministro falou que “a Justiça que tarda, já falha”. Eu concordo. O TSE falhou porque tardou”, critica Caia Coelho.

Mesmo Pernambuco contando com três candidatas trans, a Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE) não vai apoiar nenhuma delas. A candidata que teve apoio da direção da Amotrans, ainda que informalmente, foi Ana Callou, do PSB, que se comprometeu a apoiar financeiramente o projeto de um centro cultural para a associação.

Outros três candidatos se aproximaram da Amotrans (Daniel Coelho, Priscila Krause e Tereza Leitão). “Não é só por ser trans que vamos apoiar a candidatura de alguém. Acho ótimo para dar visibilidade à causa, mas isso por si só não é projeto”, diz.

Em reuniões LGBT critica-se a posição da associação em não apoiar as candidatas trans. “Tirando Amanda Palha, que foi secretária de projetos sociais aqui, não sei da história das outras duas. Hoje é tudo muito fácil, tem até trans trabalhando na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Fabiana Oliveira, que trabalha no gabinete do deputado estadual Edilson Silva). Mas já fui na Assembleia e a Polícia Militar foi chamada e queria tirar a gente do banheiro feminino”, reclama Chopelly, relembrando tempos ainda mais difíceis.

Eleitorado trans

Neste primeiro pleito no país a aceitar o uso do nome social, a norma do TSE também valeu para os eleitores. Foram 6.280 pessoas que escolheram o nome que foi colocado no título. Dados do TSE, indicam que, destes eleitores, 2.633 têm ensino médio completo, 1.144 têm ensino médio incompleto e 826 têm ensino superior completo. Em relação à faixa etária, são pessoas jovens: 1.402 pessoas estão entre 21 e 24 anos, 1.366 entre 25 e 29 anos e 867 entre 30 e 34 anos.

Em 2016, o PCdoB de São Paulo lançou pela primeira vez uma candidata trans na cota de 30% reservada para mulheres. Mas para isso precisou entrar na Justiça. Neste ano, as candidatas puderam entrar na cota, como é o caso de Joana Casotti, do PCdoB , e Robeyoncé Lima, da Juntas – que, nas urnas é representada por Jô Cavalcanti.

Candidata à federal, Amanda Palha não conseguiu mudar o gênero no registro de candidatura. Ela não culpa nem o partido, nem o TSE. “Foi vacilo meu mesmo”, diz ela, que não teve tempo hábil para fazer a mudança junto com a transferência do título de eleitor de São Paulo para o Recife.

Amanda Palha (PCB) – 2122 – candidata a Deputada federal

Amanda Palha é filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foto: Inês Campelo/MZ

Amanda Palha é filiada ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Em poucos minutos de fala, seja em um debate ou em uma conversa, é perceptível o preparo de Amanda Palha, 30 anos. Ela tem propostas claras, com caminhos traçados e bem alinhados com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Militante de movimentos sociais desdes os 18 anos, Amanda veio de São Paulo para o Recife em 2014, para estudar Serviço Social na UFPE – curso no qual foi primeiro lugar pelo Sisu no Brasil e trancou neste semestre para se dedicar à campanha. Defende a representatividade,e vai além, com a forte premissa da participação popular definida pelo seu slogan: “Nada sobre a gente sem a gente”.

O processo de escolha da candidatura de Amanda Palha dentro da coligação Psol/PCB foi coletivo. “A discussão foi mais de quem vai encampar os projetos do partido. A ideia não era ser uma candidatura LGBT, mas a gente entendeu que ser eu nesse processo seria importante, por ser LGBT, por ser travesti. Primeiro, pela ousadia do ato. E depois por minha trajetória política. Precisávamos de nomes fortes, pelo caminho de retrocesso que estamos vivendo”, diz.

Confira aqui a página da candidata com mais propostas

Apesar de não entrar na cota de 30% do fundo especial para as mulheres, Amanda não teve com isso prejuízo financeiro para a sua campanha, já que é uma candidata prioritária do PCB. “É uma candidatura para marcar território político sim, mas estamos trabalhando duro para ganhar”, diz.

Filiada desde 2013 ao PCB, defende principalmente a geração de empregos e a democracia direta. “Queremos sair da lógica de que políticas públicas para LGBT, mulher, negros são políticas públicas apartadas de tudo. Temos um programa de 21 passos, em que discutirmos moradia, trabalho e tem especificidades, claro. Para a população LGBT tem de ter medidas protetivas, o projeto Dandara dos Santos, que é sobre a tipificação da LGBTfobia, a lei João Nery (reconhecimento da identidade de gênero), mas a gente ganha muito mais discutindo essas ações como parte de um todo”, diz.

“Por exemplo, para discutir trabalho: tem que ter programas de empregabilidade para cidade e campo. E como para a população LGBT a gente tem essa questão da empregabilidade muito sensível, a ideia é atrelar a empregabilidade aos programas de assistência. A gente precisa de uma ampliação destes programas – o que temos hoje são projetos pilotos, alguns muito bons, mas atendem poucas pessoas. Queremos a ampliação e criação de novos programas empregando LGBTs. A mesma coisa para mulheres, para a população negra, indígena, quilombola. É uma forma de você gerar empregos com estabilidade atrelados à expansão do serviço de assistência”.

Joana Casotti – 65777 – candidata a deputa estadual

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Joana Casotti está candidata pelo PCdoB. Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Uma das mais jovens a concorrer neste ano, Joana, de 21 anos, é também a mais pragmática entre as candidaturas trans em Pernambuco. Concorre pelo PCdoB, partido da Secretaria de Cultura do Estado, que se envolveu na polêmica censura ao espetáculo “Evangelho segundo Jesus – Rainha do Céu”, da atriz transexual Renata Carvalho, no Festival de Inverno de Garanhuns deste ano. Joana vê o episódio como uma pedra em uma longa jornada. “ Não adianta a gente ficar discutindo por coisas assim. É preciso se unir nos pontos em comum. E se unir com quem está no poder também, para que questões mais relevantes ganhem força”, diz. “Somos assassinadas todos os dias, temos que lutar pela sobrevivência”.

Moradora de Igarassu, Joana conta em debates e rodas de conversa sobre os preconceitos que sofreu e sofre. Mesmo já formada em design, nunca conseguiu emprego na área. Agora, estuda arquitetura. “Moro em um bairro pobre, com pouca iluminação, e toda noite que volto da faculdade para casa tenho medo de ser estuprada. Medo compartilhado com meu companheiro, que é um homem trans”.

Confira a página da candidata com mais propostas

Entre as propostas de Joana, está a construção de um espaço de acolhimento para a população LGBT. “Nós somos expulsas de casa, expulsas de escolas, sem direito à família, sem direito ao amor. Não temos direito à cidadania. Um abrigo LGBT é importante para abrigar quem foi expulso de casa e muitas vezes jogado para a prostituição. Falo aqui não da prostituição como escolha, mas quando é o único caminho de matar nossa fome”, diz.

Outra pauta é a segurança. “Hoje, as mulheres não podem andar nas ruas sem se preocupar”, acredita Joana, que defende a importância da representatividade trans na política. “É importante ter uma mana nas assembleias legislativas. Temos que mostrar para a sociedade que somos trans e vamos ficar por aqui. Não é essa estrutura política de golpe que vai nos retroceder. Ninguém vai nos derrubar”.

Robeyoncé Lima – 50180 (na urna, Jô Cavalcanti) – candidata à codeputada estadual

Robeyoncé Lima faz parte da candidatura Juntas. Foto: Mayara Santana

Formada em direito pela UFPE, Robeyoncé Lima foi a primeira advogada trans de Pernambuco. Por seis meses, em 2016/2017, trabalhou no gabinete do vereador Ivan Moraes, também do Psol. “Foi minha primeira experiência com política institucional e comecei a ter um aprofundamento do processo legislativo. De como tramita um projeto de lei e também de quem é quem no jogo político. Agora, é outro cenário. Estou na linha de frente”, contaa técnica administrativa concursada pelaUFPE, que trabalha na Faculdade de Direito do Recife.

A ida para o Juntas veio da vontade de militar em outras esferas. “A militância de rua é importante. Mas não tem muito resultado na efetivação de política públicas. É preciso ocupar os espaços políticos que regem a vida da gente”, diz. “Quando a gente não tem LGBT na política a gente está entregando a vida da gente para outras pessoas que não vão ter a mesma sensibilidade e a gente não sabe se vão abraçar a pauta da gente ou não. O cenário político atual não nos dá apoio. Os principais avanços (da pauta LGBT) hoje em dia, por exemplo, estão vindo do Judiciário”, explica.

Confira aqui a página da candidatura com mais propostas

“Nossa maior pauta é o direito à vida das pessoas LGBT”, responde Robeyoncé, ao ser questionada sobre as pautas prioritárias que levou para a Juntas. “De que adianta a trans trocar o nome no cartório durante o dia e à noite ser assassinada? Então, a pauta maior é a segurança, o respeito, o direito à vida. Nós somos exterminadas porque a sociedade nos vê como seres anormais. Não há formação adequada nas pessoas para a identidade de gênero. Respeito não é uma escolha, é um dever”, diz a candidata, que vê na educação a principal aliada para essa mudança.

Para além da pauta de uma cidade segura, Robeyoncé vê nas políticas impositivas uma forma de, a curta prazo, melhorar a inserção trans na sociedade. “Como um projeto de lei que estabelecesse, por exemplo, 5% ou 10% das vagas de empregos para pessoas trans ou um projeto de lei que faça com que os estabelecimentos tenham informações sobre o disque-denúncia de LGBTfobia”, propõe.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com