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Posse do Conselho de Direitos Humanos acontece em clima de tensão entre sociedade civil e Governo do Estado

Débora Britto / 27/12/2017

Na quarta-feira (27), com forte clima de tensão e acirramento, tomaram posse as conselheiras e conselheiros do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) de Pernambuco. Em um auditório que não comportava a quantidade de pessoas ali presentes e com ar condicionado que não deu conta da demanda, ficou clara a divergência entre os discursos dos integrantes do governo do estado e dos representantes da sociedade civil organizada.

Enquanto os ocupantes de cargos na gestão estadual – entre eles o secretário de Justiça e Direitos Humanos Pedro Eurico – exaltaram o compromisso do Governo do Estado com os direitos humanos, os representantes da sociedade civil falaram no sentido contrário.

Foi o caso de Edna Jatobá, que atua no Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica a Organizações Populares). Em seu discurso, ela anunciou que seriam frustradas as tentativas de abafar a ação de conselheiras e conselheiros. Ela citou o trabalho feito na última gestão, da qual fez parte, e apontou que a sociedade civil irá atender às denúncias que surgirem e à realidade do estado, inclusive com pautas que seriam de outras secretarias. “É impossível na conjuntura de Pernambuco não discutir sobre feminicídio no Conselho de Direitos Humanos”, disse.

A conselheira Sylvia Siqueira Campos, do Mirim Brasil, questionou a postura do Secretário de Justiça e Direitos Humanos e da secretária da Mulher que utilizaram parte de suas falas para comentar sobre qual seria o papel da sociedade civil no Conselho recém empossado.

Para Sylvia, a fala do secretário Pedro Eurico foi “muito infeliz”, segundo ela, por não reconhecer as falhas do governo na execução da política pública e na garantia da vida de cidadãs e cidadãos pernambucanos. “A recorrência na fala de secretários sobre qual é o papel da sociedade civil é uma tentativa de nos intimidar ou de impor uma limitação à nossa atuação enquanto conselheiras e conselheiros. Porque eles viram que no último mandato, diferentemente do anterior (2013-2015), a gente fez valer com muita força, e a cada reunião, o papel deliberativo do Conselho”, justifica.

Expressões como “controle social seletivo”, “dissenso” (divergência, falta de concordância) e “oposição sistemática” foram usadas pelos representantes das secretarias, que utilizaram parte de suas intervenções ora para exaltar o trabalho e empenho de outras secretarias para a construção do CEDH, ora para fazer um apelo por uma aproximação da sociedade civil com o governo dentro do Conselho. Ao longo da cerimônia, não foram poucas as manifestações de ironia e críticas no fundo do auditório ou mesmo de pessoas se retirando da sala diante da fala de gestores públicos.

Posse e ato CEDH 27.12.2017 - Foto Mazes Coen

Edna Jatobá, conselheira do CEDH. Fotos: Mazes Coen

Na avaliação da conselheira Edna Jabotá, a fala do secretário defendendo a atuação do governo do estado na área dos Direitos Humanos apresenta uma realidade que a sociedade civil organizada sequer conhece. “É uma fala vazia que não traz em nenhum momento uma reflexão sobre extermínio da juventude negra e pobre, não trouxe reflexão sobre graves problemas que o Conselho enfrentou ao longo da última gestão. Desconsidera a realidade das 5.030 mortes no estado até 2017”, critica.

Para ela, o aparente clima de tranquilidade que se tentou deixar transparecer no evento não traduz o que foram os últimos seis meses em que a sociedade civil e representantes dos povos e comunidades tradicionais passaram à espera da posse. “Por toda combatividade que a gente teve nos últimos dois anos, a gente denunciou cada uma das violações que chegaram”, explica ela, que reforça o receio de Sylvia de uma tentativa de silenciar a ação da sociedade civil a partir da mudança na composição de cadeiras no Conselho.

No último dia 16 de dezembro, a Assembleia Legislativa de Pernambuco aprovou o projeto de Lei construído pelo Poder Executivo que alterou a composição de forças no CEDH ao aumentar de 5 para 10 as vagas para representantes do governo e órgãos governamentais.

O secretário de Justiça e Direitos Humanos Pedro Eurico anunciou que, entre fevereiro e março de 2018, deverá acontecer a Conferência Estadual de Direitos Humanos

Posse e ato CEDH 27.12.2017 - Foto Mazes Coen (1)

5.030 homicídios em apenas 11 meses

Cerca de três mil balões pretos foram soltos em frente ao prédio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos após a solenidade de posse. O ato foi organizado por conselheiras e conselheiros da sociedade civil e dos povos e comunidades que também estenderam e fixaram uma faixa em que se lê “5030 mortes em Pernambuco em apenas 11 meses”. Pessoas que passavam pela rua e poucos curiosos dentro do prédio fizeram fotos e vídeos enquanto os organizadores do ato se revezavam com falas que denunciavam o papel ausente do Estado na política de segurança e a incoerência do discurso do governo.

“A gente sabe a cor e a idade de quem está morrendo. O que a gente vê do Governo é propaganda, a gente não vê a gestão democrática que se fala”, denunciou no megafone uma das conselheiras.

Jesus Moura, conselheira pelo Conselho Regional de Psicologia, chama atenção para o discurso do secretário durante a posse, que não citou os índices de homicídio atingidos por Pernambuco, por exemplo. “Ele não fala desse lugar em que a gente tá aqui. São mais de 5 mil mortos e a gente não vê uma ação efetiva para o público-alvo dessas mortes: mulheres negras, pessoas pobres, pessoas trans. O governo não atenta porque ele não dá conta dessas vidas. Se elas fossem consideradas, estariam na fala do governo agora na posse”, argumenta.

“A gente fez esse ato aqui simbólico, simples, modesto para deixar esse recado. De que a gente está atento e que a gente vai fazer esse balanço da realidade do que acontece no nosso estado”, disse Edna.

Posse e ato CEDH 27.12.2017 - Foto Mazes Coen (2)

Uma violação, duas versões

Considerada a primeira mulher trans do mundo a trabalhar em um Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, Maria Clara de Sena, pernambucana, foi lembrada por Edna Jatobá durante cerimônia por não poder estar presente uma vez que, no exercício da sua função, foi ameaçada de morte por um agente penitenciário dentro presídio e precisou sair do país para garantir sua segurança.

Pedro Eurico, no entanto, iniciou sua fala pedindo para fazer um esclarecimento. “Respeitando o dissenso, mas temos que ter cuidado com a verdade”, disse. De acordo com o secretário, Maria Clara de Sena teria pedido afastamento por 30 dias e, após 90 dias ausente, teve o desligamento do Mecanismo efetivado. O secretário deu a entender, inclusive, que ela estaria “casada e morando fora” com seu companheiro.

De acordo com Wladimir Reis, coordenador do GTP + e também conselheiro do CEDH, a declaração do secretário Pedro Eurico foi um desrespeito e apresenta uma outra versão da história: de defensora de direitos humanos, ela passou a ser vítima de uma violação até agora sem solução concreta. Segundo ele, o Governo de Pernambuco, responsável por prover segurança a Maria Clara, resumiu sua ação a telefonemas para saber se estava tudo bem. Após ameaças recorrentes em que o agente foi a casa de Maria Clara por duas vezes (após ela mudar de endereço), o GTP + a acolheu por seis meses até que ela conseguiu sair do país em busca de proteção.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.