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Royalties do Pré-Sal combatem a desigualdade em Maricá

Joel Santos Guimarães / 30/04/2018

O leitor conhece uma cidade em que uma de suas principais avenidas leva o nome de ‘Zumbi dos Palmares’ e que o novo hospital foi batizado de ‘Dr. Ernesto Che Guevara’? Ou cujo habitacional do Minha Casa Minha Vida é ‘Carlos Marighella’, o líder guerrilheiro assassinado pela ditadura? Onde o complexo esportivo da cidade chama-se Leonel Brizola? E, para completar, que, em junho deste ano, sediará no cine Henfil o “Festival da Utopia”?

Essa cidade é Maricá, com 150 mil habitantes a 60 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro. Oficialmente, essas homenagens significam que “a cidade e seus governantes reconhecem a importância desses personagens”.

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No entanto, não são os nomes das instalações públicas o que mais chama a atenção em Maricá, um município que ignora a crise vivendo tempos de bonança com políticas públicas e sociais bem-sucedidas, a exemplo do programa de distribuição de renda e inclusão social implantado desde 2008, quando Washington Luiz Cardoso Siqueira, o Quaquá (PT), foi eleito prefeito pela primeira vez.

Segundo os indicadores sociais, tais políticas vêm melhorando a renda e a qualidade de vida da sua população mais pobre. A renda per capita das famílias mais pobres (com rendimentos de até três salários mínimos), por exemplo, cresceu no período cerca de 9,5%.

A essa altura o leitor deve estar se perguntando de onde vem o dinheiro que a prefeitura destina aos seus projetos em saúde, educação, turismo, economia transporte, os índios e os programas de incentivo a empreendimentos coletivos através de cooperativas.

A resposta é simples: dos royalties e das participações especiais, que representam 70% do orçamento de Maricá. No ano passado, de royalties e participações especiais somados, a cidade recebeu um montante de aproximadamente R$ 700 milhões. Entre 60 a 70% desse total foram destinados aos programas sociais. A previsão é que, até o final de 2018, esse total chegue a R$ 800 milhões.

O secretário de Economia Solidária Diego Zeidan lembra que Maricá é um dos municípios que mais recebem royalties do petróleo e as participações especiais no país. “Por isso, nossas administrações têm como prioridade absoluta reinvestir o bônus da cadeia do petróleo em benefícios para a população, como os ônibus gratuitos, a moeda social Mumbuca e os demais projetos sociais de transferência de renda”.

De acordo com a retórica oficial adotada pela Secretaria de Comunicação de Maricá (Secom), os bons resultados dessas políticas sociais estão diretamente relacionados à própria transparência dos programas, em que cada centavo aplicado nesses programas de transferência é permanentemente auditado.

 Moeda própria no programa de transferência de renda

O Bolsa Mumbuca é o carro chefe das políticas sociais de Maricá. Zeidan lembra que em 2013, quando se estava pensando em criar uma moeda social na cidade para operar os programas de transferência de renda, foi escolhida a opção por criar uma moeda digital, por ser mais segura e mais dinâmica. “Hoje, estamos adotando o sistema e-dinheiro criado pela rede de bancos comunitários brasileiros”, explicou.

De acordo com o secretário, a moeda social digital, administrada pelo Banco Comunitário e Popular de Maricá, faz a economia local girar no próprio município e não se perde em outras cidades:

“Mensalmente, pagamos R$ 110 reais para 16 mil chefes de famílias do município, dinheiro que é usado para compras no comércio da cidade, pois ela só tem valor em Maricá”. Isso acaba colocando mensalmente no comércio da cidade algo em torno de 2,08 milhões de mumbucas, que equivalem ao mesmo valor em reais. Esses R$ 2,080 milhões a mais, significa um aumento de 10% no faturamento dos micros e pequenos estabelecimento comerciais da cidade, gerando empregos e melhor qualidade de vida”, explica Zeidan.

Segundo ele, logo que a moeda social começou a circular, apenas 10 comerciantes locais aceitavam o pagamento em mumbuca. Hoje é bem recebida por 267 estabelecimentos comerciais de Maricá, e muitos deles concedem descontos para quem compra seus produtos com a ela.

Segundo o secretário de Economia Solidária Diego Zeidan , o Bolsa Mumbuca é o carro chefe das políticas sociais de Maricá

Segundo o secretário de Economia Solidária Diego Zeidan , o Bolsa Mumbuca é o carro chefe das políticas sociais de Maricá

Mumbuca Futuro

O secretário de Economia Solidária aproveitou sua presença numa das mesas do Fórum Mundial Social, realizado mês passado em Salvador, para anunciar um novo programa: o Mumbuca Futuro, no qual o município depositará para os alunos do ensino fundamental das escolas públicas do município R$ 1.200,00 anuais.

O beneficiário só poderá sacar esse dinheiro quando concluir o fundamental e o ensino médio e poderá utiliza-lo para custear as despesas com a faculdade ou para investir em um empreendimento.Além disso, os alunos receberão durante o tempo em que estiverem cursando o fundamental e o ensino médio, R$ 50, como ajuda de custos para suas despesas pessoais.

A catraca é livre e o ônibus é vermelho

Vermelhinhos são os ônibus da Empresa Pública de Transportes de Maricá (EPT) que transportam gratuitamente a população da cidade. A EPT foi criada em dezembro de 2014 e, em fevereiro do ano seguinte, 15 ônibus começaram a circular com catraca livres. Com isso, o então prefeito Washington Quaquá , hoje presidente do PT no estado do Rio, cumpria uma promessa feita durante a campanha eleitoral que o reelegeu.

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Três milhões de pessoas passaram pelas catracas livres dos 33 ônibus da frota da Empresa Pública de Transportes de Maricá (EPT)

Além de instituir o transporte gratuito, Quaquá conseguiu que a Câmara aprovasse uma lei que mudou o nome da rodoviária municipal para Terminal Rodoviário do Povo de Maricá, que antes se chamava Terminal Rodoviário Jacintho Luiz Caetano, em homenagem ao fundador da Viação Nossa Senhora do Amparo. O busto do empresário foi retirado da entrada do terminal público e devolvido à família.

Segundo o ex-prefeito, todos os seus antecessores “tiveram suas campanhas eleitorais financiados por essa empresa que, até então, ditava as cartas na prefeitura que, por sua vez, atendia a todos os interesses dos donos da Nossa Senhora do Amparo.”

Quaquá explica que a mudança do nome do terminal rodoviário foi um recado direto de que a prefeitura não governava mais para poucos empresários, mas sim para o povo. E que considerava o transporte gratuito um direito fundamental do cidadão.

Mas as empresas entraram com uma ação judicial contra o passe livre. Ganharam a primeira batalha na Justiça e, meses depois da implantação do passe livre, conseguiram proibir a circulação dos vermelhinhos.

A EPT recolheu os seus ônibus por algum tempo, mas os devolveu às ruas em abril do ano passado. Então, os vermelhinhos passaram a fazer as linhas da Costa Leste, cujos veículos foram proibidos de circular por quebra de contrato. O contrato da Viação Nossa Senhora do Amparo vence em 2022 e não será renovado

Três milhões de pessoas passaram pelas catracas livres dos 33 ônibus da frota da EPT. De acordo com os cálculos da empresa, o retorno dos coletivos representou uma economia para os usuários de R$ 8,1 milhões no período, considerando que o valor da tarifa municipal é de R$ 2,70.

Os vermelhinhos consomem recursos anuais de R$ 34,9 milhões “A prefeitura não considera isso como gasto, mas como investimento social na melhoria da qualidade de vida do cidadão”, justifica o secretário Zeidan.

Quase uma reforma agrária

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Hortas comunitárias estão sendo instaladas em áreas públicas municipais e contam com a participação coletiva no processo de plantio e na colheita

O programa Hortas Comunitárias está distribuindo lotes para o plantio de verduras. As primeiras 30 famílias já receberam seus lotes e a colheita do que é cultivado será dividido entre os participantes do programa.

As hortas comunitárias estão sendo instaladas em áreas públicas municipais. Não se trata de uma reforma agrária ou urbana, pois não há propriamente uma distribuição da propriedade dos lotes, mas a participação coletiva no processo de plantio e na colheita daquilo que é produzido.

O planejamento do plantio é feito por técnicos especializados da cooperativa Cooperar, que estabelecem as melhores opções de plantio com base no tipo de solo e no clima no local. A horta comunitária do bairro Manu Manuela, graças às técnicas de plantio e controle adotados, já produz hortaliças que foram entregues ao hospital e às escolas da cidade.

Importante lembrar também dos programas de inclusão social e soberania alimentar desenvolvidos pela Secretaria de Agricultura, Pecuária e Pesca. É o caso, por exemplo, do Caminhão do Peixe, um veículo da secretaria no qual os pescadores artesanais – uma importante e tradicional atividade econômica da cidade – podem vender seus pescados diretamente ao consumidor, sem os atravessadores que encarecem o preço.

O hospital do comandante

Em março de 2016, a filha de Che Guevara, a médica pediatra, Aleida Guevara, visitou as obras do hospital

Em março de 2016, a filha de Che Guevara, a médica pediatra, Aleida Guevara, visitou as obras do hospital

Na Saúde estão adiantadas as obras de construção do Hospital Municipal Dr. Ernesto Che Guevara. Quando concluída, a nova unidade de saúde desponibilizará 138 leitos para internação, além de dois Centros de Tratamento Intensivo. A inauguração está prevista para o final do ano

O investimento com recursos próprios da prefeitura é de cerca de R$ 40 milhões. A área total do terreno onde está sendo construída toda estrutura é de 128,9 mil metros quadrados. Em março de 2016, a filha de Che Guevara, a médica pediatra, Aleida Guevara, visitou as obras do hospital.

A nova unidade hospital, além de servir de referência na região, vai aliviar a demanda do atual Hospital Municipal Conde Modesto Leal, no Centro. O projeto da prefeitura é fechar o Conde Modesto após o início do funcionamento do novo hospital para uma ampla reforma e transformá-lo em Hospital da Mulher.

 

Fundo Soberano para garantir o social e atrair investimentos

Quando a produção do petróleo do pré-sal diminuir ou acabar, Maricá poderá contar uma poupança que deve assegurar sua capacidade de investir e de manter as políticas sociais por um bom tempo. O prefeito Fabiano Horta (PT) aprovou na Câmara Municipal, em dezembro do ano passado, a obrigatoriedade de um aporte mensal para o Fundo Soberano de Maricá de valores entre 1% e 5% do total de royalties e participações especiais repassados ao município.

No dia 17 de abril, o Fundo Soberano recebeu o seu primeiro aporte financeiro .O repasse inicial de R$ 30 milhões, relativos a pouco menos de 4,4% dos royalties de 2017. Calcula-se quem em dez anos o FSM atinja a marca de R$ 1,1 bilhão em depósitos, cujos rendimentos, serão aplicados em investimentos sociais de acordo com a proposta da prefeitura.

E o rendimento gerado pelo FSM poderá ser aplicado nos investimentos necessários à cidade em um cenário futuro de redução da produção dos campos do pré-sal. Maricá detém 49% da confrontação relativa ao Campo Lula, na Bacia de Santos, hoje o recordista nacional de produção.

Em sua opinião, “o Fundo servirá de garantia para que empresas queiram investir em Maricá. Disso ainda que “os investimentos são altos na parte social do município, mas ainda temos a possibilidade de utilizar 30% desse fundo como garantidor para grandes projetos de infraestrutura”, afirmou e citou como exemplo o papel do futuro Parque Tecnológico de Maricá como polo de atração e de desenvolvimento de startups na cidade.

Problemas para resolver

Apesar dos inúmeros programas de distribuição de renda e de resgate da cidadania bancados pela prefeitura, Maricá ainda enfrenta sérios problemas que afetam grande parte da sua população. O saneamento básico é um deles. Segundo o secretário de Orçamento, Planejamento e Gestão, Leonado Alves, o município conta que a rede de esgoto cobre apenas 4% da cidade e apenas 35% tem água tratada.

Para ampliar o sistema de saneamento básico da cidade, a prefeitura está concluindo um estudo para a implantação da rede. Para isso planeja investir R$ 350 milhões , incluindo a construção de duas Estações de Tratamento de Efluentes (ETE), na zona urbana e no distrito de Itaipuaçu, o que deverá bastar para tratar todo o esgoto doméstico da cidade.

Além da municipalização da gestão do esgoto a prefeitura tem planos para a construção de uma barragem em outro município, suficiente para o abastecimento da cidade, mesmo com o ritmo de crescimento previsto para os próximos anos. “São 22 km de Tanguá até aqui, e essa é a única possibilidade viável que nós temos para trazer água para Maricá. Esse é um projeto de R$ 250 milhões. Temos recursos suficientes em caixa para bancar ambos”, disse Leonardo Alves.

 

AUTOR
Foto Joel Santos Guimarães
Joel Santos Guimarães

Jornalista especializado em economia solidária, agricultura familiar, política e políticas públicas. Trabalhou na "Folha de Londrina" e "O Globo", onde esteve por mais de 20 anos exercendo diversas funções, entre elas a de chefe de redação da sucursal de São Paulo. Em 2003, fundou a Agência Meios e a Agência de Notícias Brasil-Árabe (ANBA), com Paula Quental. Foi coordenador do projeto por dez anos. Sob sua gestão, a agência conquistou 11 prêmios de jornalismo web e alcançou 1,2 milhão de acessos mensais.