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Sem licitação, Fundaj contrata empresa recém criada para cuidar de segurança de dados

Inácio França / 11/03/2020

Crédito: Fundaj

A Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) contratou, sem licitação, por quase R$ 293 mil, pelo período de seis meses, uma empresa criada no final de agosto para prestar serviços numa área tão estratégica quanto delicada: a segurança da informação e de dados da instituição. A Fundaj é presidida por Antônio Campos, irmão do ex-governador Eduardo Campos e novo aliado de Jair Bolsonaro em Pernambuco.

E isso não é tudo. Os documentos disponíveis na internet sobre a empresa contratada, a Nortec Monitoramento de Sistema de Segurança Eletrônico, indicam que ela e seu proprietário não possuem condições técnicas para a atividade. A contratação foi formalizada no dia 20 de fevereiro, quando o Diário Oficial da União publicou o extrato de dispensa de licitação.

De
acordo com o extrato, a dispensa de licitação ocorreu porque era
necessária uma contratação emergencial para “suporte,
manutenção preventiva e corretiva nas soluções de segurança da
informação, servidores, storages e banco de dados de aplicações”.
A emergência seria
justificada diante de “situação que pode ocasionar prejuízo e
comprometer a segurança de bens públicos”.

De acordo com as informações oficiais repassadas pela assessoria de comunicação da Fundaj, a publicação no Diário Oficial concluiu um processo iniciado meses antes. A Fundaj teria realizado uma consulta de preços a fornecedores obedecendo aos critérios da Instrução Normativa nº 3/2017, do Ministério do Planejamento. A proposta de menor valor foi a da Nortec.

Alarmes

O problema é que a Nortec foi criada em 26 de agosto de 2019, menos de seis meses antes da contratação. O dono da empresa é José Martins de Andrade Neto. Segundo os dados da Receita Federal disponibilizados por, pelo menos, quatro sites de consulta de dados públicos de empresas (cnpj.biz, empresascnpj.com, casadosdados.com.br e consultasocio.com), entre 2003 e 2016, ele abriu e fechou outras cinco empresas em Pernambuco, Paraíba e Piauí. Algumas dessas empresas eram de comércio de materiais médicos e ortopédicos, outra de venda de equipamentos de radiocomunicação. Nenhuma de tecnologia.

Nem mesmo a Nortec é uma empresa de tecnologia de ponta. De acordo com o cadastro na Receita Federal, sua principal atividade na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) é de compra, venda e manutenção de alarmes contra roubos, incêndios e de monitoramento de bens e pessoas com uso de satélite.

Nada disso tem a ver com “segurança da informação”, atividade que diz respeito à proteção dos dados e informações armazenados ou que circulam no ambiente digital. Ou seja, cybersegurança. A empresa, no entanto, nem site tem. Existe sim uma Nortec com endereço na internet, mas é uma homônima sediada em Goiânia, capital de Goiás.

Local onde a Nortec está instalada, segundo seu cadastro na Receita (crédito: Inácio França)

O endereço da Nortec contratada sem licitação pela Fundaj fica na sala 4 do número 154 da rua Jaticy, na Imbiribeira, bem perto do ginásio de esportes Geraldão. Na tarde de segunda-feira, 9 de março, a equipe da Marco Zero Conteúdo foi até lá. No térreo, funciona um restautante self-service, onde gerente e garçons nunca tinham ouvido falar da empresa. A sala 4 fica no primeiro andar, mas estava vazia em pleno horário de expediente. Ninguém atendeu ao interfone. A funcionária de um escritório vizinho confirmou que a sala estava fechada.

Pelo telefone disponível no banco de dados da Receita Federal, falamos com um homem que se identificou como sendo o próprio José Martins Andrade de Neto. Na terça-feira, 10 de março, ele pediu para telefonar depois, pois estava dirigindo. No dia seguinte, solicitou que as perguntas fossem encaminhadas por e-mail, pois ele estaria “acompanhando um parente no hospital”. Até o fechamento dessa reportagem, não houve resposta.

Por que dispensa de licitação?

Para evitar o longo processo licitatório, o gestor público só pode recorrer ao mecanismo de licitação se a situação atender a alguns critérios bem objetivos. De acordo com a nota da Fundaj, reproduzida abaixo na íntegra, “a Coordenação de Tecnologia da Informação, demandou de forma fundamentada a contratação emergencial devido à urgência de atendimento de situação que poderia ocasionar prejuízos e comprometer a segurança de bens públicos, conforme previsto no inciso 4ª, artigo 24, da Lei 8666/93, inclusive em um ano da segurança cibernética e que entra em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, com a possibilidade de pesadas multas”.

A
procuradoria federal e a Auditoria Interna da Fundaj concordaram com
o caráter emergencial da contratação.

Numa consulta à administração do Porto Digital, constatamos que existem sete empresas instaladas no parque tecnológico com expertise nessa atividade. São elas: BR Voice, Bidweb, Tempest, HSBS, Lanlink, QOS e FBR Digital. Fora dos limites do Porto, existem pelo menos outras quatro empresas no Recife com esse perfil: Jampti, Tecnasys, Vetor Technology e 3C. Ou seja, só em Recife, existem, no mínimo, 11 empresas com experiência e portfólio naquilo que a Fundaj estava interessada em contratar com tamanha urgência.

A versão da Fundaj

Com referência à indagação de contratação de empresa especializada para prestação de serviços de suporte, manutenção preventiva e corretiva nas soluções de segurança da informação, servidores, storages e banco de dados de aplicações para atender às demandas da Fundação Joaquim Nabuco por um período de seis meses:

1 – A Fundaj estava sem serviço de manutenção e segurança em seu sistema de informática.

2 – O setor específico, a Coordenação de Tecnologia da Informação, demandou de forma fundamentada a contratação emergencial devido à urgência de atendimento de situação que poderia ocasionar prejuízos e comprometer a segurança de bens públicos, conforme previsto no inciso 4ª, artigo 24, da Lei 8666/93, inclusive em um ano da segurança cibernética e que entra em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, com a possibilidade de pesadas multas.

3 – A escolha da empresa foi realizada após cotação de preços no mercado, obedecendo às metodologias previstas no artigo 3º da IN03/2017, tendo a vencedora ofertado a proposta mais vantajosa à administração.

4 – No referido processo houve pareceres favoráveis da Procuradoria Federal e da Auditoria Interna da Casa, sendo essa última ocupada por um servidor de carreira da instituição.

5 – Foi determinado gestão de risco e o servidor especializado visitou a empresa em diligência para verificar a sua capacidade técnica, tendo atestado nos autos.

6 – Foi determinado, ante a contratação emergencial, que toda a execução do contrato seja acompanhada pela auditoria interna, sendo os pagamentos precedidos pelo parecer do auditor. Não foi paga, ainda, nenhuma parcela, do valor global contratado de R$ 292.950,00.

7 – É de se registrar que a atual presidência ao fazer gestão de risco cancelou ata de registro de preço, da gestão anterior, para contratação de serviço similar, no valor superior de R$ 1,5 milhão, após análise da ata pela área técnica de Tecnologia do Tribunal de Contas da União.

8 – A Fundaj cumpriu os requisitos legais, ante a necessidade urgente do serviço, tendo primado pela economicidade.

Atualização: Fundaj suspende pagamentos

Após a publicação dessa reportagem, o presidente da Fundaj, Antônio Campos, decidiu suspender os pagamentos previstos para a Nortec e determinou que a diretoria de Planejamento e Administração pedisse explicações à empresa. De acordo com o despacho da presidência da Fundação, os pagamentos só serão realizados após a análise dos esclarecimentos e comprovação dos serviços.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.