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Um dia de repressão e revolta na Escola Lucilo Ávila, na Iputinga

Laércio Portela / 23/11/2016

Dezenas de estudantes atrás de portões trancados a cadeado e o acesso de advogados que chegaram em seu auxílio negado. Foi este o cenário de repressão que a reportagem da Marco Zero Conteúdo presenciou na manhã desta quarta-feira (23) na Escola Técnica Estadual Lucilo Ávila Pessoa, na Avenida Caxangá, Iputinga.

Os estudantes decidiram em assembleia na terça-feira (22) ocupar o prédio. Depois da primeira noite de ocupação foram surpreendidos com o fechamento do portão que dá acesso ao pátio da frente da escola. Dezenas de jovens ficaram mais de quatro horas sem poder sair do local e sem poder receber alimentos. Eles acusam professores e estudantes contrários à ocupação de passar as correntes e trancar as entradas.

No portão que dá acesso à rua alguns poucos alunos contrários ao movimento de ocupação barravam a entrada do advogado Renan Castro, do Centro Popular de Direitos Humanos, convocado pelos ocupantes. O tumulto foi grande. Muito empurra-empurra. Os pais dos ocupantes exigiam aos gritos que fosse liberado o acesso ao advogado.

Da sacada do primeiro andar da escola, vários alunos que não tinham como sair chamavam pelos amigos na calçada e pelos seus pais e puxavam coros contra a PEC 55 e a Reforma do Ensino Médio.

O portão da rua só foi aberto depois que alunos e pais que apóiam a manifestação dos ocupantes e estavam do lado de fora forçaram a entrada aos empurrões. Depois de muito tempo um dos estudantes contrários à ocupação abriu o cadeado de um dos portões internos liberando finalmente todo o acesso.

“Isso é um absurdo. Trancar jovens que estão fazendo uma manifestação pacífica numa escola? Eu quero dizer que apoio a minha filha e todos esses estudantes. Minha filha é jovem, mas ela sabe tudo sobre a PEC 55, todos os impactos negativos que ela vai trazer para a educação e a saúde”, disse a enfermeira Marly Valentim, mãe de uma aluna do segundo ano do Ensino Médio e que estava apreensiva com a situação dos ocupantes.

Luciana Cavalcanti, assessora do deputado estadual Edilson Silva (Psol), estava na escola para apoiar os estudantes e disse que vai notificar o Ministério Público para apurar a responsabilidade pelo ocorrido. “O caso é muito grave e precisa ser devidamente apurado”, informou.

Segundo Luciana, o próprio MP pediu para ser notificado de casos contra a integridade física dos estudantes depois da ação da Policia Militar na Escola de Referencia Dom Sebastião Leme, no Ibura, no começo de novembro, quando quatro jovens foram agredidos e detidos por PMs.

Aluno contra aluno

O advogado Augusto Evangelista, da organização Juristas pela Democracia, esteve no local para prestar solidariedade aos ocupantes. Ele também não conseguiu entrar enquanto os jovens contra a ocupação trancavam o portão da frente da escola. “O que houve aqui se configura como cárcere privado. Vamos acionar o Ministério Público”.

Augusto acredita que uma nova estratégia está sendo utilizada para desestabilizar as ocupações e pressionar a opinião pública contra o movimento. “Estão colocando aluno contra aluno. Estimulando o conflito para desgastar o movimento contra a PEC 55. Isso não está acontecendo só aqui em Pernambuco. Está acontecendo em todo o Brasil”.

Os advogados Renan Castro e Augusto Evangelista estiveram na Escola Lucila Ávila e vão acionar o Ministério Público    com a denúncia de "cárcere privado"

Os advogados Renan Castro e Augusto Evangelista estiveram na Escola Lucilo Ávila e vão acionar o Ministério Público com a denúncia de “cárcere privado”

Durante todo o tumulto, o professor de Educação Física da Lucilo Ávila, Jamerson Cruz, orientava os alunos contrários à ocupação do lado de fora da escola. Considerado pelos ocupantes como um dos professores mais ativos contra o movimento e um dos incitadores do conflito, ele não quis dar entrevista à reportagem da Marco Zero Conteúdo.

O clima de tensão na Escola Lucilo Ávila já havia começado na véspera. Segundo os ocupantes, vários pais de alunos receberam ligações telefônicas informando que os jovens estavam depredando a escola e que eles seriam processados e até expulsos. As ligações deixaram os pais aflitos. Alguns deles foram ao local e puderam verificar que era mentira, não havia quebra-quebra.

A Policia Militar chegou a ser acionada e apareceu no final da tarde da terça na escola. Luciana Cavalcanti verificou na ocasião que os policiais não tinham mandado para entrar na escola. “Eles queriam fazer uma inspeção. Mas não tinham mandado. Chegaram a conversar com a diretora e foram embora”.

Estudantes ficaram horas trancados atrás de portões fechados a cadeado na Escola Lucilo Ávila

Estudantes ficaram horas trancados atrás de portões fechados a cadeado na Escola Lucilo Ávila

Tática de desocupação

O advogado Thiago Mendonça, do Centro Popular de Direitos Humanos, esteve na terça e na quarta na escola para dar suporte jurídico aos jovens ocupantes. Ele critica a forma como a Policia Militar tem atuado no caso das ocupações: “Tem sido comum eles chegarem e tentarem entrar sem mandado para depois, estando dentro das escolas, forçar a desocupação. Estamos orientando os estudantes. O mandado tem que ser encaminhado por um oficial de Justiça e não pode ser genérico. Tem que ser específico para aquele local. Sem mandado não podem entrar”, explicou.

Foram três assembleias organizadas pelos estudantes na terça-feira. A primeira, só com alunos, votou pela ocupação. Na segunda, com a participação da diretora Juliana Maria Rosilda de Oliveira e de professores contrários à manifestação, o clima ficou pesado. A presidente do Grêmio estudantil Maryanne Freitas, 18 anos, disse que a diretora se recusou a receber um documento dos estudantes com a pauta de reivindicações.

Segundo Maryanne, a presença de representantes da Secretaria de Educação e da União Pernambucana de Estudantes Secundaristas foi importante para tentar manter o equilíbrio no diálogo entre as partes. “Mas tinha professores contra a ocupação muito agitados. O clima tava realmente pesado”, conta.

Numa terceira assembleia, no final da tarde, os ocupantes definiram as comissões internas de funcionamento da ocupação e todo o processo de organização, como tem sido comum em todas as mobilizações em escolas, institutos e universidades realizadas pelo Brasil.

À noite, circulou o boato de que estudantes contrários ao movimento tentariam entrar à força pelos fundos da escola. “Espalhou-se a informação em grupos de zap que eles fariam um tumulto na frente da escola para entrar pulando o muro de trás e forçar a desocupação”, explica Wellthon Leal, integrante do movimento social Rua, que também tem dado apoio aos estudantes da Lucilo Ávila.

E a quarta-feira começou mesmo tumultuada. Logo cedo, estudantes contrários à ocupação fecharam a via local da Caxangá, interrompendo o trânsito em frente à escola. A Policia Militar esteve na área e depois de desobstruir o trecho deixou o local. Quando a Marco Zero Conteúdo chegou à escola no momento em que estava sendo barrada a entrada do advogado Renan Castro não havia um único policial nos arredores da Lucilo Ávila, também não havia integrantes da diretoria da instituição de ensino.

Solidariedade

A notícia de que os alunos estavam trancados se espalhou logo. Além de advogados, representantes de movimentos sociais, pais e mães dos ocupantes, também chegaram à escola representantes do Comando Unificado de Mobilização da Universidade Federal de Pernambuco. Eles acompanharam todo o conflito e tentaram intervir em favor dos ocupantes.

O professor de Educação Física do Centro Acadêmico de Vitória de Santo Antão, Renato Saldanha, informou que o Comando decidiu fazer visitas a todos os espaços ocupados no Estado para conversar com os alunos e acompanhar os desdobramentos do movimento. Ele e os estudantes da UFPE Rosa Amorim (Teatro), 19 anos, e Charly Souza (Pedagogia), 21 anos, passaram a manhã na Lucilo Ávila até que a situação dos jovens fosse resolvida.

“Estamos visitando várias escolas. Mas cehegamos aqui por conta da denúncia de que professores e alguns alunos estavam organizando o processo de desocupação da escola. Trancaram os estudantes da ocupação. Eles estavam até agora em cárcere privado. Proibidos de entrar e sair. Isso é querer anular qualquer tipo de resistência dos alunos. Uma atitude fascista. Eles têm direito de ocupar. E não estão isolados: são mais de 1.200 escolas ocupadas em todo o Brasil contra a PEC 241 (55)”, argumentou Rosa Amorim.

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República