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Vulnerabilidade em cartaz

Luiz Carlos Pinto / 14/09/2015

VulneraveisA população do Brasil está menos vulnerável? De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, sim. O IPEA verificou que nos últimos 10 anos o país saiu da faixa da alta vulnerabilidade social e o elemento que mais contribuiu com essa mudança foi o conjunto Renda e Trabalho – que abarca indicadores de insegurança de renda e de precariedade nas relações de trabalho. Essas e outras informações estão no Atlas da Vulnerabilidade, que o Instituto publicou na semana passada. A vulnerabilidade social também é o tema central do Projeto Vulneráveis, que será lançado às 19 horas de hoje, no Cinema do Museu do Homem do Nordeste, da Fundação Joaquim Nabuco, em Casa Forte, no Recife.

O Projeto, composto por quatro documentários, um livro e um ensaio fotográfico, é uma reflexão coletiva – embora com olhares diferentes – acerca dos impactos provocados pelo conjunto de obras e de investimentos na vida de milhares de famílias de Pernambuco. Vulneráveis foi produzido por um variado grupo de profissionais associados ao Ateliê Produções e Alumia Produções e Conteúdo: seis diretores de cinema, dois jornalistas e um fotógrafo, além das equipes de pesquisa, produção e edição. Laércio Portela, integrante do coletivo Marco Zero Conteúdo escreveu, com o jornalista César Rocha, o livro que integra o projeto.

Os quatro episódios de TV (Canavieiros, Mata Norte, Caldeirão e Dia de Pagamento), tem um viés autoral e foram filmados e editados por diretores diferentes, que tiveram autonomia para construir suas próprias narrativas e interpretações sobre o contexto econômico que se formou em torno das grandes obras em curso. As gravações foram feitas nos municípios de Ipojuca, em torno do Porto de Suape; de Goiana, nas proximidades da Fiat; em Flores e Sertânia, no entorno da Ferrovia Transnordestina e da Transposição do Rio São Francisco. A série será exibida pela TV Câmara, de Brasília, nos seguintes dias: Caldeirão – sábado 05/09, 22h, e domingo 06, às 23h; Mata Norte – no sábado 12, às 22h, e no domingo 13, às 23h; Canavieiros – sábado 19/09, às 22h, e no domingo 20, às 23h; e Dia de Pagamento – sábado 26/09. 22h, e domingo 27, 23h.

No material de divulgação do Projeto Vulneráveis se afirma que o debate proposto parte do reconhecimento dos enormes avanços econômicos e sociais pelos quais o Brasil passou nos últimos anos. Mas que pretende lançar um olhar – ao mesmo tempo mais amplo e intimista – sobre a resistência da precariedade da vida nas novas ilhas de desenvolvimento do Nordeste e, especialmente, de Pernambuco.

É interessante observar que os grupos sociais identificados pelo Projeto Vulneráveis depende do trabalho, no mais das vezes braçal e intenso, precarizado pelas condições de baixa escolaridade, salários aviltados e por estarem à margem ou na escala mais baixa da remuneração do sistema produtivo. É esse conjunto de características que planta a instabilidade e que acaba por exigir apoio direto ou indireto do Estado para complementação da renda necessária.

O Atlas da Vulnerabilidade, por seu lado, desenha a janela atual do heterogêneo processo de desenvolvimento nacional, com suas diferenças abissais entre culturas populares e economias regionais.

Pesquisa

É nesse sentido que o Projeto Vulneráveis acena como um dispositivo complementar e localizado de interpretação dos dados colhidos pelo mapa desenhado pelo IPEA. Isso porque o cenário que emerge após dez anos de intervenções macro-econômicas ainda confirma históricas diferenças regionais e realiza, localizadamente, situações de ambivalência e contradição que a pesquisa do IPEA não consegue alcançar.

O trabalho do Instituto apontou, de uma forma geral, que todos os indicadores relacionados a Renda e Trabalho apresentaram avanços nos últimos dez anos, o que se reflete em redução do trabalho infantil e no aumento da ocupação. Ainda segundo o Instituto, a desocupação da população de 18 ou mais anos de idade foi o que mais reduziu no país, tendo sua taxa caído cerca de 47% no período. A pesquisa, entretanto, não permite uma compreensão de como a condição de vulnerabilidade continua a despeito – em certas situações, por causa – do desenvolvimento industrial. E como isso se atualiza de uma cidade para outra, de um estado para outro.

A segunda dimensão a apresentar maior evolução, entre 2000 e 2010, é o elemento Capital Humano. O conjunto de indicadores que compõe esta dimensão – que retrata aspectos sociais diversos (exclusão social, acesso a serviços de saúde e educação, situações de vulnerabilidade decorrentes de aspectos demográficos e familiares) – evoluiu 28% no período, passando de 0,503 (muito alta vulnerabilidade social) para 0,362 (média vulnerabilidade social).

Nessa dimensão, apresentou maior evolução o percentual de pessoas de 6 a 14 anos (houve um recuo de 52% no número de jovens fora da sala de aula) e na mortalidade até 1 ano de idade, que caiu 45%, expressando, claramente, avanços resultantes de políticas sociais implementadas ao longo dos anos 2000.

Finalmente, o Índice de Vulnerablidade Social (IVS) Infraestrutura Urbana apresenta uma melhoria de 16%, passando da faixa da média vulnerabilidade social, em 2000, para a baixa vulnerabilidade social, em 2010. Neste caso, a maior evolução é verificada no indicador percentual da população que vive em domicílios urbanos sem serviço de coleta de lixo que caiu de 8,88% em 2000 para 2,98% em 2010.

Mapas

O que a pesquisa do IPEA também revela, e sobre o que o Projeto Vulneráveis reflete política e esteticamente, é um mapa do ambivalente modelo de desenvolvimento no Brasil e em particular no Nordeste – e, mais especificamente ainda em Pernambuco. Há a permanência de um quadro de disparidades regionais, com a concentração de municípios na faixa de muito alta vulnerabilidade social nessa região, especialmente nos estados de Pernambuco, Maranhão e Alagoas, além de algumas porções do território baiano. A situação é a mesma no Norte, especialmente nos estados do Acre, do Amazonas, do Pará, do Amapá e de Rondônia.

Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) do Brasil em 2000

IVS_Brasil_2000

Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) do Brasil em 2010

IVS_Brasil_2010

 

O mapa da vulnerabilidade desenhado pelo IPEA aponta que o Nordeste ainda é a região com o maior número de cidades em situação de alta vulnerabilidade (581), ou 72,4% de seus municípios. O Nordeste possui apenas um município na faixa de muito baixa vulnerabilidade (Fernando de Noronha) e somente 32 na faixa de baixa vulnerabilidade. Um total de 23,4% dos municípios do Norte estão sob muito alta vulnerabilidade social. A comparação com o eixo Sul-Sudeste dá uma justa medida da disparidade, que foi reduzida nos últimos dez anos, mas ainda está presente. Na faixa de muito alta vulnerabilidade social há apenas 0,4% dos municípios do Centro-Oeste, 0,1% do Sul, e 3,7% do Sudeste.

Do total de municípios nordestinos, 80,1% estão nas duas faixas mais altas da vulnerabilidade social. Essa proporção é de 69,5% para os municípios do Norte, 10,4% do Sudeste, 7,9% do Centro-Oeste e 1,8% do Sul. No outro extremo, nas faixas de baixa e muito baixa vulnerabilidade social, estão 79% dos municípios do Sul, 64,6% do Sudeste, 53,2% do Centro-Oeste, 6,5% do Norte e apenas 1,9% do Nordeste.

AUTOR
Foto Luiz Carlos Pinto
Luiz Carlos Pinto

Luiz Carlos Pinto é jornalista formado em 1999, é também doutor em Sociologia pela UFPE e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Pesquisa formas abertas de aprendizado com tecnologias e se interessa por sociologia da técnica. Como tal, procura transpor para o jornalismo tais interesses, em especial para tratar de questões relacionadas a disputas urbanas, desigualdade e exclusão social.