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Pressão e articulação política garantem Juntas na presidência da Comissão de Direitos Humanos

Maria Carolina Santos / 14/02/2019

Comemoração das Juntas. Fotos: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Ânimos exaltados, gritaria, atrasos e até saída dramática. Teve de quase tudo na reunião que elegeu as codeputadas Juntas para a presidência da Comissão de Direitos Humanos, Cidadania e Participação Popular da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). A eleição foi por aclamação, sem necessidade de voto. Mas isto só aconteceu porque a bancada evangélica – tanto governo quanto oposição – se retirou da reunião, e não voltou mais, durante um recesso para acalmar os ânimos.

Com o plenarinho I lotado de militantes de movimentos sociais e, em menor número, membros e pastores de igrejas evangélicas, a reunião começou com atraso de quase uma hora, perto das 12h. A votação, que seria na terça-feira passada, foi adiada para esta quinta porque a deputada Clarissa Tércio (PSC), da oposição e da bancada evangélica, se colocou como candidata. Acontece que, na semana anterior, os líderes do governo e da oposição já haviam fechado acordo, assinado em ata, para que as Juntas, que se declaram independentes, assumissem a presidência. A vice-presidência foi para Cleiton Collins (PP), do governo e da bancada evangélica.

Com o acordo quebrado, o que se viu nessas 48 horas entre a primeira e a segunda reunião foram manobras para que um ou outro lado conseguisse a presidência. Na primeira reunião, o líder da oposição Marco Aurélio (PRTB) argumentou que não tinha problema com as Juntas, mas que a presidência deveria ficar com a oposição – que, pela proporcionalidade, tinha direito a três comissões e terminou ficando com apenas uma (a de Esportes e Lazer).

Na segunda reunião, o argumento “governo x oposição” não se sustentou. Em uma fala exaltada, Marco Aurélio afirmou que defendeu, nesses últimos dois dias, o nome do deputado Adalto Santos (PSB) para a presidência. Adalto, porém, não é oposicionista: mas é da bancada evangélica. Mesmo sendo do governo, e o governo apoiando as Juntas, Adalto já havia externado que, se houvesse bate-chapa, ia com Clarissa. Collins também já havia declarado que não votava nas Juntas.

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Aconteceu então a manobra política que pavimentou a vitória das Juntas. Como líder do governo, e responsável pela indicação da lista de titulares e suplentes, Isaltino Nascimento (PSB) fez uma mudança, publicada ontem (13) no Diário Oficial: trocou o nome de Adalto, antes na titularidade da comissão, pelo dele próprio. Com isso, virou o jogo para o caso de bate-chapa: os não-evangélicos teriam 3 votos (Juntas, João Paulo/PCdoB e Isaltino) contra os 2 votos dos evangélicos (Cleiton Collins e Clarissa). Estava com a vitória garantida.

Ao ver a jogada de Isaltino, Marco Aurélio, como líder da oposição, tentou fazer o mesmo: colocar as Juntas na suplência. O problema é que, apesar de serem independentes, no Diário Oficial as Juntas saíram na lista do governo – e, assim, só poderiam ser retiradas por Isaltino. A tentativa de Marco Aurélio foi barrada pelo presidente da Alepe Eriberto Medeiros (PSB), no que Marco Aurélio chamou de “tratoragem”. Para se defender, o deputado Eriberto foi na reunião hoje e levou consigo o procurador-geral da Alepe, munido do Manual do Deputado, que explicou o caso.

Após a fala de Marco Aurélio, que chamou toda a situação de “golpe” e se levantou dramaticamente para ir embora, Cleiton Collins – que presidia a reunião, por ser o deputado mais votado entre os membros – pediu um intervalo de cinco minutos. Que viraram mais de 40.

Neste tempo todo, as cinco codeputadas Juntas permanecerem no plenarinho I enquanto Isaltino e João Paulo eram constantemente chamados para os bastidores. Os deputados Romário Dias (SD) e Tony Gel (MDB) também apareceram por lá para tentar colocar panos quentes. Na plateia, policiais militares da Alepe tentaram retirar uma militante mais ativa, mas desistiram ao ouvir promessas de protestos pacíficos.

Suplente na comissão, e da bancada evangélica, Joel da Harpa (PP) chegou a propor um acordo de dois anos da comissão com a presidência das Juntas e dois anos com os evangélicos. Ninguém deu ouvidos. Ele ficou boa parte do recesso sentado na mesa de reunião e adiantou a pastores que foram acompanhar a sessão: “o governo veio com tudo”.

Quando já era quase 14h, João Paulo assumiu a cadeira da presidência e anunciou que o acordo seria mantido. Convocou então a aclamação das Juntas. Além dele e das Juntas, apenas Isaltino também estava na mesa. Ninguém da bancada evangélica voltou do recesso.

As Juntas chegam de mãos dadas no hall da Alepe e agradecem aos eleitores e eleitoras. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
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Comemoração das Juntas

“Eles se retiraram. E espaço vazio se ocupa”, afirmou a codeputada Carol Vergolino, após a vitória. “Se ocupa por quem realmente está representando as pessoas. Você vê que ninguém dos direitos humanos saiu. Porque para a gente tudo é muito difícil. Este lugar aqui é um lugar muito caro, muito especial”. As Juntas afirmaram que não participaram das reuniões para o acordo. “O que acontece é que o líder da oposição quebrou o acordo na primeira reunião”, disse Carol.

A codeputada Jô Cavalcanti viu o fim da celeuma como um alívio. “Vamos trazer as pautas das minorias. LGBTs, mulheres, população negra, a questão do encarceramento feminino. Temos muito trabalho para ser feito. Vamos revolucionar este sistema autoritário e personalista. Ganhamos de acordo com o regimento”.

Sobre o futuro da comissão, depois do mal estar da eleição, as Juntas estão otimistas com as relações com os membros da bancada evangélica. “Vai ser uma convivência pacífica. Não estamos aqui para disputar. Queremos construir uma política melhor, um estado melhor, para as pessoas que precisam desta comissão. A gente vai dialogar e construir a comissão. É um espaço legítimo nosso, não só pelo regimento, mas também pelos movimentos”, disse Jô.

As Juntas assumem a comissão referendadas por mais de 160 movimentos sociais, que assinaram uma carta pública para que elas ficassem com o cargo. Entre esses 160 está o Movimento Negro Evangélico de Pernambuco. “Existe um projeto de teologia que quer alcançar o poder pela religião. A gente entende que a fé existe para um bem comum e não para um plano de poder”, comentou Jackson Augusto, representante do movimento e um dos mais de cem militantes que foram até a Alepe.

A deputada Clarissa Tércio deixou o prédio do plenário antes do final da sessão. E ficou com o telefone desligado pela tarde. No instagram, afirmou que “em Pernambuco temos um governo anti cristão que apoia as pautas LGBTs descaradamente”. Em transmissão ao vivo feita pelas redes sociais na noite desta quinta-feira (14), Clarissa, sempre ao lado do marido e assessor Júnior Moura, classificou o governo de Pernambuco como “sujo, vergonhoso e anti-cristão”.

Se dizendo defensora da “família, moral e bons costumes”, criticou os movimentos sociais, disse que era contra o feminismo e que “essas pessoas de movimentos são minoria. Olhem quem o Brasil elegeu como presidente, um homem conservador”, afirmou. Depois de criticar o movimento LGBT e de receber algumas respostas ríspidas de quem acompanhava a transmissão, Clarissa fez um discurso homofóbico que ela chamou de um pedido de desculpas. “Tenho muito amigos homossexuais, mas sou contra o desrespeito. Sou contra esse negócio de gay ir para a rua, de levantar bandeira, de dar beijo de língua na rua”, afirmou. A próxima reunião da Comissão de Direitos Humanos ainda não tem data marcada.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com