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Reforma da Previdência une trabalhadores contra perda de direitos

Débora Britto / 19/02/2018

Centrais sindicais e movimentos sociais realizaram, na tarde desta segunda-feira (19), ato político no Recife contra a Reforma da Previdência  (PEC 287) para mobilizar a sociedade e pressionar os parlamentares. Centenas  de pessoas saíram do Parque 13 de Maio em direção ao prédio central do INSS. A manifestação fez parte da mobilização nacional contra a reforma.

Carlos Veras, presidente da CUT Pernambuco, uma das organizações que puxou o ato, garantiu que as mobilizações voltarão a acontecer se a reforma retornar à pauta do Congresso. No cenário nacional, a intervenção federal decretada pelo presidente Michel Temer (PMDB) na área de segurança do Rio de Janeiro impede que emendas à Constituição sejam aprovadas, mas ventila-se a possibilidade da suspensão do decreto para votação da reforma – caso o Governo Federal consiga maioria de votos na Câmara. Apesar disso, o chamado para protestos e mobilizações continua valendo, garante Veras.

“Não podemos dar trégua. Precisamos pressionar as bases eleitorais porque essa pressão tem feito com que o governo não consiga maioria. Se o governo conseguir, vai colocar a emenda em votação , mas nós não vamos deixar. A qualquer momento que quiserem botar a reforma para votar nós vamos parar o Brasil de novo”, afirma.

Categorias unificadas

O auditor fiscal Elso de Lacerda, do Sindifisco (Sindicato dos Auditores Fiscais de Pernambuco), 56 anos, tem 34 anos de contribuição e, sem a reforma da previdência, deve se aposentar em 2021. No entanto, caso a proposta de reforma passe, ele poderá ter que trabalhar pelo menos mais dez anos para conseguir a aposentadoria integral.

“Eu sou uma pessoa até privilegiada, mas estou defendendo os interesses de todos os trabalhadores. Nós vivemos numa sociedade coletivamente, você não pode pensar só em você. Nós temos essa consciência de luta de classes”, defende.

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Elso de Lacerda, com 56 anos, pode precisar trabalhar mais dez com reforma. Foto: Inês Campelo

Elso lembra a CPI da Previdência, que identificou que não existiria necessidade de uma reforma como a que está em discussão atualmente, sustentada pelo Governo Temer. Além disso, tece crítica ao modelo de tributação que aumenta a desigualdade social no país.  “A legislação tributária brasileira concentra impostos no consumo. É uma questão política porque as pessoas que têm dinheiro nesse país não permitem que se altere a legislação para tributar patrimônio e renda”, diz, questionando os interesses dos deputados que irão votar a reforma, afirmando que 85% dos congressistas se declaram empresários.

Para ele, ainda há pouca informação sobre a questão e muitas pessoas não entendem o que está em jogo.

Previdência rural

Rozalia Domiro Jacinto é agricultora e trabalha no campo desde sempre. Aprendeu desde cedo com sua mãe, pai e avós, todos agricultores. Hoje, com 48 anos, faz parte do Acampamento Che Chevara, em Igarassu, onde é liderança da Brigada Metronorte, há três anos.

Aposentadoria, para ela, é ainda um sonho a conquistar. Na modalidade da aposentadoria rural, se nada mudasse, ela conseguiria dar entrada com 55 anos. No entanto, a possibilidade da Reforma da Previdência, a fez retomar a vontade de lutar pelos filhos e netos. Sua mãe, já aposentada, é um exemplo que deseja seguir.

“Depois da reforma só Deus sabe”, comenta. Para ela, os trabalhadores rurais que solicitarem a aposentadoria após a possível aprovação da reforma podem não aguentar. “Nós trabalhadores rurais não temos como, o trabalho é muito cansativo. Ele tirou nosso direito”, desabafa.

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Agricultora, Rozalia trabalha desde muito jovem no campo e não sabe se conseguirá a aposentadoria rural. Foto: Inês Campelo

Apesar das dificuldades, a agricultora faz questão de expressar a importância do seu trabalho. “Se o campo não planta, a cidade não janta”, diz. Ainda assim há pessoas menos otimistas. “Muitas pessoas estão com medo, querendo desistir da agricultura por não poderem se aposentar. Sempre perguntam para a gente, mas não temos resposta certa porque a gente não está no poder”. Para Rozália, o futuro está nas mãos de Deus, do povo organizado e também na volta do ex-presidente Lula. “Outra coisa que a gente quer é a volta de Lula ao poder. Ele não vai mudar o Brasil, mas ele vai melhorar, como ele vinha fazendo”, diz.

Ela questiona a legitimidade de um presidente não eleito pela população pautar reformas que retiram direitos. “Para ele (Temer) fazer o que está fazendo precisaria ter o voto do povo. Somos agricultores rurais e a gente não tem como chegar até ele, mas a gente faz essas lutas para reivindicar nossos direitos. Para a gente e para nossos filhos”, afirma a agricultora, que também recebe bolsa família por uma de suas netas – tem três ao total, e vive com filha, marido e mãe – planta o alimento do dia a dia , comercializa o excedente para complementar a renda e está nas ruas lutando por seus direitos.

Mulheres mais prejudicadas

Para a professora Séphora Freitas, de 54 anos, que ainda não é aposentada, mas por um dos seus vínculos de trabalho, na rede estadual de educação, poderia conseguir a aposentadoria no ano que vem, a reforma vem para agravar a situação das mulheres.

“A reforma prejudica principalmente as mulheres porque é quando aumenta mais o tempo de contribuição. E na educação mais ainda. Temos a aposentadoria especial – mas que de especial não tem nada. O trabalho não se resume só à aula. Nossa jornada é muito estafante. Por conta do salário a gente muitas vezes tem mais de um vínculo e ainda tem a terceira jornada que é doméstica”, explica a professora, que também faz parte da direção do Sintepe (Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco) e do Sinproja (Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de Jaboatão dos Guararapes).

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A professora Séphora Freitas (terceira da esquerda para direita) diz que a reforma vai prejudicar especialmente as mulheres com o aumento da idade mínima. Foto: Inês Campelo

“A gente pensa não só no hoje, mas nas gerações futuras. Isso vai prejudicar nossos filhos, nossos netos porque a tendência é acabar com a aposentadoria”, diz.

Segundo ela, a categoria, já tão precarizada, ficará mais vulneráveis à medida que novos profissionais podem encontrar um cenário pior do que o atual. “Mesmo com regra de transição todo mundo vai ter prejuízos. É uma perspectiva muito triste, muito drástica para a classe trabalhadora, de completo retrocesso”, desabafa. Mas garante que estará nas ruas para barrar a reforma.

Sem horizonte para juventude

Pedro Ribeiro, 30 anos, é pedagogo e calcula que a sua contribuição para a previdência é de quatro anos – atualmente trabalha em uma organização não governamental, mas desde mais jovem trabalhou em diversos campos, mas sem carteira assinada e recolhimento dos impostos para aposentadoria. Para ele também o cenário é pior para a juventude, que sequer nutre esperanças de conseguir se aposentar – ou obter um emprego que garanta os direitos trabalhistas. “A perspectiva é bem assustadora, mas não tinha como largar e ir para casa, tinha que fazer alguma coisa”, diz.

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Pedro Ribeiro, 30 anos, vê juventude “anestesiada”. Foto: Inês Campelo

Avaliando a falta de mobilização de outros jovens, Pedro acredita que diversos fatores contribuem para uma “anestesia”. “É tanta coisa acontecendo, as pessoas estão observando o que está acontecendo, mas sem fazer nada”. Para ele, além de redes sociais, que considera importantes, é preciso voltar a ocupar as ruas e criar novos modos de conversar com a população.

Pernambuco paralisado

A paralisação nacional contra a reforma da Previdência mobilizou várias categorias de trabalhadores em Pernambuco. Agências bancárias, atendimentos do INSS, escolas e outros serviços foram total ou parcialmente paralisados.

Pela manhã, o Movimentos dos Trabalhadores Sem Terra (MTST) bloqueou a BR-101, nas proximidades do Terminal de Integração do Barro. Os ônibus pararam de circular durante algumas horas e o protesto só foi totalmente encerrado às 10h.

Os bancários também aderiram às manifestações. De acordo com o sindicato da categoria, 13 agências no centro do Recife permaneceram fechadas das 10h às 12h. Já a sede do INSS no Recife, na avenida Mário Melo, em Santo Amaro, permaneceu fechada durante todo o dia. “Todos os atendimentos foram paralisados. Outras agências da Região Metropolitana do Recife (RMR) e em Caruaru, Garanhuns e Petrolina funcionaram parcialmente”, detalhou Luiz Eustáquio Ramos Neto, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Públicos Federais da Saúde e Previdência Social (Sindsprev). Em Pernambuco funcionam 70 agências do INSS.

Os petroleiros também fizeram breve parada nos trabalhos durante o dia de protestos. As manifestações foram realizadas na entrada da Refinaria Abreu e Lima e na Transpetro, em Suape, no gasoduto em Jaboatão dos Guararapes e no escritório da Petrobras, em Boa Viagem. Somente na Refinaria Abreu e Lima trabalham aproximadamente 1,2 mil pessoas, de acordo com o Sindipetro.

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AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.