Campos de concentração da seca de 1932 completam 90 anos de vergonha e esquecimento proposital

Por Géssica Amorim

Fortaleza, Crato, Ipu, Quixeramobim, Cariús e Senador Pompeu. Nesses municípios do Ceará, há 90 anos foram construídos campos de concentração para evitar que retirantes da seca chegassem à capital.

Na época, os campos eram chamados de “Currais do Governo” e foram construídos perto das ferrovias para impedir o embarque daqueles que fugiam da seca de 1932 para buscar socorro longe de suas casas.

O governo do Ceará e a elite local fez de tudo para que não se repetisse a situação vivida nas secas anteriores, em 1877 e 1915, quando mais de 100 mil pessoas desesperadas buscaram ajuda em Fortaleza.

Jornais da época mostram que as autoridades e os moradores da capital não tinham preocupação com a vida dos sertanejos, tratados como “potenciais portadoras de doenças” ou “ameaça à tranquilidade”.

Em junho de 1932, o jornal O Povo destacava com informações oficiais o “Efetivo dos Campos de Concentração dos Flagelados”: 73.918 teria sido o total de pessoas mantidas nos “currais” naquele ano.

Alimentados com as rações enviadas pelo governo, plantas silvestres e até com a carne de animais mortos de fome e sede, poucos sobreviveram. As mortes sequer foram registradas oficialmente.

O município de Senador Pompeu, a de 266 quilômetros de Fortaleza, é o único que ainda conserva parte da estrutura usada para isolar os emigrantes durante a estiagem de 1932.

Na maior parte dos “currais”, os retirantes foram amontoados em barracões cobertos com folhas de carnaúba. Em Senador Pompeu, aproveitou-se os casarões construídos durante as obras do açude Patu.

Nessa cidade, vive agricultora aposentada Alzira Lucinda Moraes de Lima, 70 anos. Ela é filha de um dos raros sobreviventes dos campos cearenses, Mário Antônio de Moraes, que faleceu aos 85 anos, em 2001.

“O meu pai dizia que ali era uma prisão. Era ele quem cavava as covas para enterrar quem morria no campo. Eram dois, três, por noite. Ele Falava dos cachorros brigando, querendo comer os cadáveres”.

O advogado Valdecy Alves nasceu em Senador Pompeu e estuda o assunto há mais de 20 anos. Ele escreveu três livros e produziu outros três documentários sobre o tema.

Valdecy acredita que a falta de informações faz parte da tentativa de apagamento de um dos períodos mais sombrios da nossa história: “Os campos são coisas vergonhosas praticadas pelo Estado brasileiro, que ele quer apagar”.

“As pessoas  foram aprisionadas, usadas como mão de obra escrava para a construção de estradas, construção de ferrovias”, conta o pesquisador.

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