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YouTube e extremistas ganharam dinheiro com transmissões ao vivo das ações terroristas

Giovanna Carneiro / 09/01/2023
Do buraco de uma janela estilhaçada, se vê dois operários fazendo reparos no interior do Palácio do Planalto

Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Extremistas de direita usaram o YouTube durante semanas para convocar os bolsonaristas e ganharam dinheiro transmitindo ao vivo as invasões terroristas ao Congresso Nacional, ao Supremo Tribunal Federal e ao Palácio do Planalto neste domingo, 8 de janeiro. Depois de servir por anos como catalisadora de narrativas falsas, incitamento de ódio e teses negacionistas contra saúde pública, a plataforma de vídeos do Google foi usada neste domingo, sem interferência do algoritmo ou de moderadores, para promover o mais violento ataque da história contra a democracia brasileira.

Em horas e horas de transmissão ao vivo, a destruição do patrimônio público e a tentativa de depor um governo eleito democraticamente, foram apresentados como atos patrióticos, protagonizados por “heróis da nação”. As lives do golpe permanecem no ar, monetizadas a partir anúncios publicitários de empresas como a chinesa Shein, de videogames, Magazine Luiza ou da marca de remédios Engov.

Além do patrocínio dos anunciantes do YouTube, alguns desses canais contam com clubes de assinatura para membros interessados em financiar suas produções. Só neste domingo, a Marco Zero Conteúdo acessou quatro canais de conteúdo bolsonarista que utilizam o YouTube há, pelo menos, quatro anos e contam com milhares de inscritos e visualizações, todos eles realizaram transmissões ao vivo da invasão à Esplanada dos Ministérios.

Lives e convocatórias

Administrado pelo YouTuber Genival Fagundes, candidato a deputado federal pelo PL em Goiás nas últimas eleições, o canal Política Sem Curva fez uma live de 5 horas e 25 minutos da invasão deste domingo. Participante do ato de terrorismo, Genival Fagundes fez questão de filmar tudo que realizou e testemunhou, exibindo para os mais de 77 mil inscritos do seu canal. A live conta com 668 mil visualizações.

O canal Endireita Tocantins, que se apresenta como uma organização política, também fez uma live direto da invasão da Esplanada dos Ministérios. Com duração de 5 horas e 5 minutos, o vídeo tem 149 mil visualizações.

Já os responsáveis pelos canais Eu&Ela Curiosa e Ed Produções Gospel fizeram lives com imagens ao vivo de parceiros que estavam na Esplanada e na Praça dos Três Poderes participarando do ato, enquanto comentavam com os telespectadores no formato react

Print de tela de live da invasão ao Congresso com propaganda do remédio Engov

Crédito: reprodução YouTube

O canal Eu&Ela Curiosa, da professora de canto Elaine Helena Roque e sua filha Amada Roque, possui 83,8 mil inscritos e teve 44 mil visualizações na live da invasão. A página é conhecida por realizar lives todas as noites com conversas descontraídas entre Elaine e o público, que, ao analisar os comentários, parece ser majoritariamente feminino. Nos últimos meses, a professora passou a se colocar como porta-voz da causa “patriota” e do bolsonarismo, em defesa da “família”.

Já o canal Ed Produções Gospel se apresenta como “um canal cristão voltado para as pessoas que buscam ter mais intimidade com Deus, através de pregações da Bíblia Sagrada e ensinamentos de Pastores e Pastoras mais conhecidos do meio evangélico”. Porém, apesar da maioria dos vídeos do canal conter conteúdos religiosos, a página, que possui 74,2 mil inscritos, foi utilizada para transmitir os atos terroristas deste domingo.

Vale salientar que, das páginas mencionadas, o Política Sem Curva e a Eu&Ela Curiosa contam com um canal de assinaturas com valores de doação mensal entre R$ 7,99 e R$29,99, além de solicitarem doações através de pix. Dos quatro canais apresentados, apenas o de Elaine Helena Roque possui anúncios em suas lives.Todos os vídeos disponibilizados na plataforma após o fim da transmissão contam com anúncios do Google.

Cifrões

A Marco Zero recorreu à SocialBlade, uma ferramenta bastante conhecida de rastreamento de estatísticas e análises de mídias sociais, para calcular quantos esses canais golpistas faturam anualmente no YouTube. Alguns deles, como Política Sem Curva, do extremista goiano Genival Fagundes, chega a faturar quase R$ 137 mil. Nos últimos 30 dias, alcançou quase 2,9 milhões de visualizações com vídeos estimulando o golpe de Estado.

Crédito: reprodução YouTube

A monetização do Youtube é feita pela exibição de anúncios durante os vídeos. Caso o anúncio seja assistido e não pulado, o valor é pago integralmente. Do valor de cada exibição, uma parte vai para o Youtube e a outra é do canal parceiro. Para ter direito a isso, o canal precisa alcançar 10 mil visualizações totais nos vídeos do canal, manter, pelo menos, 1.000 inscritos no canal e  4.000 horas visualizadas a cada 12 meses.

Se a Meta, empresa que controla o Instagram, o Facebook e o WhatsApp, se posicionou contra a tentativa de golpe de Estado e prometeu barrar os conteúdos favoráveis à invasão, o mesmo não se aplica ao Google/YouTube.

Procuramos a equipe de assessoria de Imprensa da empresa, uma das maiores do planeta, e recebemos esta resposta: “Nosso compromisso com os usuários do YouTube tem como ponto de partida as diretrizes da comunidade. Elas definem o que é permitido ou não e valem para todos os tipos de conteúdo na plataforma, incluindo vídeos, comentários, links e miniaturas. Dito isso, você teria algum trecho específico dos vídeos que você acredita representar violações às nossas políticas? Como são vídeos longos, nos ajudaria se você puder fornecer mais detalhes”.

A equipe da Marco Zero esclarece que, por motivos óbvios, não se dará ao trabalho de apontar quaisquer “trechos específicos” para uma empresa que admite se guiar por suas próprias “diretrizes” e não pelo respeito à Constituição brasileira. Também não adicionaremos links para os canais citados neste texto.

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AUTOR
Foto Giovanna Carneiro
Giovanna Carneiro

Jornalista e mestranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.