Tabuleiro em disputa

A sensação que os moradores da zona rural de Tabuleiro do Norte têm é que estão, aos poucos, sendo encurralados. Tudo começou no início de 2020, junto com a pandemia de covid-19, quando a Nova Agro Agropecuária Ltda, uma empresa centrada na produção de algodão e de soja, instalou-se na região, transformando o município cearense em uma “nova fronteira” agrícola do Nordeste.

Tabuleiro do Norte, que diferentemente dos municípios vizinhos da Chapada do Apodi ainda não havia sido tomado pelas grandes fazendas de fruticultura e que ainda hoje abriga um conjunto de comunidades camponesas, estabelecidas há mais de 50 anos no território, de uma hora para outra passou a ter sua população rural afetada diretamente pelo avanço do agronegócio.

Os impactos foram se tornando mais perceptíveis à medida que a Nova Agro avançava na compra ou arrendamento de terras na região e, paralelamente, intensificava a rotação do plantio de algodão e soja. Segundo dados fornecidos pela própria empresa, só em Tabuleiro do Norte já são 3.200 hectares, dos 12 mil adquiridos em todo estado do Ceará. Já de acordo com levantamento feito pela Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte (CE) em conjunto com várias instituições e organizações da sociedade civil, baseado em informações coletadas na mídia e visitas de campo, a área total gira em torno de 24 mil hectares.

Mesmo tomando por base só os números divulgados pela própria empresa ainda é muita terra. Para se ter uma ideia do que isso representa em termos de área ocupada, todo Perímetro Jaguaribe-Apodi, área irrigada que abriga centenas de produtores (de pequeno, médio e grande porte), tem 15 mil hectares. Já a soma das grandes empresas de agronegócio instaladas na Chapada do Apodi – Del Monte, Agrícola Famosa, Banesa, Frutacor e Melão Doçura – chega a 17 mil hectares.

A Chapada do Apodi é uma formação montanhosa que fica entre os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará,  em uma área de transição entre a Zona da Mata e o sertão semiárido, funcionando como divisor de águas entre as bacias hidrográficas dos rios Apodi e Jaguaribe. Está distribuída em quatro municípios do Rio Grande do Norte e cinco do Ceará, entre eles Tabuleiro do Norte.

Como as terras adquiridas pela Nova Agro não são contínuas, as comunidades locais e as famílias de pequenos agricultores estão ficando “ilhadas”, sofrendo pressão para venderem suas propriedades, vendo estradas serem fechadas, o acesso à água ficando mais difícil, sendo proibidos de criarem seus animais soltos, sofrendo com o barulho das máquinas, testemunhando o desmatamento da mata nativa de caatinga e sentindo as consequências do uso indiscriminado de agrotóxicos.

Os impactos causados pela chegada do agronegócio na região vêm sendo monitorados de perto por uma rede de instituições e organizações da sociedade civil, como a Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, a Facotan, o Instituto Brotar, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, a Escola Família Agrícola Jaguaribana Zé Maria do Tomé, a Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, o grupo de pesquisa Naterra/UECE e o Grupo de Pesquisa Territórios do Semiárido (SemiarEMIAR/UFRN).

Eliete Alves Pereira da Silva mora na comunidade de Currais de Cima, em uma casa com um jardim impecável e próxima a uma área de proteção ambiental de 300 hectares. Só que ela também mora próxima de uma das áreas de plantação da Nova Agro. A percepção de que algo ia errado na vizinhança veio pelo olfato. “Estava na porta da minha cozinha, no ano passado (2021), quando eu senti a catinga do veneno. O vento traz. A empresa é muito perto. Tem mais jeito não”.

Já para Joana do Nascimento de Sousa, que tem 56 anos e mora na Baixa do Juazeiro há 48 anos e a alguns poucos quilômetros de Eliete, os problemas começaram a chegar pela audição, assim que a Nova Agro começou a derrubar a caatinga. “O que perturba a gente aqui é a zoada. Eles trabalhando lá. Das máquinas funcionando lá. Derrubando, moendo pau. É uma zoada medonha. Avalie quem mora bem pertinho. Tem dia que é a noite toda”.

“O impacto ambiental é visível. Anda três, quatro quilômetros e já vê o limpo, o desmatamento. O impacto social está no barulho à noite. Aqui era muito tranquilo. Hoje temos máquinas funcionando 24 horas dentro das comunidades. Isso é uma coisa absurda. Já o impacto econômico está na impossibilidade de criar pequenos animais soltos, já que as propriedades são pequenas. E também pelo fato dos apiários estarem acabando por causa do veneno e do desmatamento. Vamos perder o selo de mel orgânico”

Antônio Rodrigues Neto

Vereador de Tabuleiro do Norte, apicultor e agricultor

Antônio Rodrigues Neto mora na comunidade Baixo do Juazeiro desde 1974. Agricultor, apicultor e atualmente ocupando uma cadeira de vereador em Tabuleiro do Norte, Biu de Bem-te-vi, como é chamado pelos vizinhos e eleitores, afirma que a maior dificuldade da região ainda é o abastecimento de água captada no canal de irrigação Jaguaribe-Apodi em Limoeiro do Norte. “Hoje o abastecimento via adutora não é o suficiente. A água só de 10 em 10 dias é bombeada para nós”.

Embora esteja sobre o sistema de aquíferos Jandaíra-Açu, a segunda maior reserva de água subterrânea do Ceará, os moradores de Tabuleiro do Norte têm muita dificuldade para acessar este recurso. “Temos pouco dinheiro para perfurar poços. Não é fácil perfurar poços profundos”, pondera Antônio. “Já perfurei poço mas não deu água. Tenho outro marcado aqui pela SOHIDRA (Superintendência de Obras Hidráulicas), que foi marcado em 2018, e até hoje não foi cavado. Quando o geólogo marcou, ele disse que aqui era poço para 150 metros, revestido até embaixo, um poço razoável. Nós estamos esperando”.

Joana do Nascimento de Sousa

Joana do Nascimento de Sousa

Joana do Nascimento de Sousa, também concorda que a falta de água é a maior dificuldade da comunidade. “A água vem da adutora, mas não funciona. Nós, aqui, temos um poço que dá para o nosso consumo. No inverno ajuda muito. Mas quem não tem, se for esperar só por essa água, é difícil. Nem tem para o consumo de bicho nem pras famílias mesmo. É difícil a situação”.

O poço no quintal da casa de Joana tem 25 metros. Nessa profundidade não consegue atingir uma água de qualidade para o consumo humano. “É salobra. É do aquífero Jandaíra, o de cima. A boa mesmo, que é mineral, é a do Açu, que fica embaixo. Tem que ser mais fundo, acima de 100, 200 metros”, explica Joana que não tem recursos para uma perfuração desse porte.

Para as pessoas que não são abastecidas pela adutora e não têm dinheiro para perfurar um poço, a solução está nos carros-pipas que, segundo Joana, muitas vezes levam até 15 dias para chegar. “E quando chega, dizem que é para umas cinco famílias para passar 15 dias. É uma humilhação”. Por fim, ela resume o sentimento de grande parte da população local: “Engraçado que a gente não tem água e as empresas têm”.

Realmente não falta água para a Nova Agro. Isso porque, com recursos financeiro e tecnológicos e outorga dos órgãos oficiais, a empresa consegue perfurar poços que captam água das partes mais profundas do sistema de aquíferos. A empresa possui três outorgas para quatro poços emitidas pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ceará com validade até 2030. Mas o que a reportagem ouviu de moradores e representantes da sociedade civil é que a quantidade de poços é muito maior. Procuramos a Nova Agro para esclarecer esse ponto, mas até agora não obtivemos retorno.

Outra preocupação de quem acompanha o problema de perto é que o uso em escala industrial da água, feito a partir de poços profundos, acabou baixando o nível do aquífero, a exemplo do que aconteceu em municípios vizinhos da Chapada. “A gente tá muito preocupado que essas perfurações de poços comecem a se aprofundar e pegue, como a gente diz, na veia da água, e acabe com a água daqui de cima”, alerta Regina Coeli, presidente da Fundação de Educação e Defesa do Meio Ambiente do Jaguaribe (Femaje).

Joana de Sousa, que bem ou mal, consegue abastecer a casa, irrigar a plantação de subsistência de sua pequena propriedade e criar alguns animais, já começa a ter outras preocupações com a implantação do agronegócio na vizinhança. “Agora, além da água, com essas empresas que estão chegando, a gente fica com medo por causa do veneno, que vai se aproximando da gente”.

O que para Joana ainda é medo, para os apicultores de Tabuleiro do Norte já é um problema concreto. Nos últimos anos, a criação de abelhas para a produção de mel passou a ter destaque na região. Segundo levantamento feito pela Cáritas, em março de 2022, existiam mais de 100 agricultores/apicultores envolvidos diretamente no processo de produção, ocupando uma área de cerca de 400 hectares.

De acordo com o levantamento, em 2020, os apicultores do Tabuleiro do Norte produziram 47.138 quilos de mel, faturando R$ 565.656,00. Em 2021, a produção caiu para 25.520 quilos, com um faturamento de R$ 382.800,00. Uma redução de 45% na quantidade coletada e 32% no faturamento. “Nossa apicultura estava muito boa até que nós tivemos uns problemas devido à empresa”, conta Tiago Alison Maia Ferreira, apicultor com 34 anos e que cria abelhas desde que tinha 16. Tiago mora na comunidade de Sítio Ferreira e cuida de 225 colmeias que produziram em 2021 duas toneladas de mel.

Para Tiago, os maiores impactos ainda estão por vir. “Estamos só no começo. Se a empresa conseguir desmatar toda a área que eles estão comprando, acaba a apicultura. Acaba completamente”. A empresa a qual ele se refere é a Nova Agro e os problemas são as constantes aplicações de agrotóxicos. “No período da floração da soja eles fizeram a aplicação. As abelhas foram pastar no campo e morreram”, lembra.

Tiago não chegou a perder abelhas por conta do veneno, pelo menos por enquanto. Mas teve que mudar a dinâmica do seu negócio. “As minhas não chegaram a morrer, porque desde o ano passado, quando vi que a coisa ia complicar, comecei a tirar. Com a aplicação de agrotóxico nós tivemos que migrar com os enxames. Não podemos ficar com eles nas nossas áreas. Não posso mais criar no meu terreno que fica a menos de um quilômetro da empresa. Tive que alugar, pagar, para a colmeia ficar na terra de outras pessoas”.

Outros apicultores da região não tiveram a mesma sorte de Tiago e não conseguiram evitar a perda de abelhas. Um desses criadores foi seu próprio avô, Antônio Ferreira Maia, que morava a cinquenta metros do terreno onde havia produção de algodão. Em abril de 2022 ele perdeu dois enxames. A mortandade, segundo o neto, ocorreu no mesmo período em que a empresa pulverizou a área.

“Nós aqui temos uma certificação orgânica. Nosso mel era vendido como orgânico. Esse ano, com o afastamento dos apiários das áreas com aplicação de veneno , ainda vamos conseguir. Mas daqui um ano ou dois…. Se continuar essa devastação, a gente perde essa certificação”.

Tiago Ferreira

Apicultor

O veneno pulverizado nas plantações de soja e algodão não causaram problemas apenas para as abelhas de Antônio Ferreira. Aos 83 anos, ele teve que abandonar a casa onde morava há cerca de 40 anos na Lagoa do Zé Alves, que junto com Curral Velho, são as comunidades mais impactadas pela chegada do agronegócio. “Meu avô não aguentou ficar com o veneno não”, conta Tiago. “Para se ter uma ideia, o algodão é plantado a cerca de 50 metros da casa dele. Não deixaram borda. Plantaram até a cerca”.

Antônio Rodrigues Neto

Antônio Rodrigues Neto

Antônio se mudou, em fevereiro de 2022, para o Alto Mariana, trocando a zona rural por uma casa na periferia da área urbana de Tabuleiro do Norte. Como era de se esperar, ele não se adaptou à nova vida na cidade. “Ele vem aqui duas, três vezes na semana”. Segundo Tiago, o pai, a irmã e um tio ainda moram na Lagoa do Zé Alves, já quase totalmente abandonada. “Certa vez, quando os meninos passaram fazendo a aplicação, pulverização, meu tio ficou na porta de casa para ver. Estava ventando e os pelos do braço dele ficaram cheios de gotículas”. Os que ficaram, reclamam muito de dor de cabeça. Segundo eles, o cheiro de veneno é muito forte e incomoda por três, quatro dias.

Um caso emblemático contado por Tiago foi do casal, seu Júlio e dona Anna, que eram vizinhos da sua família lá na Lagoa do Zé Alves e que acabaram se mudando para Potiretama (CE). Por conta do cheiro do veneno, eles dormiam de máscara. O depoimento de Anna, por sinal, consta de um dossiê produzido pela Cáritas e um conjunto de organizações da sociedade civil denunciando o que vem acontecendo na região:

“Era bom lá, mas aí veio a firma, nós não ia sair não! Tinha noite que a gente dormia de máscara, por caso da catinga do veneno, aí quando eles passavam o trator, lá em casa não tinha quem aguentasse com tanta poeira, era na cozinha, na frente, tinha vez que eu fechava as portas, aí eu disse, não, vamos sair!”.

Luzanira Ferreira da Costa, que planta de tudo um pouco no quintal de sua casa na comunidade de Santo Antônio dos Alves, também está vendo sua vida mudar com a proximidade do agronegócio. “O veneno já tá chegando a uns 500 metros daqui”. Aos 47 anos, ela já teme pelo futuro. “Nós estamos ficando em um beco sem saída. Nós tínhamos o plano de nascer, viver e morrer aqui. Mas vamos morrer antes de veneno”.

O que vem acontecendo em Tabuleiro do Norte mostra como o agronegócio e a agricultura familiar são dois modelos de produção agrícola incompatíveis, que usam a terra e os recursos naturais de formas completamente diferentes.

Enquanto o modelo da produção agrícola familiar aposta em práticas ecológicas em pequenas áreas tocadas pelo núcleo familiar e baseada na diversidade de alimentos cultivados, o agronegócio ocupa grandes extensões de terra, apostando em monoculturas ecologicamente vulneráveis e que, por consequência, exige o uso de agrotóxicos em larga escala.

Quem acompanha o embate entre os dois modelos agrícolas na Chapada do Apodi na última década pode testemunhar a expansão contínua do agronegócio sobre as pequenas propriedades rurais. Crescimento impulsionado pelo apoio governamental e por toda uma infraestrutura montada com recursos públicos.

A chegada da Nova Agro a Tabuleiro do Norte foi tratada com euforia pelo poder público, tanto local como estadual, por conta do investimento, do impacto na arrecadação e geração de empregos. Impactos sociais e ambientais foram deixados de lado. O próprio governador do Ceará na época, Camilo Santana (PT), não só visitou a plantação de algodão como divulgou com entusiasmo em suas redes sociais.

Os números apresentados pela Nova Agro em 2022 são o combustível para a animação de quem defende o agronegócio. Ano passado, segundo Fernando Gurgel, diretor executivo da empresa, foram produzidas 1.631 toneladas de algodão. Para 2023, o plano é plantar uma área de 2.800 hectares, sendo 1.600 em sequeiro e 1.200 irrigados. Já a quantidade de empregos gerados não é tão grande, principalmente levando-se em conta o tamanho da área plantada. Foram 156 postos de trabalho em 2022. Atualmente são 99 empregados.

Nem os resultados positivos na produção e a geração de postos de trabalhos, argumento usado pelo poder público para justificar os benefícios concedidos ao agronegócio, animam os integrantes da rede de organizações que monitoram o impacto do agronegócio na região. Para Anjerliana Souza, que faz parte da coordenação colegiada da Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, os lucros das empresas não chegam para a comunidade.

Anjerliana faz uma comparação entre o modelo do agronegócio e o da agricultura familiar para mostrar como a segunda opção é mais benéfica para a população. “Na apicultura, por exemplo, os criadores da região, entre 2018 e 2021, faturaram R$ 1.406.477 com mel. Foi um dinheiro que circulou pela comunidade. Gerou renda. Com as grandes fazendas não sei quanto é que fica para o município”.

Quanto aos empregos, Anjerliana fala da precariedade das relações de trabalho, mostrando uma realidade bastante diferente da que é apresentada no marketing promovido pelo agronegócio. Ela também chama atenção para o fato de que a produção do algodão e da soja, no caso da Nova Agro, é mecanizada, abrindo bem menos vagas do que o da fruticultura irrigada. “Além disso, eles precisam de alguém com especialização para operar o maquinário. Não tem praticamente ninguém das comunidades contratado”.

Convivência

Ao longo do tempo, a população rural de Tabuleiro do Norte conseguiu desenvolver técnicas para viver de forma harmônica com a região e suas especificidades ambientais. Agora, essas tecnologias de convivência com o semiárido estão ameaçadas pelo modo de produção do agronegócio, que cada vez mais sufoca experiências como CSA (Comunidades que Sustentam a Agricultura), quintais produtivos, sistemas de bioágua familiar, criação de abelhas, hipotonia, entre outras.

Maria das Graças tem 45 anos e mora no Sítio Santo Estevão desde os 10 anos de idade. Com o passar dos anos e o conhecimento acumulado e aperfeiçoado por gerações de famílias agricultoras, ela foi aprendendo a conviver da melhor forma possível com o clima e o solo da Chapada do Apodi. Na lógica de trabalhar com o que a natureza oferece, aproveitando e reaproveitando tudo que pode, Maria das Graças mantém produtivo o quintal de casa.

Como os recursos não são fartos, ela aprendeu que precisa trabalhar tudo de forma integrada. “Eu tenho aqui em casa a cisterna calçadão, que apara a água no inverno e no verão eu fico aguando minhas hortaliças com a água acumulada”. Além disso, a família desenvolveu um sistema de bioágua, que reaproveita a água utilizada na casa e mantém uma horta auto irrigável.

São cerca de 50 famílias no Sítio Santo Estevão que dividem há décadas esse modo de vida. “A gente partilha com os vizinhos o que produz”. A parceria entre as famílias evoluiu e, com o apoio da Cáritas, nasceu o CSA (Comunidades que Sustentam a Agricultura), uma estratégia que busca potencializar a produção agroecológica e a geração de renda. Maria das Graças está diretamente envolvida com a primeira experiência da CSA no Vale do Jaguaribe.

“Antes da pandemia, em 2018, nós tínhamos esses produtos mais sazonais, como a ata [o mesmo que pinha], a cajarana, que se perdiam. Era muito desperdício. Aí nós agricultores nos reunimos para participar de umas feiras em Santo Antônio do Altos. Daí, depois, veio a ideia das meninas da Cáritas de nós fazermos essas cestas para oferecer para as pessoas da cidade, já que para eles era mais difícil subir a serra para vir comprar na feira. Aí eles passaram a pagar uma taxa e a gente descia para a gente levar as cestas com os produtos da comunidade na casa deles”, explica Joana.

Segundo Maria das Graças, 12 famílias do Sítio Santo Estevão participam do CSA. “Tem funcionado, evitado o desperdício. Uma vizinha aqui vendeu mais de 200 quilos de cajarana, que antes a gente deixava para os bichos. Já aumentou a renda dela”. Cada um coloca o que produz. “Eu coloco na cesta coco verde e verduras, rúcula, cebolinha, coentro. São produtos sem agrotóxicos. A gente não usa de jeito nenhum”.

Joana de Sousa também participa de um CSA na Baixa do Juazeiro. Ela coloca nas cestas o excedente do que brota em sua pequena propriedade. Lá, ela também usa a lógica de uma produção integrada, sustentada em diversas tecnologias de convivência com a terra. Mas o orgulho dela é o projeto de horta auto irrigável, que começou com ela durante a pandemia, quando seu filho pegou o modelo na internet. “Tá dando certo”. Em 2021, o projeto começou a ser replicado, adaptado e melhorado através da Cáritas.

Joana diz que os quintais produtivos são um grande incentivo para a comunidade produzir o alimento saudável. “E, quando sobra, a gente bota pra feira (através do CSA) o cheiro verde, o colorau que faço aqui em casa, o molho de pimenta que eu faço também”.

Daniel de Souza, que ensina na Escola Família Agrícola Jaguaribana Zé Maria do Tomé, que funciona no Parque Ecológico dos Currais, está preocupado com o que está acontecendo em Tabuleiro do Norte. “Ficamos preocupados quando começamos a ser cercados pelo agronegócio, com seus pacotes tecnológicos: monocultura, transgênicos, uso abusivo de venenos. E aqui no território sabemos de vários problemas de quando essas firmas chegam. Principalmente ali na região de Limoeiro, Quixeré. A gente escuta muito esses relatos.”

A firma

Desde 2020, quando se instalou em Tabuleiro, a Nova Agro passou a ter centralidade na vida das pessoas que moram no município. Embora seja tema recorrente nas rodas de conversas, o seu nome praticamente não é falado. Como uma entidade onipresente, todos se referem a ela como “a firma” ou “a empresa”.

Quando questionados sobre a qual empresa se referem, quase todos têm convicção de que a proprietária das terras é a cearense Santana Textiles, uma das maiores empresas têxteis da América Latina. A relação da Nova Agro com a Santana aparece até em algumas matérias de jornais e em vários dossiês preparados por entidades da sociedade civil organizada.

A questão é que no quadro societário da empresa não aparece nenhum vínculo entre as duas empresas. A Nova Agro tem como sócios Francisco Roberto Leandro Silva, Valdemar Loureiro Rocha Filho e a Nova Fiação Indústria Têxtil, que por sua vez tem como sócios, além de Valdemar Filho, Karla Gizely Lima Juca. Já a Santana Textiles apresenta em seu quadro societário Raimundo Delfino Neto Filho, Verônica Maria Rocha Perdigão e Mariana Rocha Silva Araújo.

A reportagem entrou em contato com a Nova Agro mas, até a publicação da reportagem, ainda não havia obtido resposta para a maioria das perguntas.