No entanto, há outro conjunto de disciplinas que também têm o Homem como foco, mas seguem o modelo científico clássico, ou seja, um conjunto de técnicas que associam a lógica à Ciência: são as Ciências Sociais, como a Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política; e as Ciências Sociais Aplicadas, como a Psicologia, a Arqueologia, a Geografia, a História, a Comunicação Social, o Direito, a Administração, a Linguística, o Serviço Social, a Economia e as Ciências Contábeis. No portal do CNPq, existe uma “Árvore do Conhecimento” que divide todos os cursos em áreas, como se fossem ramos de uma árvore: Ciências Agrárias, Ciências Biológicas, Ciências da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, Engenharias, Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas e Linguística, Letras e Artes. Convencionou-se que esses três últimos ramos são chamados genericamente de “ciências humanas” e assim vamos fazer nesta reportagem. Vamos colocar “no mesmo balaio” todo mundo que é vítima de chacota e de desprezo nas Universidades, das rodas de amigos e dos círculos familiares, para tentar entender porque isso acontece.
Nós, jornalistas, costumamos ter aulas em um prédio perto do pessoal da Filosofia, da História, da Antropologia, e que geralmente exala um cheiro agradável de plantas como erva … cidreira, capim-limão ou lavanda. Somos acadêmicos muito cheirosos. Nossos cursos tem vários professores emprestados da Sociologia, das Letras, do Direito, da Ciência Política – a gente é um X-Tudão de Humanas, ou melhor, um cachorro-quente paulista com purê de batata e prensado. Temos maturidade para assumir: somos, no mínimo, curiosos. É verdade. Como não estranhar alguém que estuda o cu nas artes visuais? E o que dizer de uma área de trata Valesca Popozuda como grande pensadora contemporânea? Nesse caso específico, o correto seria estranhar quem não acha. Aliás, o sensor de piriguete da Valesca que explodiu só pode ter sido um experimento mal sucedido do pessoal de Exatas. A nós, de Humanas, interessa muito mais analisar de que maneira um beijinho no ombro auxilia o recalque a passar longe, e porque você deve pegar a sua inveja e também ir para um local distante.
Mas é compreensível, as pessoas tendem a ser muito mais solidárias com quem estuda fungo em dedo do pé ou os sensores das antenas de barata do que com quem estuda a funcionalidade da tensão no sotaque carioca. Até porque a única funcionalidade do sotaque carioca é irritar as pessoas que não são cariocas com o excesso de chiado em todas palavras que têm o fonema “s”, como “ixxxqueiro” e “ixxxcola”.
Deve ser por isso que nós somos ignorados até pelos nossos pares: um levantamento feito este ano para analisar o perfil do cientista brasileiro em início de carreira sequer aventou a hipótese de considerar os pesquisadores de Humanas. Mas, sem ressentimentos, os de verdade a gente sabe quem são. Pesquisadores brasileiros já ganharam algumas vezes o prêmio Ig Nobel, concedido pela Universidade de Harvard para pesquisas consideradas bizarras. Entre as pesquisas vencedoras que trouxeram o caneco para o nosso país já estiveram um Dicionário de fobias, uma que demonstrava que os tatus podem modificar resultados de estudos arqueológicos e, mais recentemente, uma sobre a relação entre desigualdade social de vários países e a quantidade média de beijos na boca, que chegou à conclusão de que casais em países com maior desigualdade de renda tendem a se beijarem mais.
Marco Antônio Varella. Foto: Arquivo Pessoal
“Foi uma surpresa e uma honra ter nossa pesquisa intercultural sobre as funções do beijar, que foi publicada no Scientific Reports da Nature, nomeada no Ig Nobel de 2020. Foram 9 autores, coletando dados em 13 países de quase 3 mil participantes. Descobrimos que beijar na boca é mais importante em relacionamentos estabelecidos do que no começo do relacionamento, e que nos lugares com maior desigualdade de renda as pessoas se beijam mais”, explicou Marco Antônio Varella, phD em Psicologia Experimental na USP.
Não adianta nos ignorar.
Nós somos muitos. Na verdade, somos a maioria: de acordo com o Censo Escolar da Educação Superior de 2020, dentro os 41.953 cursos e graduação existentes do país, 22.486 são das áreas de Humanas, ou seja, 53,7%. E temos a maioria de estudantes mulheres: nos cursos de Humanas que têm maior procura, a maioria dos ingressantes se identifica como mulher. No curso de Direito, por exemplo, são 55,6 mulheres. No curso de Serviço Social, 89,7%. Em Psicologia, são 79,6%. E o campeão de todos é o curso de Pedagogia, no qual 92% das alunas são do sexo feminino.
Quando a gente se debruça sobre os dados é que percebe a força e a abrangência dos cursos de Humanas no Brasil. Lá na Árvore do Conhecimento do CNPq, se você abrir a aba “Ciências Humanas” vai ver quase 150 disciplinas específicas às quais nos dedicamos, áreas absolutamente fundamentais para todos os outros ramos do conhecimento – e que muita gente não vê a relação por desconhecimento ou estigma – como a Metafísica, a Sociologia Rural, a Arqueologia Pré-Histórica, a História Medieval, a Demografia, o Comportamento Animal, a Psicobiologia, a Educação Pré-Escolar, a Política Externa do Brasil ou o Comportamento Legislativo. Sim, quem analisa o comportamento dos políticos é exatamente o povo cirandeiro de Humanas.
De acordo com o Censo Escolar da Educação Superior de 2020, dentro os 41.953 cursos e graduação existentes do país, 22.486 são das áreas de Humanas, ou seja, 53,7%