A tragédia

Até aqui já entendemos que as piadas sobre ser de Humanas podem ser realmente engraçadas. O problema é que essa zoeira com naturaliza a ideia de que de fato esta é uma área menor, menos útil dentro das ciências. Sabe aquele ditado “uma mentira contada mil vezes acaba virando verdade”? Nesse caso, uma zoeira repetida tantas vezes também vira verdade. No fundo, as pessoas ficariam bem mais felizes se seus filhos preferissem Robótica a Sociologia… Engenharia a Letras… Medicina a Filosofia.

Os cortes

Esse risco é tão real que as Ciências Humanas têm sido enfraquecidas por quem deveria fortalecê-las. Desde 2017, os investimentos públicos em educação vem caindo paulatinamente – sufocados, em parte, pela regra do Teto de Gastos, que limita as despesas pela variação da inflação do ano anterior. Apesar desse corte nas Humanas ter acontecido no governo Temer, que muita gente desconfia não ser humano, também não houve nenhum investimento da parte dele nas Ciências Vampíricas.

Mas o que começou a acontecer no governo Bolsonaro não tem precedentes na história da nossa gestão pública. Não só pelos cortes, mas pelo desmonte como um todo. Uma sangria desatada na pesquisa científica brasileira e em diversos órgãos do Ministério da Educação, com aparelhamento, exonerações e desligamentos em massa. Foram quatro anos, cinco ministros e um dos maiores escândalos de corrupção do governo – o que terminou com o então ministro da Educação, Milton Ribeiro, preso pela Polícia Federal, acusado de corrupção passiva, prevaricação e tráfico de influência. Como se não bastasse, a um mês do fim desse governo, Bolsonaro ainda raspou o que havia de recursos disponíveis das universidades, cerca de 366 milhões de reais. O caixa das instituições foi zerado.

“Seja com ameaças à pesquisa e à ciência, seja com cortes de recursos, há um projeto político para enfraquecimento dessas instituições, tentando descredenciá-las como vozes importantes em vários setores da vida, tais como a crise sanitária, que demonstrou o quanto é relevante para um país ter instituições como o Instituto Butantã e a Fiocruz, que abasteceram o país com parte das vacinas ofertadas à população”, assegurou o relatório do Inesc, no início de 2022, ao concluir que temos o menor investimento em ensino superior dos últimos dez anos.

“Os cortes são muito dramáticos. Eles são muito explícitos. Chegaram a dois terços do orçamento, voltamos a um patamar de orçamento de décadas atrás. E o problema não é só corte, uma universidade ter que parar por falta de pagamento de luz, de água, era também uma ameaça às instituições, uma ameaça à qualquer possibilidade de se ter uma produção científica”, argumentou a professora da UFRJ Lígia Bahia.

Os “dois terços” que ela cita não são um exagero, muito menos uma conta mal feita por alguém de humanas: dados da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) mostram que o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), que vinha caindo desde 2016, diminuiu ainda mais nos últimos três anos. Passou da ordem de 9 bilhões de reais em 2018 para menos de 3 bilhões de reais em 2021. É neste orçamento que estão incluídas as duas principais agências de fomento à pesquisa do país, Capes e CNPq, que se dependessem desse governo já teriam ido pra PqP.

GASTO COM EDUCAÇÃO

Despesas efetivadas, incluindo restos a pagar, corrigidas pela inflação (em R$ bilhões)

Fonte: Inesc, com base em dados do portal Siga Brasil

DESPESA COM EDUCAÇÃO SUPERIOR

Gastos efetivados, incluindo restos a pagar, corrigidos pela inflação (em R$ bilhões)

Fonte: Inesc, com base em dados oficiais

Orçamento da Subfunção Ensino Superior

Valores em bilhões de reais constantes, corrigidos pelo IPCA de dezembro de 2021

Fonte: Siga Brasil. Dados extraídos em 4 de fevereiro de 2022 Elaboração: Inesc

Fundos de apoio à pesquisa

Valores em bilhões de reais

Recursos para capes+CNPq+FNDCT. Fonte: IPEA

2017

Gastos com Educação despencam de 144,7 bilhões / ano para 130 bilhões

2018

Gastos com Educação despencam de 130 bilhões para 126,6 bilhões/ Bolsonaro em campanha avisa que vai cortar investimentos em Ciências Humanas/ Bolsonaro é eleito

2019

Gastos com Educação despencam de 126,6 bilhões para 118,5 bilhões/ Em abril, Bolsonaro anuncia que vai sangrar as Ciências Humanas/ Protestos #15M se espalham por todo o país/ O primeiro ministro de Educação de Bolsonaro, Ricardo Velez Rodrigues, cai com 3 meses de posse

2020

Inep, responsável pelo Enem, perde quase 50% dos seus recursos/ Abraham Weintraub, segundo ministro de Educação de Bolsonaro, cai pouco mais de um ano depois de assumir a pasta/ MInistério fica quase 1 mês totalmente às cegas, sem ministro, depois da saída de Carlos Decotelli, nomeado interino

2021

Orçamento do Ministério de Ciência e Tecnologia, responsável pela área de inovação e pesquisas cai cerca de 2/3. Dos 9 bilhões que tinha em 2018 caem para menos de 3 bilhões

2022

Em maio, Bolsonaro anuncia mais cortes na Educacão: cerca de 3,2 bilhões das verbas discricionárias/ Em junho, o quarto ministro de Educação de Bolsonaro, Milton Ribeiro, é preso pela PF acusado de corrupcão/ Bolsonaro nomeia o seu quinto ministro de Educação, Victor Godoy Veiga/ Em novembro, Bolsonaro congela o que restava dos orçamentos das universidades federais: 366 milhões de reais. Os caixas das instituições ficam zerados.

2023

Com o orçamento ainda menor do que em 2022, a pasta da Ciência e Tecnologia é uma das mais sacrificadas, com perdas de 30%

Entre 2019 e 2022, foi uma sequência de anúncios de corte em todos os órgãos do Ministério da Educação. Como mostrou o Painel do Financiamento do SoU_Ciência, ferramenta publicada recentemente pela Unifesp com o objetivo de esclarecer o desmonte de investimentos em Educação, só o Inep, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, responsável pela execução do Enem, perdeu mais de 50% da sua verba nos últimos anos – é isso que acontece quando se deixa o Inep na mão de um monte de Ineptos.

Em maio deste ano, quando o MEC anunciou mais um corte dramático nos seus recursos, ceifando mais 3,2 bilhões na verba discricionária* das universidades e institutos federais, as universidades ameaçaram fechar e estudantes voltaram às ruas.

* Verbas discricionárias são aquelas que incluem despesas com o funcionamento da instituição, as contas de água, luz e gás, eventuais obras, contratação de serviços terceirizados de limpeza e segurança, manutenção e assistência estudantil

Foto: Marco Zero Conteúdo

Depois de sofrer muita pressão, o governo voltou atrás e alegou que o corte seria de “apenas” 1,6 bilhão. A justificativa para mais um corte? O reajuste dos salários de todo o funcionalismo público federal – justamente em ano de eleições presidenciais. E agora, em novembro, o último corte, que zerou todo o caixa das universidades, como citamos acima. É facada atrás de facada, ministro atrás de ministro, tragédia atrás de tragédia.

Em Pernambuco

Nesta terça-feira (6), a Marco Zero apurou que as federais do Estado estão sem verbas para pagar bolsas e auxílios para estudantes. Em nota, a Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE) afirmou que os pagamentos deveriam ser feitos no início de dezembro, mas estão sem data por conta do corte do governo federal.

A UFRPE e a UFPE também não vão fazer os pagamentos aos estudantes devido, exclusivamente, ao bloqueio. Essa é a primeira vez que o governo impede a execução de recursos do Custeio e do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). O bloqueio atinge também outras bolsas, como as de tutoria, monitoria e de iniciação acadêmica. Os pagamentos seguem sem previsão até que haja o desbloqueio das verbas pelo governo federal.

Em nota, a UFRPE também informou que sofreu cortes da ordem de 50% nos últimos 4 anos. E que o MEC informou que não enviará financeiro no mês de dezembro. Na UFPE, cerca de 4 mil alunos serão afetados. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) afirmou que está atuando para que o governo federal desbloqueie os recursos financeiros das universidades.

As previsões para 2023 são ainda mais trágicas: o orçamento será ainda menor. De acordo com o cálculo feito pelo Congresso em Foco, do orçamento total previsto para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), no valor de 12,5 bilhões de reais, serão descontados cerca de 5,3 bilhões – referentes à reserva de contingência, além de despesas obrigatórias, juros, encargos e amortização de dívidas. Na prática, o valor disponível para a pasta é de 7,2 bilhões, cerca de 30% a menos que o de 2022, que foi de 10,2 bilhões de reais. “É menos da metade do que está reservado para o chamado orçamento secreto, que soma R$ 19 bilhões”, comparou o levantamento.

“O bolsista
é o aluno pobre”

As consequências são uma tragédia. As matrículas diminuíram, os professores que se aposentaram não puderam ser substituídos, a compra de equipamentos foi interrompida, a manutenção dos espaços de estudo foi impedida, incluindo o pagamento de água, luz, limpeza e segurança; projetos de pesquisa foram interrompidos e bolsas de iniciação científica e pós-graduação – que já estão sem aumento há quase 10 anos – foram cortadas. A situação das bolsas no Brasil está mais feia que a das bolsas encardidas das coleções da Balenciaga.

Diretora do Centro de Artes, Humanidades e Letras da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, a socióloga Dyane Brito detalha como a pior consequência dos cortes é para os bolsistas. A UFRB tem 85% dos seus 11 mil alunos de graduação em situação de vulnerabilidade social, e estão aptos a receber bolsas – depois da série de cortes do governo federal, apenas 2 mil deles mantiveram o benefício de R$ 400 mensais.

“A gente não tem condição de dar mais bolsas, e isso afeta diretamente o próprio mercado de trabalho: são menos estudantes inseridos na iniciação científica, menos pesquisadores lá na frente”, detalha Dyane, que teve de reduzir os quatro bolsistas do seu projeto de pesquisa para apenas um. “O bolsista é o aluno pobre. A gente não pode se enganar e achar que a bolsa é paga para o aluno só estudar. A bolsa é o que ele come, o dinheiro que ele ajuda a família. Cortar bolsa é cortar aluno da sala de aula. O estudante diz ‘vou ter que trabalhar fora, vou ter que pegar menos disciplinas, vou trancar o curso’. As universidades estão tendo de sobreviver à custa de emendas parlamentares para conseguir pintar parede, pagar conta de água, tem sido impossível manter uma universidade funcionando com tantos cortes”.

Foto aérea da UFRB. Foto: Divulgação/UFRB

Foto: Observatório do Conhecimento / Divulgação

Outra instituição que perde alunos junto com a perda de bolsas é a Universidade Federal do Oeste da Bahia (Ufob), que não tem campus definitivo desde sua criação, em 2013: com pelo menos 80% dos cerca de 5 mil matriculados dependendo do auxílio para sobreviver, o reitor se viu obrigado a reduzir o valor de R$ 400 para R$ 250 para não cortar os beneficiários – metade dos alunos têm renda familiar abaixo de 1,5 salário mínimo e 30% abaixo de meio salário mínimo. Com isso, o sonho de construir o próprio campus vai ficando cada vez mais distante, enquanto os contratos com a equipe de vigilância são interrompidos.

Os reitores é que devem decidir, a cada mês, as contas que serão pagas e as que serão acumuladas. Depois do corte de maio de 2022 – e que reduziu seu orçamento em 7,2% – o reitor da Universidade Federal do ABC, Dácio Matheus resume: “Não adianta termos professores e alunos dentro da universidade e não termos a luz, a água, a vigilância, a limpeza. Por outro lado, não adianta eu pagar todas essas despesas se eu não tiver os estudantes com suas bolsas e as devidas condições de permanência na universidade”.

Segundo levantamento do jornal O Globo, a Universidade Federal de Lavras demitiu 148 dos seus 600 funcionários que atuavam na limpeza, manutenção e segurança, cerca de 25% do quadro. “A Universidade Federal de Sergipe proibiu o uso de ar-condicionado em todo o campus. A Universidade de Brasília cortou até em livros. A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro estuda diminuir o uso de recursos do portal de internet. (…) A Universidade Federal de Alagoas (Ufal) ainda sofre com estragos de uma tempestade que atingiu Maceió em maio. Mas não há dinheiro para o conserto de telhados, infiltrações, paredes mofadas e salas interditadas”, detalha a reportagem.

 

Foto aérea da UFRB. Foto: Divulgação/UFRB

UFRB. Foto: UFRB / Divulgação

Só a UFRJ, considerada a universidade mais inovadora do Brasil, com 45 bibliotecas, 15 museus, 1200 laboratórios e 1 parque tecnológico, teve corte de investimentos total, ao longo do governo Bolsonaro, de 41%. Isso significa que estão em risco projetos em andamento, como os de desenvolvimento de células tronco, de drenagem urbana de enchentes, de internet de altíssima velocidade, de realidade aumentada, de enxertos ósseos, de comunicação de submarinos.

“Os cortes colocam em risco o futuro das próximas gerações. Essas ações vão ter impacto para nossos filhos e netos”, disse a reitora da UFRJ, Denise Guedes, quando a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Fau) e Escola de Belas Artes (EBA) da instituição suspendeu as aulas, em 14 de setembro, por não conseguir pagar os contratos de limpeza e manutenção de elevadores.

Escola de Belas Artes da UFRJ

Escola de Belas Artes da UFRJ. Foto: EBA / Divulgação

As consequências
para as Humanas

Em meio a tanto desprezo pelo Ensino Superior, a tensão sobre a área de Humanas foi ainda maior. Depois de desmoralizar os cursos em falas públicas, o que sua equipe já anunciava que faria ainda em 2018, em campanha, o governo federal começou a desmontá-la de diversas formas para além dos cortes. Em março de 2020, uma portaria do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação definiu as prioridades para subsidiar projetos de pesquisa daquele ano até 2023. O ministério determinava que as agências de fomento estabelecessem como prioritários projetos de tecnologia espacial, nuclear, cibernética, de segurança pública e de fronteira, inteligência artificial, internet, biotecnologia, nanotecnologia, indústria, agronegócio, comunicações, infraestrutura, serviços e tecnologias para o desenvolvimento sustentável. O objetivo era aumentar a “competitividade” e a “produtividade” nos setores “voltados diretamente à produção de riquezas para o país”. Nenhuma palavra sobre os cursos dos quais trata esta reportagem. Afinal, para o governo federal, Filosofia, Antropologia, Letras, Artes e Sociologia não produzem qualquer riqueza.

“Não é uma questão de competição ou de vitimização, ‘ah, quem é mais prejudicado?’. Todos são afetados. Mas sem dúvidas as Humanas e as Ciências Sociais foram as mais prejudicadas nos últimos anos, porque as outras áreas ainda podem conseguir alguns financiamentos externos, privados ou internacionais. As Humanas não”, atesta Lígia Bahia.

“À medida em que você não ecoa determinadas diretrizes que o governo federal propõe, o início da perseguição é automático. Não é uma perseguição aberta, mas começam as reduções, os cortes, os contingenciamentos. A gente percebeu muito esse modo de atuar no primeiro ano de governo: o contingenciamento era o que ele fazia para dar uma resposta a quem criticava seu governo. Sem contar os gastos que são desviados da Educação, haja vista o que fez o último ministro de Educação”, lembrou o diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, Paulo Martins, em debate organizado pelo Le Monde Diplomatique Brasil.

E quem tende a criticar mais os governos são, naturalmente, as disciplinas do pensamento e das ciências políticas. “Quando a gente fala no ataque às universidades, é preciso lembrar que o primeiro front que ele assumiu foi atacar as humanidades. É um ataque ideológico. Imaginar que um curso de Filosofia não vai estudar Marx? É ridículo. Isso seria ceifar parte do conhecimento. É claro que existem professores mais à esquerda e outros mais à direita. A composição dessa diversidade não pode ser perseguida. O governo não se conforma que as pessoas sejam diversas, que tenham diversas maneiras de pensar. É esse conflito de ideias que faz com que a sociedade se desenvolva”, complementou Paulo.

Em abril, maio e junho deste ano, estudantes da Universidade Federal da Grande Dourados ocuparam a reitoria em protesto contra o fechamento dos cursos da Faculdade Intercultural Indígena, ameaçados por falta de orçamento. São cursos que formam professores indígenas e operam em regime de pedagogia de alternância: os alunos ficam quinze dias presencialmente na universidade tendo aulas teóricas e quinze dias em campo, em suas comunidades de origem, exercendo o que aprenderam na prática. Durante o período que estão na UFGD, precisam de alojamento, transporte e alimentação. O fim dos cursos pode desamparar comunidades inteiras, especialmente crianças e adolescentes, que dependem dos educadores com formação específica.

O desinteresse nas Ciências Humanas ficou ainda mais preocupante quando, em junho deste ano, a Unisinos – universidade comunitária, mas que recebe repasses do governo para compensar o ingresso de bolsistas – decidiu fechar 12 cursos de pós-graduacão, provocando pavor na comunidade acadêmica. Enquanto encerrava programas renomados como o de Comunicação e o de História, a instituição abria um curso de pós-graduação em Engenharia de Produção e Sistemas Taurus. É exatamente isso que você leu: um curso de inovação tecnológica financiado pela indústria que é mais conhecida por suas armas que falham e disparam sozinhas, e que, infelizmente tem tudo pra ser um tiro no pé.

Escola de Belas Artes da UFRJ

Foto: Iara Cardoso / Sintef/UFGD

Cortes de bolsas, cursos fechados, fuga de cérebros

Além dos cortes de bolsas e fim dos cursos, as Ciências Humanas e as Sociais sofrem ainda com a chamada “fuga de cérebros”, fenômeno bastante conhecido na família Bolsonaro, mas que nesse caso significa a migração de pesquisadores para o exterior em buscas de melhores formas de financiamento e oportunidades de trabalho.

Há ainda outro problema grave que atinge pesquisadores que trabalham com temas corriqueiros nas Humanas, como gênero, história ou política: o aumento da censura, perseguição e ataques. De acordo com um levantamento feito pelo Observatório do Conhecimento [leia mais sobre a entidade no link A Balbúrdia desta reportagem], 34% dos pesquisadores já limitaram seus trabalhos com receio de retaliações e 46% conhecem pessoas que sofreram limitações ou interferências indevidas em suas pesquisas ou aulas. A organização Scholars at Risk garante que o Brasil tem hoje o segundo índice mais baixo de garantia da liberdade acadêmica na América do Sul. Este índice é composto por indicadores de liberdade dos cientistas desenvolverem suas agendas de pesquisa, a divulgação e o debate dos resultados, as condições de autonomia universitária, a garantia de diversidade de manifestações culturais e a indevida ocorrência de vigilância política nos campi.

 

Carlos recebeu uma notificação extrajudicial com 14 páginas, afirmando que a produtora havia sido vítima de difamação por parte do professor, e que ele seria levado à Justiça caso não se retratasse em sete dias. Notória divulgadora de teses anticientíficas e negacionistas, a produtora foi denunciada pelo pesquisador em suas redes, recebendo apoio de diversas entidades ligadas ao ensino de História. Com a denúncia pública das ameaças, a produtora recuou dos ataques.

Com a nomeação de interventores indicados diretamente pelo governo federal em mais de 20 universidades, sem respeitar a prática da lista tríplice – a escolha dos reitores nas universidades historicamente é definida a partir de uma lista com três nomes democraticamente indicados pela comunidade acadêmica, o que afasta a possibilidade de aparelhamento – também aumentou a insegurança de pesquisadores que questionam ideologicamente a presidência da República.

“O governo vem tomando atitudes na linha de uma polícia do pensamento. Tem algo que, de certo modo, é mais virulento que na ditadura: uma tentativa de direcionar as linhas de pesquisa, definir o que deve ou não ser pesquisado numa universidade. Isso não existe em nenhum lugar do mundo. O grau de pressão é inédito para minha geração”, escreveu em um artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo a ex-presidente do Cebrap, a socióloga Angela Alonso.

Ainda assim, as universidades federais trabalharam incessantemente durante a crise sanitária provocada pela pandemia de Covid-19, que coincidiu com a pior crise da Educação na história recente do Brasil. O painel “Universidades em defesa da vida: atuação das universidades federais na pandemia da Covid-19”, da Unifesp, mostra um quadro completo das ações desenvolvidas por todas as universidades brasileiras.

O professor Carlos Zacarias conta ao canal Roteirices os detalhes da perseguição que sofreu.

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