Cientistas ouvidos para a reportagem deixam suas sugestões:
O que o governo federal deveria fazer para recuperar o prestígio da área das Ciências Humanas a partir de 2023?
“Pensar meios inteligentes de fazer perguntas de forma a criar nas pessoas um interesse real em Ciência, não só presumir que o cidadão já está interessado neste debate. O que uma pessoa quer dizer quando diz que não confia na vacina? As pessoas não querem mais simplesmente acreditar no que é dito, ou no que a mídia diz, querem pensar por si próprias. Nós estamos preparados para compartilhar esse conhecimento com todos? A Psicologia Social, por exemplo, já possui metodologias pra esse tipo de consulta. Mas penso também em historiadores, cientistas sociais, e outros pesquisadores que ajudassem a mediar essa conversa, a traduzir um pouco o debate científico. Quando uma pessoa diz que não confia na vacina, isso pode ser lido como uma decepção, mas também como uma promessa, como uma expectativa de uma imagem da ciência que ela não tem – por isso precisamos de um grupo grande interdisciplinar para dar conta da reconstrução dessa imagem. A História da Filosofia nos mostra: a filosofia nasce na cidade, na tentativa do Platão de organizar a polis e determinar quem são as pessoas que podem falar. Ao resto, cabe obedecer. Olha como isso é político: a divisão da maneira boa e ruim de pensar, uma certa preguiça política com a massa, ninguém quer lidar com a turba falante. Será que essa é a melhor forma de se organizar daqui pra frente? Como o Latour fala, “os cientistas são como os cosmólogos ou os metafísicos, o trabalho não é descobrir a natureza, natureza e mundo são marcos temporais, a natureza é o que já está aí, o mundo é o que vem. Então o trabalho do cientista é nos preparar para aquilo que vem”. E a pandemia já nos deu algumas pistas sobre como nós precisamos refundar nossa relação com o conhecimento”.
Alyne Costa, professora de Filosofia da Puc/Rio, pós-doutoranda no Museu Nacional/UFRJ e pesquisadora do laboratório Filosofias do tempo do agora (UFRJ)
Lígia Bahia, médica e professora da UFRJ, tem mestrado e doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, com ênfase em Políticas de Saúde e Planejamento
“A gente precisa de um ministro da Educação que saiba que na realidade são as Ciências Sociais e Humanas as mais relevantes da produção científica brasileira. É claro que toda produção científica é importante, mas onde nós nos destacamos hoje é nas Sociais e Humanas, isso é um fato. Eu gostaria muito de ter um ministro que soubesse disso, um ministro que conhecesse o Conhecimento. Toda essa vinculação do conhecimento com tecnologia, a exemplo do Future-se, é uma coisa que joga a gente pra trás, porque impede que floresça isso que nós já somos: um país que é capaz de pensar políticas públicas, que é capaz de pensar a sociedade e compreender a identidade brasileira como um todo”.
“Acolher os estudantes pobres nos primeiros anos de curso, porque se ele entra e não é acolhido pela universidade, vai sair. Acolher com bolsa, com alojamento, com estágio, estímulo. Eu bato muito nessa tecla: o estudante muitas vezes não acredita que ele pode fazer aquele curso. Ele entra e ainda fica: “Será que eu dou conta de ficar aqui?”. Então as políticas de permanência simbólica precisam estar garantidas. Não é sem motivo que a gente vê uma política de desintegração desses cursos: os cursos de Humanas são também do pensar, do elaborar situação social, econômica, são cursos que vão interpretar a realidade social.”
Maria Paula Prates, professora de Antropologia Social na UFRGS.
“A primeira coisa é voltar ao padrão de investimento de antes do governo Bolsonaro e investir ainda mais. Não tem como fazer ações e pesquisas que não tenham no corpo da equipe um cientista social, é um aspecto que as ciências da vida, ciências da saúde não dão conta. Existem equipes de trabalho na Inglaterra que não são aprovadas se não houver um cientista social no grupo. Um exemplo clássico são as epidemias de ebola em que os antropólogos foram fundamentais, assim como na tuberculose, na HIV. O Brasil sempre foi um grande exemplo no combate ao HIV no mundo. Nos estudos da década de 90 os antropólogos já tinham apontado toda a complexidade paralela à criação de uma vacina que eram todas as ações para convencer as pessoas a usar a camisinha, de evitar o contágio, de fazer sexo protegido. Em alguns contextos as respostas eram negativas, pois as pessoas não acreditavam que as chances de contágio eram maiores do que a própria expectativa de vida que elas tinham. Essas são questões que sociólogos e antropólogos ajudam a tematizar e pensar junto. Não adianta criar cartilhas pra pessoa tomar vacina se você não está entendendo porque as pessoas não querem tomar vacinas. Quais são as lógicas de mundo que estão ali, o que faz sentido pra essas pessoas, e antropólogos são muito mais treinados pra essa investigação. Por isso o governo federal deve assegurar a legitimidade de trabalho desses profissionais”.
Henry Acselrad é professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).
“Proteger a liberdade acadêmica como parte integrante das liberdades públicas fundamentais. Para se combater as forças do obscurantismo, é preciso proteger e defender os pesquisadores e pesquisadoras ameaçados e assegurar o exercício da liberdade de pesquisa, ensino e divulgação do pensamento, da arte e do saber”.