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50 anos da morte de Padre Henrique e a lição de contar histórias para não esquecê-las

Débora Britto / 27/05/2019

O ano era 1969. Neste mesmo dia 27 de maio, há 50 anos, Padre Antônio Henrique Pereira Neto era encontrado morto em um terreno baldio no bairro da Cidade Universitária, zona oeste do Recife. Sequestrado, torturado e assassinado na noite de 26 de maio, foi encontrado com o rosto desfigurado, mãos amarradas, ferimentos brutais que indicavam requintes de crueldade e tortura. Uma imagem que passava um recado para aqueles que o enxergavam como ponto de resistência às práticas do regime militar – Padre Henrique, como era conhecido, era auxiliar do Arcebispo Dom Helder Câmara e desenvolvia um trabalho com grupos de jovens. Eles deveriam recuar.

Em 2014, após dois anos de instaurada, a Comissão Estadual da Memória e Verdade de Pernambuco concluiu que o assassinato de Padre Henrique foi um crime político, desmentindo a versão sustentada por anos de que o crime teria sido um caso comum. “Perpetrado por agentes do Estado de Pernambuco, em conluio com civis integrantes da chamada extrema direita com o desiderato de aterrorizar, amedrontar e proibir o inconteste foco de resistência então exercido por parte considerável da Igreja Católica no Estado de Pernambuco, sob a liderança do arcebispo de Olinda e Recife, Dom Helder Câmara”, diz o relatório final da Comissão. O crime aconteceu meses após o regime ditatorial civil militar baixar o AI 5 – Ato Institucional nº5, em novembro de 1968, de autoria do governo do General Costa e Silva. O assassinato de Padre Henrique faz parte do período mais brutal da ditadura, quando prisões arbitrárias, mortes e desaparecimentos aumentaram significativamente.

Ordenação de Antonio Henrique, na Igreja da Torre, pelo a Dom Helder Camara. Foto: Arquivo Comissão da Verdade

Ordenação de Antonio Henrique, na Igreja da Torre, pelo a Dom Helder Camara. Foto: Arquivo Comissão da Verdade

O contexto do início dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade (dezembro de 2011) e a formação das comissões estaduais fomentadas no bojo do debate nacional sobre memória e verdade trouxe para o debate público o tema das investigações das violações de direitos humanos cometidas durante o regime civil militar. No entanto, em meio aos avanços que as comissões representaram, a justiça e a reparação ficaram, até hoje, na antessala da reconciliação com o passado. O Brasil ainda tem uma dívida com as vítimas e famílias da ditadura de 64. Não à toa, o atual Governo Federal, que não esconde o apoio à ditadura civil militar, ameaça alterar a configuração da Comissão de Anistia (criada em 2002 para analisar pedidos de reparação devido a violações cometidas no período de setembro de 1946 a outubro de 1988) com a nomeação de pessoas defensoras das violações de direitos cometidas pelo Estado no período de exceção.

O movimento aparentemente cíclico do curso da História, no entanto, é também oportunidade de conhecer as histórias que por muito tempo foram silenciadas ou deixadas no esquecimento. Não esquecer para que não se repita, como é o lema de quem sobreviveu à ditadura militar. Para conhecer esse caso, o documentário Padre Henrique: o silêncio que grita resgata e conta a história do assassinato, de mais quatro décadas de impunidade e da luta por justiça. O projeto vencedor do 4ºPrêmio Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão, do Instituto Vladmimir Herzogfoi dirigido por Camilla Figueiredo e Débora Britto (à época estudantes de jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco), sob orientação da professora e doutora Adriana Santana.

Realizado em 2012, primeiro ano de atividade da Comissão Estadual da Memória e Verdade de Pernambuco, que teve como prioridade o caso do religioso, o documentário reconta a trajetória da última vez que Padre Henrique foi visto com vida e a trama que cerca o caso que até hoje não teve solução. Na época, os 44 anos de impunidade e a retomada das investigações moveram a esperança de muitos e podem, agora, também trazer lições importantes de resistência.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.