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Filas na Caixa e desrespeito dos bancos deixam dezenas de bancários contaminados

Débora Britto / 11/05/2020

Antonio Cruz/Agência Brasil

Nas últimas semanas, as filas que se formaram nas agências da Caixa Econômica em razão do auxílio emergencial criaram um cenário cruel: quem mais precisa estava ainda mais exposto e vulnerável à contaminação pelo coronavírus. Ao mesmo tempo, os funcionários das agências foram submetidos à exposição ao vírus, conforme os números demonstram de levantamento feito pelo Sindicato dos Bancários de Pernambuco, que contabilizou a quantidade de confirmações de covid-19 entre funcionários de bancos públicos e privados, além do número de suspeitas.

Eram cenas que traziam à luz uma realidade que muitos brasileiros ignoravam: o Brasil que não tem conta no banco, não acessa internet e precisa sair de casa de madrugada para chegar ao centro.

E é possível que as cenas voltem a se repetir. Diante do cenário em que a curva de contaminação continua a crescer, o medo é repetir, com o pagamento da segunda parcela, os erros cometidos até agora. O Governo Federal ainda não divulgou o calendário de pagamento da segunda parcela do auxílio emergencial de R$ 600, reforçando a preocupação de que mais bancários e mais clientes permaneçam expostos ao coronavírus.

Nesta segunda-feira, 11 de maio, o estado teve 493 novos casos de Covid-19, de acordo com dados oficiais da Secretaria Estadual de Saúde. Assim, Pernambuco totalizou 13.768 casos confirmados, dos quais 7.368 são graves e 6.400 leves. Com mais 40 óbitos registrados por exames laboratoriais, o número de mortes chegou a 1.087.

Em Pernambuco, de acordo com o levantamento do Sindicato dos Bancários, o banco com maior número de confirmações e suspeitas é a Caixa Econômica, com 25 confirmados e 35 suspeitas. Em seguida, o Santander tem 23 casos de covid-19 e 34 suspeitos. Os dados foram atualizados até esta segunda-feira e não pegaram ninguém de surpresa.

No ranking, Banco do Brasil, BNB, Bradesco e Itaú, que adotaram em seus protocolos internos as orientações da Organização Mundial de Saúde (OMS) também são os que registraram menor número de casos. Esses bancos liberam para isolamento domiciliar de 14 dias toda a equipe que teve contato com a pessoa confirmada ou em suspeita. Se não houver equipe para substituição, a agência fecha. No caso de ter funcionários para o rodízio, a agência é higienizada e abre novamente.

Os dois bancos com maior número de casos, Caixa e Santander, tem em comum o fato de não adotarem medidas mais severas e restritivas de prevenção.

Segundo o Sindicato, o Santander mudou o protocolo há cerca de duas semanas. Antes, seguia as medidas de isolamento da equipe, mas passou a afastar apenas as pessoas com suspeita ou confirmação, mantendo em atividade as que trabalharam com o funcionário ou funcionária infectada.

No caso da Caixa Econômica, apesar dos esforços para reduzir os risco, a força tarefa para o pagamento do auxílio emergencial pode ter sido o principal responsável pela maior exposição e contaminação de funcionários. De acordo com o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, em entrevistas que têm dado sobre o assunto, uma operação inédita e dessa proporção, inevitavelmente, vai gerar filas. Ele chegou a admitir que houve falhas no pagamento da primeira parcela e se desculpou oficialmente. Segundo o banco público, 50 milhões de pessoas já receberam o auxílio emergencial.

Para a presidenta do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, Suzi Rodrigues, houve desorganização e falhas no planejamento do pagamento do auxílio. “Desde o dia 12 de março enviamos ofício para o governo do estado e para os bancos perguntando o que seria feito para proteger os bancários. Sugerimos a descentralização do bancos, a Caixa poderia ter explorado mais os bancos públicos e comprometer os bancos privados. Mas o Governo Federal não planejou bem essa ação, mesmo sabendo que há muitas pessoas que não tem telefone, nem Bolsa Família, nem documento”, analisa.

A conta das falhas pode estar indo cobrada com a contaminação de funcionários que estão na linha de frente. “Hoje, banco é um local de risco”, afirma a presidenta do sindicato.

“Tem bancos que não estão cumprindo isolamento de 14 dias da equipe, como é recomendado pela OMS e por nós. Nós queríamos um acordo de protocolo único para todos os bancos, mas não aceitaram. Infelizmente nossos patrões só pensam em lucro e a Caixa está nessa loucura para cumprir meta. A jornada é importante, mas o descanso também”, critica Rodrigues.

Outro desafio que ela aponta é que, mesmo com a determinação do serviço bancário como essencial, não houve a inclusão da categoria na testagem prioritária pelo Governo do Estado. “Nós estamos requerendo do governo que ele autorize o teste rápido quando os bancários chegarem nos hospitais públicos e privados. Enviamos um ofício, mas ainda não tivemos retorno”, afirma.

Suspeita de covid-19

Apesar dos cuidados e protocolos mais ou menos rígidos que os bancos têm adotado, é preciso lembrar que nenhum deles garante que não haverá contaminação. A tentativa é de minimizar os riscos.

Durante os dois dias em que manteve diálogo com a reportagem, por telefone e whatsapp, o funcionário da Caixa Econômica, Raul Campelo, entrou para a lista de suspeitos de contaminação pelo covid-19. No sábado, Raul, que é caixa de uma agência no bairro da Boa Vista, no centro do Recife, apresentou os primeiros sintomas e precisou procurar uma unidade e saúde.

Ele havia contado, no dia anterior, como apesar dos cuidados, o medo de contaminação virou parte da rotina. Por causa disso, a saúde mental dos funcionários já estava abalada. “Temos muito medo. Eu tenho alergia respiratória e tive crise alérgica ontem à noite. Não dormi por isso e também por medo. O medo permeia o dia a dia da gente, faz parte. Não deveria ser assim, mas está virando”, conta.

Raul relatou também a rotina de cuidados que o banco tem adotado, que inclui a regulação da entrada de pessoas da agência, disponibilidade de álcool gel, separação de cadeiras. “Nos caixas, que é um lugar que tem movimentação grande, tem troca intensa com população, foram colocados anteparos de acrílico, diminuindo a área de contato. Essa tem sido a rotina de proteção”.

Na segunda-feira (11), Raul recebeu a informação que seu teste deu positivo. Não era alergia ele estava realmente contaminado. A agência foi fechada e passará por higienização. De acordo com o Sindicato dos Bancários, uma nova equipe assumirá o trabalho.

Apesar da insegurança, Raul e outros funcionários da Caixa têm afirmado a importância e o compromisso de prestar um serviço que ajude a sociedade neste momento de crise. “A gente entende a necessidade das pessoas de irem às agencias, de receber essa ajuda, mas a ansiedade vai lá para cima. A necessidade a fome é um motor que impulsiona a fazer coisas que a gente duvida.

“Eu queria destacar a solidariedade dos colegas. Temos feito sistema de rodízio de funcionários e quem está dentro do grupo de risco está 100% de Home office. A gente que é Caixa houve o chamamento do dever a ser cumprido e estamos lá”, conta Raul do seu isolamento domiciliar.

Mudanças previstas pela Caixa

Uma das principais ações anunciadas para resolver os problemas do pagamento da primeira parcela é separar as datas de pagamento do auxílio do pagamento do Bolsa Família para que os dois públicos não se encontrem. Segundo Guimarães, a medida deve reduzir a aglomeração. “Os dois grupos necessitam de um atendimento pessoal. A grande maioria. Porque mesmo com o aplicativo funcionando muito bem, basicamente todos precisaram de ajuda, as mais diversas ajudar. Certamente essa parte da população nao vai conseguir em 30, 40 dias receber com mais automatizado”, afirmou em entrevistaonline.

Imagem do Aplicativo Caixa TEM. Reprodução Internet

A Caixa também anunciou outras medidas para evitar as filas, com a ampliação do horário de atendimento das agências, contratação de equipe de vigilantes e recepcionistas para orientar a população nas filas. O banco também estabeleceu parceria com prefeituras para tentar evitar as aglomerações desnecessárias.

Ainda assim, não há certeza se as medidas serão eficientes. Outro problema registrado foram falhas no aplicativo Caixa Tem, desenvolvido para atender as pessoas que não tinham conta bancária possam acessar e movimentar o auxílio emergencial.

Em outro banco federal, o Banco do Nordeste (BNB), foram necessários três casos confirmados na agência da avenida Conde da Boa Vista para que a sede, em Fortaleza, cedesse à pressão dos funcionários e, finalmente, fechasse a agência, autorizando autorizasse as atividades em regime de home office dos seus funcionários.

Mesmo depois que as duas primeiras pessoas adoeceram, a gerência ignorou o perigo. Além da rotina ter permanecido inalterado, nenhum dos colegas de trabalho dos doentes foi enviado para trabalhar em casa ou orientado a fazer testes.

Alertas e negociações com bancos

Já no início da pandemia, os bancários alertavam para a vulnerabilidade para funcionários e também para clientes dentro dos bancos. O ambiente fechado, com ar condicionado, com circulação de muita gente, além do manuseio de dinheiro em papel, favorecem a disseminação do coronavírus.

A participação dos sindialistas no Comitê de Crise Nacional Bipartite (com representantes dos bancários e dos bancos), criado no início de março, garantiu que fossem adotadas medidas de prevenção para os trabalhadores. A distribuição de máscaras, álcool gel, proteção de acrílico para os caixas foi conseguida em negociação coletiva, destaca o sindicato.

Agora, os bancários têm brigado para garantir a testagem de funcionários e manutenção dos protocolos de prevenção.Rodrigues reforça a importância de funcionários denunciarem possíveis violações de direitos dos trabalhadores neste momento. O Sindicato dos Bancários está recebendo denúncias e acompanhando os casos suspeitos e confirmados em um canal de denúncias.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.