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Terça Negra: em ação racista, Guarda Municipal do Recife atira em meio à multidão

Débora Britto / 05/02/2020

Fotos: Facebook.

Mais um caso de racismo e abuso de violência policial marcou a tradicional Terça Negra, evento organizado pelo Movimento Negro Unificado (MNU), no Pátio de São Pedro, na noite de ontem (04 de fevereiro). Era quase meia noite quando, em frente ao palco montado no pátio, guardas municipais do Grupamento Técnico Operacional (GTO) abordaram e detiveram de forma violenta um rapaz que assistia aos shows. A confusão acabou em pânico, com tiros disparados e um jovem acusado sem provas.

Há vídeos que mostram a abordagem destemperada do GTO ao jovem, seguido de discussão com as pessoas que questionaram a atuação da Guarda. Depois, houve confronto com o público. Os vídeos mostram que ao menos três tiros foram disparados por um dos policiais, que pode ser facilmente identificado pelo vídeo. Diversos vídeos foram postados em redes sociais, de diferentes ângulos, que comprovam a ação desequilibrada de um agente público em meio a uma multidão.

Em resposta à Marco Zero Conteúdo, a Secretaria de Segurança Urbana do Recife, através da Corregedoria da Guarda Civil Municipal, confirmou a instalação de procedimento investigatório para apurar os fatos ocorridos e a ilegalidade do uso da arma de fogo pelo guarda municipal.

“A Secretaria de Segurança Urbana repudia todo e qualquer ato de preconceito, agressão e violência por parte dos agentes da GCMR. Não faz parte dos equipamentos de trabalho da Guarda arma de fogo. Quem fez uso da mesma responderá pelos seus atos”, diz a resposta. A Secretaria também informou o canal direto de comunicação da Corregedoria (3355-8326) para denúncias.

As pessoas que estavam por perto reagiram e questionaram os motivos da abordagem. Segundo Juliana Vitorino, assessora parlamentar das Juntas Codeputadas, que estava presente no momento, os policiais afirmaram que precisavam de espaço para revistar o jovem. “Já chegaram com violência, entroncharam o braço dele, pegaram a garrafa de água que estava na mão dele perguntando o que era. A gente foi tentar ver o que estava acontecendo, pedimos para parar o som. Isso aconteceu na frente do palco, perto da mesa de som”, conta.

A guarnição levou o jovem para a lateral da praça, na calçada, formando um paredão de agentes e isolando o jovem. Parte da multidão se voltou para ver o que acontecia e, entre gritos de “fascistas” e “racistas”, confrontou os guardas. Segundo Juliana, ela se apresentou como integrante da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, apresentou identificação e pediu para acompanhar a revista, mas foi ignorada. “A abordagem foi racista, foi violenta. As pessoas tentaram dialogar, chamaram a organização da Terça Negra para tentar fazer o diálogo e não fizeram. Disseram que estavam fazendo apenas a condução. Quando levaram ele, as pessoas reagiram mesmo. Foi quando os caras despreparados atiraram”, conta.

Segundo ela, tudo foi muito rápido. A confusão durou menos de meia hora. A Polícia Militar foi chamada e levou o jovem abordado, Márcio Glei, para Central de Plantões. Vitorino e outras pessoas que integram a Articulação Negra de Pernambuco (Anepe) acompanharam Márcio.

Abuso e despreparo

Essa edição da Terça Negra faz parte da programação do pré-carnaval da Prefeitura do Recife, mas nem isso serviu para conter a abordagem racista dois agentes públicos que integram a Guarda Municipal.

Segundo Demir da Hora, coordenador da Terça Negra e militante do Movimento Negro Unificado (MNU), a organização do evento vai solicitar aos conselhos municipais de Direitos Humanos e de Igualdade Racial que acionem o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) para apurar a condução da Guarda Municipal.

Para ele, que estava no evento, no palco, e desceu quando a confusão começou, há evidente despreparo da Guarda Civil. No entanto, não chegou a classificar o episódio como racista. “A gente faz cultura, segurança pública é um dever do Estado e direito do cidadão. Na ultima reunião eu cobrei, pedi o efetivo da PM. Eles ontem mandaram efetivo da Dircon e em vez da PM, mandaram a Guarda Municipal. Não tinha necessidade daquilo, poderiam ter levado o rapaz logo, mas ficaram muito tempo detendo o rapaz enquanto a multidão, o público ficou contra. Chamaram de fascistas, acuaram eles [os guardas]. Eu encerrei a festa porque a confusão não acabava e tive que cuidar do palco, dos artistas”, explica.

Demir chegou a falar com o comandante da Guarda, que, segundo ele, pediu para conversar em outro local. “Foi quando começou a confusão, quando eu fui falar com o comandante para saber porque o rapaz estava detido e saber o que poderia ter sido feito, chamar um advogado, os pais, saber se era de maior ou de menor”, conta.

No Termo de Qualificação e Interrogatório Márcio nega que resistiu à abordagem e não portava drogas

Criminalização

De acordo com Josenira Nascimento, advogada que acompanhou Márcio Glei na Central de Plantões, na madrugada da terça para a quarta-feira, o que aconteceu trata-se de um”flagrante caso de racismo”. Ela acredita que há testemunhas e informações suficientes para que Márcio não seja acusado injustamente.

Segundo Josenira, não houve resistência por parte dele, como alegado pela polícia. Márcio acredita que a reação pode ser sido em resposta à pergunta feita por ele aos guardas se era uma abordagem policial, de fato. “Para mim foi um flagrante caso de racismo. Márcio foi abordado e quando viu que tinha alguém falando com ele, perguntou se era polícia, para saber se era policial mesmo ou não, pois estranhou a farda, diferente da PM. Márcio achou que o guarda ficou chateado por ele perguntar se era polícia porque ele acha que talvez isso tenha dado um gatilho nele”, explica.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.