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Arcebispo de Porto Velho espera que a polícia não ceda às pressões e prenda culpados pela devastação

Marco Zero Conteúdo / 03/09/2019

Foto: Arquidiocese de Salvador (BA)

por Montezuma Cruz, de Porto Velho (RO)

Era 1h35min da madrugada quando o arcebispo metropolitano de Porto Velho e presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), dom Roque Paloschi, respondeu às tentativas de contato da Marco Zero Conteúdo. Após participar de dois exaustivos dias de reunião em Belém (PA), ele concedeu entrevista antes de partir, às 2h30, para Machadinho d’Oeste, na divisa de Rondônia com Mato Grosso, a 302 quilômetros de Porto Velho, enfrentando mais uma viagem que duraria quatro horas de carro.

Dom Paloschi pegou a estrada novamente para abrir mais uma semana pastoral no interior. Machadinho é um dos municípios que mais devastam e queimam em Rondônia. Ali, de 2017 para cá, soldados do Batalhão Ambiental da PM do estado já enfrentaram grileiros armados e utilizando radiocomunicadores.

Ele lamentou as restrições do Governo Federal aos órgãos ambientais brasileiros, impedindo que eles cumpram suas finalidades e a Constituição Federal. Ele relaciona essas restrições ao roubo de madeira das Terras Indígenas Uru-eu-wau-wau e Karipuna em Rondônia, alertando para situações semelhantes nos estados do Acre, Maranhão, e na região Sul do Amazonas. “É um conjunto de ações criminosas que se implementam, de fato, à revelia da lei. Dão mostras de que está em curso no País uma nova fase de esbulho possessório de terras indígenas demarcadas, homologadas, registradas”, disse.

Mesmo assim, o arcebispo transmitiu palavras de estímulo aos órgãos policiais fiscalizadores e se manifestou esperançoso: “Que não se deixem pressionar e façam o seu trabalho para identificar os verdadeiros responsáveis por toda essa devastação que está acontecendo no meio ambiente”.

Como o senhor avalia as sucessivas ações de incêndios, aparentemente integradas, na floresta na região sul do Pará?

Dom Roque Paloschi – Está bastante evidenciado que os desmatamentos e queimadas provocadas na região amazônica têm sua origem na ganância nos setores devastadores do meio ambiente, de modo especial o latifúndio e as corporações empresariais ligadas aos interesses do agronegócio e da mineração. Há tentativa do Sr. Presidente de responsabilizar e criminalizar as ONGs e os pequenos agricultores por essas ações criminosas. Isso é totalmente descabível. Aos poucos, a sociedade vai percebendo essa situação. Nossa esperança é que os órgãos policiais não se deixem pressionar e façam o seu trabalho para identificar os verdadeiros responsáveis por toda essa devastação que está acontecendo no meio ambiente não apenas na região amazônica, mas em outras regiões do Brasil.

A atual operação contra o fogo no Acre e em Rondônia seria suficiente para atenuar os graves efeitos das queimadas este ano?

Os efeitos das queimadas na Amazônia Ocidental Brasileira são devastadores. Junto com elas há um processo de desmatamento e grilagem das terras públicas, incluindo terras indígenas já demarcadas e homologadas e registradas. Não são ações como essas que resolverão o problema, é preciso ações estruturantes para que se supere essa grave crise, essa situação penosa, difícil, em relação à proteção dos territórios indígenas. Infelizmente não se percebe isso no governo, que tem feito promover a ocupação, a invasão dessas terras.

De que maneira o senhor analisa as restrições do próprio Presidente da República ao trabalhado fiscalizador, no momento em que acontecem queimadas e se repetem derrubadas de madeira nobre?  

As ações do senhor Presidente da República têm impedido o trabalho de fiscalização dos órgãos do Estado Brasileiro, entre eles o Ibama, o ICMBio e outros que têm responsabilidade institucionais e constitucionais. É uma atitude bastante duvidosa, anticonstitucional que atenta contra o estado democrático de direito e contra as obrigações do próprio presidente. Essas restrições atentam contra o princípio administrativo do Estado Brasileiro, portanto, são ações profundamente lastimáveis que nos deixam bastante preocupados, exatamente por se tratar de ações do mais alto mandatário do poder executivo federal. Isso tem impacto muito forte nas ações desses órgãos, porque impedem que eles cumpram suas finalidades. Essas ações acabam servindo de incentivo para aqueles grupos de pessoas que têm interesse em provocar esse tipo de crime de devastação, e fazem isso de forma bastante livre, porque são incentivados e sabem que não haverá punição.

As Terras Indígenas Karipuna e Uru-eu-wau-wau estão há algum tempo invadidas por madeireiros. Eles já entraram em outras áreas?

Sim, outras terras estão atacadas aqui no Estado de Rondônia, nos estados do Acre, Maranhão, no Sul do Amazonas. É um conjunto de ações criminosas que se implementam, de fato, à revelia da lei. Dão mostras de que está em curso no País uma nova fase de esbulho possessório de terras indígenas demarcadas, homologadas, registradas. São povos que viviam milenarmente em situação tranqüila e agora se veem com conflitos fundiários em sua volta, numa situação de extrema insegurança, de vulnerabilidade, com possibilidades reais de gravidade e mortes. O risco também que se sente, de prováveis genocídios, é inaceitável para o País. Muitas dessas terras estão sendo invadidas, e como é sabido, existem povos sem contato, os chamados povos invisíveis, e esses estão muito mais vulneráveis,  sujeitando-se ao extermínio.

Diante da atual de tudo isso, há luz no fim do túnel? Se houver, como salvar as terras indígenas e a pequena agricultura?

Os povos indígenas, junto com pequenos agricultores e quilombolas, uma grande capacidade de resistência ao longo da história. Foram eles responsáveis por derrotar o projeto integracionista da ditadura militar. Essa integração que os militares queriam seria a negação dos direitos desses povos. Nós temos plena confiança que os povos indígenas organizados, com apoio da sociedade civil, das pessoas que respeitam direitos originários, farão frente a esse projeto de morte que o governo Bolsonaro representa. Essas forças de destruição, de morte, não querem respeitar os direitos dos primeiros habitantes dessas terras. Povos indígenas têm o direito de ter o seu projeto de vida respeitado e implementado por políticas sociais. Se fazem necessários projetos de formação, articulação, mobilização de todos os setores da sociedade que têm consciência e compromisso com a vida e respeito aos direitos das pessoas, porque está em jogo também a casa comum, a população, a vida, e nessa hora nós não podemos ficar indiferentes.

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Marco Zero Conteúdo

É um coletivo de jornalismo investigativo que aposta em matérias aprofundadas, independentes e de interesse público.