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Contágio por coronavírus avança entre indígenas e já soma seis mortes em Pernambuco

Raíssa Ebrahim / 23/05/2020

Pernambuco já soma 38 casos confirmados e seis óbitos pelo novo coronavírus entre os povos indígenas do estado. A situação mais crítica segue sendo a do povo Fulni-ô, do município de Águas Belas, no Agreste. São 25 casos na etnia, sendo 14 deles entre profissionais da saúde indígena, e quatro mortes.

Uma nova preocupação é com os Xukuru. Foram confirmados, ao mesmo tempo, os sete primeiros casos da Covid-19 no povo. Segundo as lideranças, a maioria deles trabalha num mesmo abatedouro em Pesqueira, também no Agreste, região que pode virar epicentro da doença em Pernambuco.

Como medida de controle, a organização interna Xukuru já começou a organizar um espaço em uma das escolas do território como local de campanha para acolher os casos confirmados e possibilitar mais isolamento.

Uma das várias reivindicações do movimento indígena é que “todos os profissionais da saúde indígena têm que ser testados”, nas palavras da liderança Yssô Truká.

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Os dados estão no quinto boletim da Rede de Monitoramento de Direitos Indígenas em Pernambuco (Remdipe), divulgado nesta sexta-feira (22). A Remdipe reúne organizações da sociedade civil, grupos vinculados às universidades e movimentos indígenas para acompanhar a efetivação dos direitos e das políticas públicas voltadas aos povos indígenas de Pernambuco.

A publicação aconteceu no mesmo dia em que foi divulgado o vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril em que o ministro da Educação, Abraham Weintraub, ataca os povos tradicionais dizendo: “Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio o ‘povo cigano’”.

A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, por sua vez disse, na mesma reunião, que indígenas foram contaminados “de propósito” no Amazonas para prejudicar Bolsonaro.

A edição mais recente do boletim também traz informações sobre os indígenas venezuelanos Warao, que registraram o falecimento de um idoso de 81 anos. O grupo está abrigado em situação de extrema vulnerabilidade em imóveis no Centro do Recife e vive de doações.

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Os números nacionais e regionais também continuam subindo. No Brasil, somam 103 os indígenas mortos pela Covid-19, 610 contaminados e 44 povos atingidos, de acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). No Nordeste, em Minas Gerais e no Espírito Santos, são 101 casos confirmados e 13 mortes, como mostra a articulação dessas regiões, a Apoinme.

Indígenas montam o próprio diagnóstico

Junto ao boletim, a Remdipe também lançou, nesta sexta (22), a ação “Compreendendo a Covid-19 com os indígenas”, para pensar estratégias de enfrentamento às situações de risco e de vulnerabilidade no contexto da pandemia.

O objetivo é realizar um diagnóstico situacional de como cada povo indígena de Pernambuco tem enfrentado o coronavírus em seu território, através de cinco tipos de questionários online, direcionados para lideranças, guardiões/guardiãs dos saberes tradicionais de cura, coordenadores/as de pólos-base, agentes indígenas de saúde e de saneamento, e população em geral.

Pautas e lutas indígenas

Nesta semana, foi aprovado em plenário na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1142/20, que institui medidas de prevenção e apoio aos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais na pandemia da Covid-19. Mas o projeto sofreu um ataque, como denunciou a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a maior organização regional indígena do país e que abrange os nove estados da Amazônia brasileira.

A “inclusão sorrateira” do Artigo 13º no capítulo 4 do PL libera as terras indígenas com presença de isolados para o acesso de missionários, legalizando a entrada de missões religiosas, colocando em risco a vida dos povos.

Confira um trecho da nota da Coiab:

Sabemos que historicamente os missionários proselitistas tem invadido territórios indígenas e forçado o contato com os povos em isolamento voluntário, ferindo os princípios de autodeterminação e autonomia aos povos indígenas isolados garantidos pela legislação brasileira através da política do não-contato.

A invasão dos missionários sempre trouxe tragédia e morte para os nossos parentes que foram forçados ao contato, e não será agora que essa história será diferente. A tentativa dos missionários e dos grupos políticos que os apoiam de garantir e legitimar a invasão e a permanência nestes territórios no momento de pandemia mostra, mais uma vez, seu descaso pela vida indígena e o interesse mesquinho desses grupos religiosos.

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O boletim da Remdipe também chama a atenção para a agenda de retrocessos que deverá estar na pauta das lutas pela manutenção dos direitos indígenas ainda neste mês de maio. Uma é a possível votação do PL2633/2020, conhecido como PL da Grilagem. A outra é que o Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir sobre a manutenção da suspensão do Parecer 001/2017 da Advocacia Geral da União (AGU), que vincula o marco temporal às questões indígenas.

AUTOR
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Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com