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Demolições são retomadas e Cais José Estelita vive noite de tensão

Marco Zero Conteúdo / 29/03/2019

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Maria Carolina Santos e Débora Britto

Foi uma noite tensa no Cais José Estelita. Pouco antes das 18h desta quinta-feira (28), as máquinas de demolição voltaram a operar após dois dias de inatividade – graças a uma liminar conseguida terça-feira pelo Ministério Público de Pernambuco. Em mais uma virada judicial, a liminar caiu no final da tarde. O presidente do Tribunal de Justiça de Pernambuco, o desembargador Adalberto de Oliveira Melo, acatou o recurso da Prefeitura do Recife, que solicitou que a licença de demolição da área de mais de 13mil m² voltasse a valer. Para esta sexta-feira é esperada ainda mais tensão no local, já que há a possibilidade de acontecer a reintegração de posse pedida pela construtora Moura Dubeux contra o Movimento Ocupe Estelita.

Com a queda da liminar, a construtora não perdeu tempo. As escavadeiras foram para a linha de frente e derrubaram uma parte da parede externa de um dos imensos galpões. Os ativistas do Ocupe Estelita, que estão na calçada desde segunda-feira, foram pegos desprevenidos.

“A gente começou a escutar um barulho, os seguranças privados já estavam dando uma pinta na porta com os cachorros. Começou um barulho danado e sentimos as coisas tremendo. Só que quando viemos para cá eles começaram a montar os tapumes e comprimir a gente e derrubar do outro lado”, conta uma mulher que estava na ocupação quando as máquinas foram ligadas.

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Pela brecha aberta no paredão do armazém, 14 ativistas conseguiram entrar no terreno e se posicionaram em cima de uma das máquinas escavadeiras. Foram quatro horas de incertezas. Por telefone, antes de deixarem o terreno, um dos ocupantes contou que o suposto proprietário das máquinas chegou de forma tempestiva, mandando as pessoas saírem, e deu um murro em uma ativista que estava no grupo. “Ele foi justamente para cima dela”, disse.

Depois do soco, os ativistas reagiram para defender a mulher, o homem se desequilibrou e quase caiu da escavadeira. “A gente segurou ele para não cair”, conta o mesmo ativista. Após a confusão, o grupo negociou a saída com os policiais militares e seguranças privados a partir da garantia de que não seria prestada queixa contra nenhum integrante do grupo. Outra ocupante explicou que, antes da chegada do homem envolvido na agressão, o grupo já discutia a possibilidade de saída pacífica e não houve provocação.

“Teve uma hora que ele se posicionou na frente de todo mundo e eu catei que ele ia fazer alguma coisa. Aí eu subi. Quando eu vi, ele já foi meio que segurando todo mundo. Eu estava mais embaixo, na altura do braço dele e ele deu um murro. Aí ele pisou em falso, meio que caiu num parte vazada da máquina. Foi isso. A polícia estava lá, viu tudo, viu a agressão, que partiu dele”, conta a mulher que sofreu a agressão, que prefere não se identificar por questão de segurança.

Por volta das 21h, os 14 ativistas deixaram o canteiro de obras. “Ocupar. Resistir” e “Prefeito, fuleiro, capacho de empreiteiro” foram os gritos que embalaram a saída dos ativistas. Depois da saída dos ocupantes, a tensão se dissipou. As máquinas pararam com a confusão, mas não há nenhuma garantia de que assim permanecerão. A ocupação na área da calçada continua.

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Entidades em alerta

Em 2014, no primeiro Ocupe Estelita, a reintegração de posse feita pela polícia foi marcada pela violência. Na ocasião, a Polícia Militar chegou ao local antes das 6h e sem a presença do Ministério Público. A construtora Moura Dubeux já solicitou a reintegração da área onde os ativistas estão acampados: entre o muro dos galpões e os tapumes.

Depois da saída dos ativistas, o tenente Radclife, que comandou a ação dos policiais do 16ª batalhão hoje, afirmou que nesta sexta-feira o Estado Maior vai se reunir para definir como vai ser resolvida esta questão. Um centro de policiamento foi montado na área.

Alguns representantes de entidades da sociedade civil foram nesta quinta até o local dar suporte aos manifestantes. O vereador Ivan Moraes Filho e a codeputada Jô Cavalcanti, das Juntas, ambos do Psol, também foram até o Cais. A deputada inclusive entrou no terreno e ajudou nas negociações para a saída pacífica dos ocupantes da área interna do terreno. “Fomos para garantir a integridade das pessoas que estavam lá dentro. Houve tensão, porque queriam conduzir três pessoas para a delegacia. Mas houve negociação e ninguém prestou queixa”, contou a deputada, que é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Pernambuco. “Amanhã (sexta-feira) estamos esperando um clima mais tenso, já que pode ter ação de reintegração de posse”, disse.

A Defensoria Pública da União também se fez presente no Estelita. “Vamos tentar formar um rodízio para acompanhar a ocupação. Estamos atentos. Com as instituições presentes, tanto a polícia quanto os funcionários das obras sabem que estão sendo observados. Nossa intenção é evitar qualquer conflito e também ajudar na mediação“, explicou o defensor público de plantão, José Henrique.

A queda da liminar

A liminar que pedia a suspensão da demolição citava não só a construtora Moura Debeux, mas também a Prefeitura do Recife, que concedeu o alvará para a obra. Foi por isso que foi a prefeitura quem entrou com o recurso. Quando um ente público pede agravo contra uma liminar, quem julga é o presidente do Tribunal de Justiça.

O desembargador Adalberto de Oliveira Melo, presidente do TJPE, acatou o argumento da Prefeitura do Recife que sustentou no requerimento que se a liminar fosse mantida “causará grave lesão à ordem pública, em sua acepção ordem jurídico administrativa, à legalidade e a segurança jurídica”.

Na decisão, o desembargador escreveu que “as eventuais ilegalidades apontadas na confecção do projeto imobiliário podem (como já estão sendo) ser discutidas judicialmente. No entanto, a meu sentir, tal discussão não autoriza a suspensão da demolição dos galpões, nem justifica a intromissão do Poder Judiciário na esfera de atuação do Poder Executivo Municipal, usurpando a competência constitucionalmente fixada. Ao assim agir, o Poder Judiciário termina por se substituir na figura do administrador público, causando insegurança e instabilidade nas relações jurídicas, de sorte a comprometer a ordem pública necessária à condução do ordenamento urbano”.

Professora de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, Liana Cirne Lins criticou a decisão. “Grave lesão à ordem pública é impor um entendimento precipitado das obras de demolição sabendo que nas instâncias superiores, no STJ e no STF, as ações estão aguardando julgamento e o MPF formulou pedido de urgência na análise desses recursos. O que a presidência do TJPE fez hoje desautoriza a própria instituição do judiciário, porque quer forçar uma situação em que haveria perda do objeto das ações que já aguardam julgamento nos tribunais superiores. Isso coloca em xeque as motivações”.

Em nota, a Prefeitura afirmou que “tem a absoluta segurança, como confirmou a Decisão do Tribunal de Justiça, de que não há impedimento legal para a concessão de alvará de demolição no caso do Cais José Estelita, que conta com anuência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Trata-se de um empreendimento privado, mas que após a Lei 18.138/2015 aprovada pela atual gestão, que obrigou os empreendedores a refazerem o projeto, resultará na entrega de 65% do terreno para uso público, inclusive com um parque linear onde hoje existem pistas, a reforma de 28 galpões que serão um centro cultural aberto a toda população, além de calçadas mais largas, ciclovia, seis quadras esportivas embaixo do Viaduto Capitão Temudo, novo sistema viário, ligação do Cais com a Avenida Dantas Barreto, entre outros benefícios públicos para a cidade. Os empreendedores estão obrigados a investir R$ 80 milhões nas áreas públicas”.

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