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Impressões sobre os conservadores do Nordeste

Maria Carolina Santos / 13/11/2019

A Venezuela é o inferno, os Estados Unidos, o Paraíso. O PSL foi um mal necessário, do qual é preciso se livrar o mais rápido possível. Jair Messias Bolsonaro é o herói da pátria amada Brasil. Seus filhos 01, 02 e 03, seus defensores. Ideologia é palavrão. Saudades da ditadura militar: não havia crimes, a economia era pujante. Por que o exército deixou Lula livre?! A escravidão no Brasil foi branda. Não existe racismo. E se hoje ainda existem pretos, é porque eles marcaram bobeira e não se misturaram com os brancos. Tem coisas que um gay não consegue resolver, é preciso chamar um homem macho. O Nordeste é um antro comunista. Os funcionários públicos são quase todos petistas – vai demorar décadas para ter uma despetização do governo. O IBGE mente: o desemprego na era petista era de mais de 20 milhões. Bolsonaro precisa olhar mais para a gente, conservadores do Nordeste. Por que Bolsonaro não nos recebe?

Foi para uma plateia de senhoras bem vestidas, candidatos derrotados do PSL no Nordeste, jovens revoltados e homens e mulheres interessados em candidaturas no próximo ano que as ideias, crimes e anseios acima foram expostos e debatidos no I Fórum de Conservadores do Nordeste, que ocorreu na semana passada no auditório de um hotel em Boa Viagem.

O evento flopou: convidou até Bolsonaro, que não enviou representante. Ministro, deputados federais e influencers de extrema direita foram listados como participantes e não foram. A vaquinha virtual queria arrecadar R$ 20 mil, conseguiu R$ 650. Menos da metade das cadeiras do auditório do hotel Grand Mercure estavam ocupadas. O grande divulgador do evento foi Olavo de Carvalho, que fez uma videoconferência na abertura do fórum. Perto do final, a transmissão caiu e não conseguiram reconectar.

Abaixo algumas impressões sobre o que querem e quais as ideias dos que se dizem conservadores no Nordeste.

“Tem algum esquerdista aqui?”

Indagou a colunista e marqueteira política gaúcha Raquel Brugnera, antes de começar sua palestra. A plateia se ouriçou com a possível presença de um espião. Alguns entreolharam-se. Ninguém levantou a mão. “Porque, se tiver, vai ter que sair”. Mais suspense, mais olhares. “O que vou repassar aqui é informação estratégica para a direita conservadora”, avisou, como se antecipasse um grande segredo. Pelas próximas duas horas, porém, Raquel iria escutar desabafos de candidatos derrotados e apresentar slides sobre princípios básicos de como se faz uma campanha política.

Mas, seguindo à risca a cartilha de que um inimigo é indispensável, mesmo em um ambiente exclusivamente bolsonarista, ela não passava quinze minutos sem incitar a plateia: “Tem algum esquerdista aqui?”, repetia. As senhoras da plateia davam risadinhas divertidas, como se a descoberta de um mártir “esquerdista” fosse ser o grande momento do dia. Não aconteceu.

Fake news e formação de tropa

Como uma marqueteira de direita exemplar, Raquel não dispensou uma fake newszinha. Na coluna que mantém no inacreditável Jornal da Cidade Online (ele, sozinho, daria uma CPMI de fake news inteira), publicou uma montagem ao lado do presidente, de Eduardo Bolsonaro e de um conhecido e raivoso comunicador bolsonarista. Colocou imagens dizendo que eles haviam sido convidados. Era verdade. Mas, faltando dois dias para o evento, ela já sabia que eles não iriam. Também afirmou que faz parte da primeira turma de estrategistas de campanha política. Eisenhower se revirou no túmulo.

Na longa palestra, falou sobre o que chamou de “formação de tropa”. Que a esquerda tinha generais e soldados. E que a direita tinha que ter soldados. Era preciso seguir as ordens dos que os cabeças dizem. No seu caderninho, uma senhora de colar de pedras anotava tudo e tirava fotos dos slides – tinha até referência a um livro do professor da UFBA Wilson Gomes, crítico do Bolsonarismo. Outra levantou a mão para um desabafo. Disse ser de uma família tradicional de Maceió. A família toda votou em Bolsonaro, mas agora os parentes reclamavam da devoção dela ao presidente. “Minha vida agora é fazer cursos, ir para palestras sobre conservadorismo, divulgar Bolsonaro na internet e disso eles reclamam”, disse. Foi bastante aplaudida.

No final, a palestra serviu mesmo para Raquel divulgar uma página de Facebook que ela montou para as eleições do ano que vem: quer dar “direito de resposta” aos ataques que os candidatos podem receber da imprensa e de “esquerdistas”. Ficou bastante feliz quando alguém da plateia falou que tinha uma fanpage com 2,3 milhões de seguidores e que iria divulgar a página dela.

O novo partido de Bolsonaro

O comandante Rangel foi candidato do PSL ao senado, pela Bahia. Diz ser amigo de Bolsonaro e estar por dentro do que se passa no Palácio do Planalto. “Uma vez por semana estou lá”, falou. A plateia então o cravou perguntas sobre o motivo de Bolsonaro não fazer mais ações na região e não ouvir tanto o baixo clero da direita no Nordeste. “Ele é do Rio, se cercou de pessoas que ele já conhecia, e são todas do Sudeste. Temos que entender isso”, argumentou.

O PSL, aliás, já era história. Todos diziam ir para o partido que Bolsonaro fosse criar – ontem, ele anunciou que vai criar o Partido Aliança pelo Brasil. A recriação da União Democrática Nacional (UDN) também foi vista como uma opção para o futuro dos candidatos. Rangel reclamou que as assinaturas para criação de partido tenham que ser feitas presencialmente – se falou em uma lei que pudesse ser pela internet. Várias pessoas se dispuseram a ir às ruas colher as assinaturas.

A mágoa com o PSL foi cristalizada na fala de um ex-candidato a deputado por Sergipe que ficou muito desolado porque o PSL quis comprá-lo com um cargo do segundo escalão – ele só queria do primeiro. Ficou emocionado quando lembrou da lista que o entregaram e se engasgou com o choro. “Desculpem, sou cancerígeno”, afirmou, antes de se corrigir como canceriano, o signo. No segundo dia do evento, ele repetiu sua triste história.

O mais radical, o mais aplaudido

Em algumas falas ficou claro que a diferença entre liberais e conservadores estava no apego ao que chamam de guerra cultural: os conservadores são paranoicos com os direitos das minorias. Após a fala protocolar de Rangel, houve um momento de “microfone livre”. Um homem vestido de preto, longa barba e careca tomou a fala. Se apresentou como sendo o historiador Raimundo Campos. Foi o mais radical, criminoso inclusive.

Quando foi homofóbico, foi aplaudido com entusiasmo (“Não tem macho mais no país”; “Viado não resolve as coisas”). Quando foi racista também. Defendeu também grupos de extermínio: “Se mata muito no Recife, mas quem morre não é cidadão de bem. Só morre bandido. Quem mata é a polícia? não, senhor. Tem as organizações silenciosas. Se você mata alguém ou ofende alguém que tem amigos e familiares, essas pessoas se organizarão nas sombras e efetuarão a lei do cão. A audiência de custódia é com o capeta”. Risos e aplausos.

Em seguida, o policial civil Eric Guerra ,”o caçador”, também deturpou a história para falar que o Comando Vermelho é uma organização comunista e que deu origem ao PT. Falou isso com base em nada, mas citando Lênin, Marx e Gramsci. Com uma fala arrastada, não gerou a mesma comoção do seu antecessor.

Lula Livre

Na quinta-feira, o Fórum se encerrou com pedidos de oração para que o STF não permitisse a liberdade de condenados em segunda instância. No cafezinho da sexta-feira, já com a decisão que libertaria o ex-presidente Lula, o clima era de indignação. “Não é possível que o exército não faça nada!”, reclamava um homem de paletó. Outro, se dizendo por dentro do alto escalão do Exército, tentava pacificar. “O exército vai intervir quando Bolsonaro achar que é a hora”. Teve também quem achou bom o Lula ter sido solto. “Pelo menos agora param com essa chateação de Lula livre a toda hora”.

* O nome dos candidatos e ex-candidatos não estão citados para não divulgar possíveis/futuras candidaturas extremistas

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com