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A foto acima foi tirada há três semanas no plantão noturno da Policlínica e Maternidade Professor Barros Lima. É parte da campanha “Fique em casa” que mobilizou trabalhadores da saúde no mundo todo. São técnicas de enfermagem e enfermeiras que atuam na linha de frente para tentar salvar pacientes.
Uma delas morreu no fim de semana. Outra, está entubada na UTI. As duas por conta da grave pneumonia viral causada pelo coronavírus.
É uma tragédia que vem se repetindo nos vários países onde o vírus se espalhou. Vimos esses relatos na China, na Itália, na Espanha, nos Estados Unidos. Agora, com a curva epidêmica do coronavírus se acentuando, esse drama bate na porta dos profissionais pernambucanos.
Foi no fim de semana passado que a Secretaria Estadual de Saúde confirmou que duas técnicas de enfermagem faleceram. As duas trabalhavam, entre outros lugares, no Hospital Getúlio Vargas. As duas morreram no mesmo dia.
Betânia Ramos tinha 55 anos e faleceu no Hospital dos Servidores. O boletim da secretaria listava suas doenças prévias: diabetes, doença renal crônica e pneumonia crônica. Mesmo assim, estava atendendo normalmente pacientes com sintomas de coronavírus.
Ana Cristina Tomé é a segunda em pé da direita para a esquerda na foto na Barros Lima. Ela estava de férias do Getúlio Vargas, mas dando plantões na policlínica. O resultado confirmando a covid-19 saiu somente depois que ela morreu.
Profissionais da enfermagem estão em com medo. Denunciam falta de material mais específico para lidar com os pacientes com o coronavírus – que possuem uma carga viral até mil vezes maior que um paciente com H1N1, por exemplo. Há quem pense em abandonar a profissão.
A falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que ajudem a proteger os profissionais é a principal queixa. E não se trata apenas de máscaras e luvas. Capote impermeável, óculos, protetor facial, sapato fechado impermeável e lavável, dizem os técnicos ouvidos pela reportagem, só são vistos nos hospitais quando vêm de doação ou são adquiridos pelos próprios profissionais.
Uma técnica de enfermagem da rede estadual, que não quis se identificar, alertou para o alto grau de estresse em que se encontram os profissionais. “Estamos com o emocional à flor da pele. Muitos estão adoecendo psicologicamente também. Minha família está em pânico. Saímos para trabalhar e não sabemos se voltaremos. Fico com medo também de infectar minha família. É uma angústia enorme, e não só sou eu, falo por todos os meus colegas”, diz.
Também há denúncias de instalações físicas inadequadas. De uma carta assinada pela equipe de Enfermagem da Policlínica e Maternidade Professor Barros Lima veio o questionamento:
“É recomendado pelas autoridades sanitárias que se mantenha uma distância de 1 a 1,5m entre as pessoas, mas como se fazer isso em um consultório com dimensões de 1m x 2m de área? Pois é, esta é a dimensão do consultório de enfermagem no acolhimento e classificação risco, ou seja do atendimento inicial de todos os usuários que procuram as unidades de saúde que adotam o protocolo, como no caso, as geridas pela PCR e algumas outras”. Era esse o consultório onde Ana Cristina Tomé trabalhava.
Desde ontem (06), a triagem de pacientes suspeitos mudou e está sendo feito no estacionamento da unidade de saúde. Funcionários que tiveram contato com Ana Cristina, e com a enfermeira que está internada com suspeita da covid-19 – que também aparece na foto -, não foram testados. Só serão se apresentarem sintomas.
Os EPIs estão sendo racionados na unidade. Há relatos de pedidos para que capotes descartáveis sejam imediatamente utilizados por outros funcionários, sem nem ao menos serem desinfectados.
“Até entendo que o serviço não estava preparado para essa calamidade, mas é como se precisássemos ir para uma guerra no mato e não estamos nem de roupa camuflada. Somos alvos fáceis. São várias situações que ocorrem a cada dia e não é só na Barros Lima. Os gestores locais não estão trabalhando na política de humanização, de uma gestão compartilhada. As decisões são unilaterais e quem está na ponta, que é quem tem uma real visão da situação, não está sendo ouvido”, diz servidor da policlínica, que também não quis se identificar.
“Quando alguém morre, se solta uma nota depois e se justifica: “ah, mas a paciente que faleceu tinha comorbidades, era diabética, era hipertensa”. Elas sempre tiveram (doenças crônicas)! E trabalharam na emergência e se dedicaram e cuidaram de pessoas. O que revolta é a falta de EPIs adequados. Quantas de nós iremos ser vítimas disso?”, reclamou a técnica em enfermagem Viviane Paula, em vídeo que o Sindicato Profissional dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de Pernambuco (Satenpe) circulou pelas redes sociais.
Há pelo menos mais três casos suspeitos de coronavírus entre funcionários do HGV. Funcionária do hospital há 14 anos, Viviane contou que os EPIs mal eram usados antes do coronavírus chegar. Ela lembra quando trabalhou no setor vascular e não havia capote descartável. Grávida, contraiu tuberculose no hospital – que lhe rendeu um tratamento com antibióticos por seis meses e uma cicatriz pulmonar. Em 14 anos no Getúlio Vargas, também nunca fez exame de saúde periódico.
A técnica em enfermagem reclama ainda da falta de limpeza no hospital.
“Em alguns turnos há apenas um funcionário da empresa terceirizada para limpar três setores. É uma situação desumana. Cada clinica com cinco ou seis enfermarias, a sala de estar dos médicos, os corredores, banheiros, banheiros das enfermarias…Outra coisa é que é o mesmo mop que se passa na enfermaria contaminada se passa no posto de enfermagem. Isso é muito sério”, diz Viviane.
Quando pergunto se há máscaras N95 – as mais indicadas para o trabalho direto com pacientes suspeitos do coronavírus – Viviane quase ri. “Sempre teve uma escassez e agora com o advento do coronavírus estamos expostos à própria sorte. Pode acontecer uma fatalidade, você estar com o equipamento todo e acabar infectada. Mas trabalhar sem equipamento adequado é demais. O juramento é pra salvar vidas, não para morrer”, reclama, dizendo que está com medo de ir trabalhar. “Domingo mesmo repassei um plantão. Estou com uma angústia muito grande”.
Essa é a estimativa que o presidente do Satenpe, Francis Herbert, faz para os próximos 45 dias, quando Pernambuco deve atingir o cume da curva epidêmica. Entre funcionários das redes pública e privada, são 85 mil auxiliares e técnicos em Pernambuco. Ou seja, previsão de 25,5 mil infectados.
“Acredito que hoje estamos com uns 5% dos técnicos afastados de suas funções porque estão com alguma síndrome gripal”, diz.
São profissionais que desenvolveram sintomas, mas não foram testados ou o resultado dos testes ainda não saiu. “Vou exemplificar com um caso no Hospital da Restauração. A técnica apresentou febre e tosse e foi afastada, com a recomendação de passar 15 dias em casa. Mas ninguém da equipe dela foi testada, nem afastada. O resultado ainda não saiu e as outras pessoas continuam trabalhando normalmente”, reclama.
O sindicato denuncia que os EPIs oferecidos pela rede pública estão em pouca quantidade. São até três máscaras cirúrgicas para um plantão de 12h, quando o recomendado é que a máscara seja trocada a cada 2h.
A situação se repete em parte da rede privada. “O profissional técnico de enfermagem raramente trabalha em um local só. Ele tem dois, três empregos. A contaminação que ele pega no estado, leva para o privado. Nos hospitais das Organizações Sociais (públicos, com administração privada) a situação é pior: são duas máscaras por turno”, denuncia Francis Herbert, citando os hospitais Pelópidas Silveira, Imip, Tricentenário e algumas UPAs (Imbiribeira, Caxangá).
Além da perda de uma colega e de uma amiga, os funcionários na Policlínica e Maternidade Professor Barros Lima se sentiram desamparados pela gestão da unidade. Nem uma nota de lamento foi divulgada pela policlínica, nem pela Prefeitura do Recife sobre a morte da técnica de enfermagem Ana Cristina Tomé.
Era como se ela fosse funcionária apenas do HGV. Mas o fato é que, em 2013, Ana Cristina Tomé passou na seleção simplificada da Prefeitura do Recife. O nome dela também consta na lista de servidores no portal da transparência da Prefeitura do Recife.
A Secretaria Estadual fez menção a ela em nota. Mas a faltou a Prefeitura do Recife e a policlínica onde ela trabalhava. Isso fez com que funcionários da unidade se sentissem desamparados.
“É só mais um número nas estatísticas? É isso que o servidor da saúde é? Em memória dela deveria ao menos ter tido uma uma nota de pesar, mas nem isso a policlínica fez”, lamenta funcionária que pediu para não ser identificada.
Se não houve nota oficial, as técnicas em enfermagem da policlínica não deixaram a morte da colega passar em branco. Se uniram novamente e fizeram uma foto em homenagem à Ana Cristina. Nos cartazes, se lê: “Nós amigos da Barros Lima estamos de luto por nossa amada amiga. Você nunca será esquecida, amiga. Saudades. Ela deixou seu legado, lutando pela vida de tantos. Ana Cristina Tomé. Aninha, para nós”.
Na coletiva de imprensa online realizada ontem (06), o secretário de saúde André Longo admitiu que as máscaras cirúrgicas estavam sendo trocadas a cada quatro horas – o ideal seria a cada duas horas.
O discurso do secretário, no entanto, não bate com o que os profissionais de saúde ouvidos pela reportagem relatam. No Hospital Getúlio Vargas o memorando é claro: são duas máscaras cirúrgicas por funcionário. Três, para quem trabalha em UTI.
O secretário também afirmou que mais de 1,2 milhão de itens de proteção foram adquiridos e que irão abastecer 52 unidades de saúde. Máscaras N95 também deverão chegar aos hospitais. “Na semana passada recebemos 150 mil desse tipo de máscara (N95) e 50 mil já foram distribuídas”, afirmou na coletiva de ontem.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org