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Quase às escondidas, Conselho de Transporte aumenta passagens de ônibus

Mariama Correia / 28/02/2019

Crédito: Beto Figueirôa

O Governo do Estado e as empresas de transporte aproveitaram a distração geral do período pré-carnavalesco para aprovar o aumento das passagens de ônibus na Região Metropolitana do Recife (RMR). Às vésperas da folia, nesta quinta-feira (28), Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM) se reuniu na Secretaria das Cidades, no prédio sede do Detran, e decidiu pelo reajuste de 7,07% das tarifas. Assim, os anéis A e B, por exemplo, saltam de R$ 3,20 e R$ 4,40 para R$ 3,45 e R$ 4,70, com os arredondamentos que devem ser feitos pela Agência Reguladora de Pernambuco (Arpe). Os novos valores passam a valer no dia 2 de março, em pleno Sábado de Zé Pereira.

A reunião que definiu o aumento das passagens foi atípica. Não teve a presença dos grupos da sociedade civil organizada, que geralmente fazem protestos nos arredores. A convocação na “semana pré” foi estratégica para desmobilizar a capacidade de reação de movimentos como a Frente de Luta Pelo Transporte e a Articulação Recife Pelo Transporte. Eles vinham conseguindo conter a pressão do Consórcio Grande Recife e do sindicato das empresas de ônibus, Urbana-PE, pela redefinição tarifária desde o ano passado, com mandados de segurança e ações na Justiça.

Na sala onde os debates do CSTM aconteceram, a portas fechadas, o ambiente também foi incomum. Apenas 19 dos 24 conselheiros compareceram – 13 votaram na proposta do governo, que terminou sendo aprovada. Dois conselheiros, Pedro Josephi e Márcio Morais, representantes da sociedade civil, se retiraram antes que o presidente do Conselho, o secretário de Desenvolvimento Urbano e Habitação, Marcelo Bruto, anunciasse a decisão.

Recomposição tarifária

“O aumento de 7,07% é superior à inflação do ano passado e, por isso, irregular. Ele fere a norma do Manual de Operações do Sistema de Transporte Público, que vincula os aumentos ao IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo)”, argumentou Pedro Josephi, que representa os estudantes no CSTM e também integra a Frente de Luta pelo Transporte. “Além disso, chamar uma reunião que tem impacto profundo na vida das pessoas um dia antes do Carnaval é uma manobra que demonstra falta de transparência por parte do governo”, criticou.

Não somente o aumento anunciado agora, mas todos os reajustes realizados desde 2015 aconteceram acima da inflação do período. Por isso, os conselheiros que representam a sociedade civil no CSTM defenderam, sem sucesso, uma redução de cerca de 9% nos preços das passagens.

Reunião aumento de passagens de ônibus

Reunião do CSTM definiu aumento de passagens de ônibus na RMR. Crédito: Mariama Correia/MZ Conteúdo

O último reajuste tarifário na RMR aconteceu em 2017. No ano passado, em período eleitoral, os movimentos sociais conseguiram evitar os aumentos. No mês de janeiro de 2018, em resposta à uma ação popular movida pela sociedade civil, a Justiça concedeu uma liminar suspendendo qualquer aumento da passagem de ônibus na RMR até que fossem apresentado documentos sobre a gestão do sistema de transporte público.

Em janeiro deste ano, o tema voltou à tona. No dia 25 de janeiro, o CSTM convocou reunião para tratar da revisão das passagens, mas, novamente por ação dos movimentos sociais, a Justiça proibiu que aumentos fossem anunciados. Um novo encontro do CSTM aconteceria em 12 de fevereiro, porém, sob protestos dos movimentos sociais, que chegaram a fechar a Avenida Guararapes, no Centro do Recife, a agenda foi desmarcada. A recente convocação às vésperas do feriado, entretanto, deixou os grupos sociais de mãos atadas.

Outra manobra, essa na Justiça, também enfraqueceu a resistência da sociedade civil.  Esta semana, as denúncias que foram apresentadas em ação civil pública pelos movimentos sociais passaram das mãos do juiz Djalma Andrelino, da 4º Vara da Fazenda Pública, para o juiz Paulo Onofre, da 6ª Vara. A decisão causou estranheza. “O próprio juiz Andrelino se declarou incompetente para assumir o processo, mesmo acompanhando há dois anos os trâmites judiciais e as denúncias da sociedade civil; tendo chamado uma audiência informal entre a Articulação Recife pelo Transporte e representantes do estado para apresentação e explicação dos argumentos”, explicou a Articulação Recife pelo Transporte por meio de nota oficial. Ainda não há previsão de uma decisão definitiva da Justiça.

O secretário Marcelo Bruto, presidente do CSTM, negou que a reunião tenha sido marcada às pressas e que a data tenha sido escolhida de forma proposital. “Todos os prazos foram respeitados. Inclusive foi dado um período para que a sociedade civil apresentasse suas contestações”. Bruto disse ainda que sabe que a sociedade tem sido penalizada, mas que o aumento era inevitável diante dos altos custos das empresas e da redução de passageiros. “Ainda temos uma das menores tarifas do país”, argumentou.

Presidente do Grande Recife Consórcio, André Melibeu, afirmou que o reajuste aplicado agora considera um período retroativo de dezembro de 2016 a dezembro de 2018, por isso é superior ao índice inflacionário de 2018. Disse ainda que a “regra do IPCA é válida apenas para os contratos das permissionárias”, isso porque os contratos das empresas de ônibus atualmente se dividem entre concessões e permissões. Para as concessões, por exemplo, além do dinheiro extra com o aumento tarifário, o governo do estado ainda é obrigado a injetar R$ 200 milhões todos os anos para reequilibrar as contas do sistema.

Os conselheiros da sociedade civil não aceitaram os argumentos do governo e das empresas e prometeram mover novas ações na Justiça contra a decisão do CSTM.

Carnaval com ônibus mais caro

No final da história, como sempre, quem se prejudica é o usuário sistema de transporte público, que neste Carnaval pagará mais caro para usar os ônibus. Na saída da reunião, um grupo de vigias do Detran esperava a passagem dos jornalistas para perguntar sobre o aumento das tarifas. Espantado com o novo valor do Anel B, que vai para quase R$ 5, um deles disse, sem querer ser identificado na matéria: “É quase R$ 10 todo dia para ir e voltar do trabalho. Só o que não aumenta é o salário da gente”.

Bem-te-vi não se rende

Por Inácio França

A manobra do governo estadual para aprovar o aumento das passagens de ônibus sem pressão popular, praticamente às escondidas, na véspera do carnaval e mantendo a imprensa confinada num refeitório a centenas de metros do local da reunião do Conselho, só não deu 100% certo por causa de Bem-te-vi. Coube ao veterano militante, a missão de incomodar e expor a operação despiste montada por governo, prefeitura e os empresários de transporte público.

Bem-te-vi, nascido Jeremias Nascimento da Silva há 63 anos, saiu cedinho de Abreu e Lima, fez baldeações em dois terminais integrados e chegou na calçada do Detran antes mesmo de começar a reunião. Estava ciente que não encontraria uma multidão, mas espantou-se por ser o único manifestante disposto a protestar contra mais um aumento decidido por quem não tem de pegar ônibus para trabalhar todos os dias.

Sem acesso aos conselheiros, Bem-te-vi pendurou-se num poste da Celpe e danou-se a esbravejar palavras de ordem, apertar sua buzina verde-e-amarela, enfim, fazer barulho. O mais provável é que não tenha sido escutado, mas não deixou o encontro passar em branco, tanto que é personagem único deste texto.

Bem-te-vi foi o único manifestante na reunião do aumento das passagens

Bem-te-vi foi o único manifestante na reunião do aumento das passagens. Crédito: Beto Figueirôa

Bem-te-vi é onipresente nos atos públicos, passeatas e manifestações puxadas por partidos de esquerda e movimentos sociais. Poucos sabem seu nome de batismo, mas, sempre com uma placa com slogans políticos pendurada no pescoço, chama a atenção da militância, posa para selfies, é festejado por jovens. Quase sempre é o primeiro a chegar e o último a sair. “A gente não pode parar de protestar nunca, tem de denunciar os governantes mesmo”, afirma, em tom de quem anuncia sua razão para viver.

Eleito duas vezes vereador de Abreu e Lima pelo PTB, agora filiado ao PCdoB, Bem-te-vi garante que perder o mandato não o fez desistir da luta política. “Sou líder comunitário voluntário, mas líder comunitário mesmo, não sou cabo eleitoral pago, não. Nunca comprei votos. Estou sempre lá em Caetés denunciando a UPA caindo aos pedaços, as escolas abandonadas, o lixo na rua”, afirma.

Questionado se sua disposição de protestar contra o governo estadual não incomoda as lideranças do seu partido, que tem a vice-governadora do Estado, Bem-te-vi tem a resposta na ponta da língua: “Incomoda sim. Eu incomodo até o Satanás”.

 

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).