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Em parceria com De Olho nos Ruralistas
No décimo ano da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, as agricultoras e agricultores do Polo da Borborema (PB), junto à associação AS-PTA, reforçaram a pergunta que ecoa em todo o país: “Quem mandou matar Marielle Franco?”. Mulheres, muitas delas negras como Marielle, integrantes dos 13 sindicatos de trabalhadoras e trabalhadores rurais que fazem parte do polo marcharam pelas ruas do município de Remígio, no Agreste da Paraíba, para falar sobre o combate ao racismo.
A mobilização se concentrou durante cerca de três horas no Alto da Colina e cruzou a cidade até o Parque da Lagoa. O Grupo de Teatro do Polo da Borborema encenou uma peça sobre racismo e machismo ainda no começo do ato. Houve apresentações de Lia de Itamaracá no início e no fim da marcha, que culminou na feira agroecológica “Sementes e Sabores”.
Tradicionalmente, a marcha acontece no Dia Internacional de Luta das Mulheres, em 8 de março. Mas, sendo o combate ao racismo o tema deste ano e Marielle Franco uma mulher negra e defensora dos direitos humanos assassinada no dia 14 de março de 2018, a coordenação da mobilização decidiu por alterar a data. Segundo a assessora técnica da AS-PTA e da Coordenação da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, Adriana Galvão, o dia foi alterado para o aniversário da morte de Marielle por ser uma data simbólica.
“Na marcha passada, fizemos o tema da diversidade e já sabíamos que era importante trabalhar com o tema da identidade racial e do racismo. Eu acho que toda a simbologia que Marielle traz de uma mulher negra, periférica, bissexual que ocupa um espaço de poder com grande destaque, isso, por si só, já era uma inspiração para as mulheres locais e de todo o Brasil. Mas, ao calar essa voz, o tema se fortalece muito mais dentro da marcha que vem para homenagear todas as mulheres que foram caladas ao ocupar esses espaços”.
Segundo dados da AS-PTA, o Polo da Borborema, além dos 13 sindicatos, possui aproximadamente 150 associações comunitárias e uma organização regional de agricultores ecológicos. Os municípios do planalto da Borborema que integram o polo são Solânea, Cassenrengue, Arara, Remígio, Algodão de Jandaíra, Esperança, Areial, Montadas, Lagoa da Roça, Puxinanã, Lagoa Seca, Matinhas, Alagoa Nova, Serra Redonda e Queimadas.
Para além da homenagem a Marielle Franco, as trabalhadoras do campo homenageiam anualmente a sindicalista, agricultora e defensora dos direitos humanos Margarida Maria Alves, assassinada há 50 anos, em Alagoa Grande, na Paraíba. “A Marcha das Margaridas” acontece desde 2000, no mês de agosto, e é organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG).
Durante toda a caminhada, moradores e comerciantes saiam de suas casas e estabelecimentos para ver as mulheres passarem. A aposentada Francisca Miguel de Souza gosta de ver a mobilização das agricultoras, mas não pode acompanhar a marcha porque há seis anos tem problemas de mobilidade. Filha de trabalhadores rurais, viveu da roça quando era adolescente e hoje complementa a aposentadoria com as vendas do fiteiro.
“A marcha está maravilhosa e muito bonita. Moro nesta rua há40 anos, mas não é sempre que vemos algo assim. Por isso, há dez anos eu vi a primeira marcha passar e faço o mesmo hoje”.
Maria da Paz, de 67 anos, lembra que estava no Rio de Janeiro quando a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o seu motorista Anderson Gomes foram assassinados a tiros na região central do Rio. Maria foi agricultora durante 40 anos, mas hoje está aposentada e atua no grupo de mulheres do Centro de Referência de Assistência Social do município de Lagoa da Roça.
“Recebi a notícia como um choque, uma tristeza. Até então, eu não conhecia Marielle, mas me reconheço como mulher negra e estou aqui por todas nós, para combater o racismo e lembrar de dizer não à reforma da previdência de Bolsonaro”.
Há também quem vem de longe para apreciar a marcha e se juntar aos cantos de luta das mulheres do campo. A professora de artes do Instituto Nacional de Educação de Surdos (RJ), Maria Lúcia Vinholi, de 53 anos, conheceu a marcha há cinco anos quando produziu estandartes para a mobilização a pedido da AS-PTA. Diz que se encantou com a luta das agricultoras e, principalmente, com a força delas.
“Aqui é muito verdadeiro. Há muito envolvimento dos jovens. Eles participam e sabem falar da agroecologia de maneira muito linda, comovente e envolvente. A gente se encanta e tem vontade de compartilhar essa realidade com os jovens de lá (do Rio de Janeiro)”.
Enquanto a marcha seguia por Remígio, a agricultora Josefa Miranda dos Santos, de 58 anos, aguardava a chegada das mulheres no Parque da Lagoa com a sua barraca repleta de frutas agroecológicas para vender na feira “Sementes e Sabores”. Ao mesmo tempo que vendia seus produtos, Josefa respondia à reportagem. “Já me aposentei há quatro anos, mas continuo como agricultora. Participo da marcha desde a primeira, mas só nesta fiquei na feira.”
Quando questionada sobre a sua identificação com Marielle Franco, ela lamenta a morte da vereadora carioca e diz que hoje está ali para representá-la.
Marcia Araújo dos Santos, 36 anos, é secretaria do Sindicato de Água Seca (PB) e integrante do Grupo de Teatro do Polo da Borborema. Na 10ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, ela interpretou a personagem “Zefinha”, uma jovem negra que sonha em concluir os estudos, mas tem que trabalhar como empregada doméstica para contribuir no sustento da família.
A história encenada por Márcia evidencia como o racismo e o machismo se manifestam no ambiente doméstico e também na relação entre patrões e funcionárias.
“Minha mãe trabalhou em casa de família e essa peça que apresentamos hoje é muito parecida. Minha mãe tinha que dormir num quarto separado da casa dos patrões e só podia almoçar depois que eles almoçassem. Ela me levava para ajudar. Muitas mulheres se identificam com essa realidade. Eu me orgulho de ser negra e agricultora”, conta.
Ao final do ato, que durou cerca de cinco horas, as manifestantes dançavam ciranda ao som de Lia de Itamaracá para mostrar que não existe cansaço na luta pelos direitos do povo do campo. Aquelas que não moram em Remígio começaram a se despedir e ir ao encontro dos ônibus que voltaram para os outros municípios do Planalto da Borborema (PB).
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