BIOMASSA

Opção ‘limpa’, renovável
e de baixo custo
No País, a biomassa ocupa a segunda colocação, em energia renovável, com quase 10% da matriz energética

Aline Vieira Costa

A Nossa Pegada

Juliete Oliveira, engenheira eletricista e coordenadora técnica da Conectrom
Plantação de cana-de-açúcar na Zona da Mata sul de PE | Foto: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Quando pensamos em biomassa e em práticas sustentáveis, é bem provável que a primeira lembrança seja relacionada à culinária. Afinal, é bem comum encontrar, em dietas saudáveis, uma diversidade de receitas que utilizam a biomassa de banana verde. O poder da biomassa como fonte de energia, no entanto, vai além da nutrição. Ela consiste em toda matéria orgânica de origem vegetal e animal e pode ser usada de diferentes formas para a produção de energias mecânica, térmica e elétrica, de forma “limpa”, renovável e de baixo custo, a partir da decomposição dos resíduos. A energia da biomassa é, portanto, uma forma indireta da energia do sol armazenada após a fotossíntese.

A queima da madeira para a produção de luz e calor é um exemplo do quão antigo é o uso de biomassa, que acompanha o ser humano desde tempos remotos e continua presente na vida das pessoas por meio de produtos que são feitos a partir desse processo. Outra forma bem conhecida de consumo dessa fonte é o combustível etanol, popularmente chamado de “álcool”. O derivado da cana-de-açúcar, que é o principal produto agrícola da região Nordeste, é a fonte de biomassa mais utilizada no Brasil e no mundo.

No País, a biomassa ocupa a segunda colocação, em energia renovável, com 9,1% de oferta elétrica nacional, ou seja, quase 10% da matriz elétrica, número que só perde para a hidrelétrica (65,2%) e que está logo acima da eólica (8,8%). Os números foram retirados do Balanço Energético Nacional (BEN) de 2021, que analisou dados de 2020. É importante considerar que combustíveis fósseis, como carvão mineral, gás natural e petróleo, apesar de derivados de animais, vegetais e minerais, não são considerados biomassa, uma vez que a fonte necessita de milhões de anos em processo de transformação, não sendo, portanto, consideradas renováveis.

Entre as fontes de biomassa utilizadas para geração de energia estão as agroindustriais, biocombustíveis líquidos, florestas, resíduos animais e resíduos sólidos urbanos. A maior demanda de consumo final, ainda de acordo com o BEN 2021, fica com os setores industrial (44,8%), de alimentos e bebidas (25%), de transportes (23,8), energético (17,1), papel e celulose (11,8%), residencial (9,3), entre outros. Na indústria, é bastante utilizada em ramos como o de celulose e papel, siderurgia, cerâmica vermelha, padaria, gesso, beneficiamento da mandioca, têxtil e óleos vegetais.

Dados do Ministério do Meio Ambiente e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), publicados em 2018, no Biomassa para energia no Nordeste: atualidades e perspectivas, mostram que toda a oferta de biomassa disponível no Nordeste é duas vezes maior que a demanda total, não havendo, portanto, escassez. Mas, quando falamos em fontes legais, a demanda é mais que o dobro da oferta atual, sendo Pernambuco o Estado com demanda sete vezes maior que a oferta. Apenas o Piauí tem uma oferta maior que a demanda. Em 2015, a oferta legal representou apenas 21% do consumo total.

Segundo o relatório citado, quase 80% da oferta ainda não foi enquadrada nas normas legais vigentes e, para serem legalizadas, algumas fontes precisam apenas ser colocadas sob regimes de manejo sustentável, que é uma forma de administrar a exploração do recurso com o mínimo de impacto ambiental, o que torna a oferta sustentável e competitiva. Um exemplo é a floresta nativa nos biomas Cerrado e Caatinga. Fontes, como resíduos de cultivos de cana-de-açúcar e de coqueiros, no entanto, requerem ainda um processo de desenvolvimento tecnológico, logístico e de mercados.

Somente ao optar por uma fonte legal de biomassa, portanto, é possível conferir ao uso dela a legitimidade de vantagens reais como o baixo custo junto à diminuição da geração de poluentes, da redução de impacto do acúmulo de gases de efeito estufa e do reaproveitamento de recursos, a exemplo da utilização de resíduos orgânicos como o próprio lixo comum, cuja vida útil é comumente desperdiçada antes do tempo. Em contraponto, o uso da biomassa pode não ser vantajoso por possuir menor poder calorífico em relação a outros combustíveis, por contribuir com a formação de chuva ácida, no caso do biocombustível líquido, além do desflorestamento, no caso da biomassa não-renovável.

Aline Vieira Costa

A Nossa Pegada

Como transformar
biomassa em energia?

Para aproveitarmos os benefícios e vantagens da biomassa, é preciso que ela passe por processos de transformação variados:

Pirólise

Técnica por meio da qual a biomassa tem a decomposição acelerada por exposição a altas temperaturas sem a presença de oxigênio e gera uma mistura de sólidos (carvão vegetal), líquidos (óleos vegetais) e gases

Gaseificação

Se difere da pirólise por submeter a biomassa a temperaturas menores e gerar gases inflamáveis, como hidrogênio e monóxido de carbono, os quais podem servir à indústria química ou à alimentação de motores de equipamentos e ainda ser filtrados para a remoção de componentes químicos residuais

Combustão

Uma das formas mais comuns na indústria, com eficiência energética entre 20% e 25%, e bastante utilizada em caldeiras para mover turbinas por meio do vapor a alta pressão produzido pela queima da biomassa a altas temperaturas na presença abundante de oxigênio

Cocombustão

A biomassa tem desempenho energético entre 30% e 37% por meio da substituição de parte do carvão mineral em usinas termelétricas, o que reduz a emissão de poluentes e gera mais economia

Fermentação

É quando há a desintegração da biomassa por meio da ação de micro-organismos, o que gera o biogás, composto principalmente de metano e dióxido de carbono, que pode ser usado para alimentar fogões, aquecer água, movimentar turbinas e gerar energia elétrica, por exemplo

Juliete Oliveira, engenheira eletricista e coordenadora técnica da Conectrom
Heitor Sacalambrini Costa | Foto: Reprodução/Cersa

Perspectivas para a fonte

Diante de um cenário de matriz energética variada, com a diversidade de fontes energéticas renováveis que o País possui, conversamos com o físico, ambientalista, ativista antinuclear e professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Heitor Scalambrini Costa, que é mestre em Ciências e Tecnologias Nucleares (UFPE) e doutor em Energética (Universidade de Aix-Marselha, em colaboração do Centro de Energia Nuclear da França). As atividades acadêmicas dele se concentram no estudo e aplicações da energia solar fotovoltaica, em políticas energéticas para o meio rural e nos impactos socioambientais das fontes renováveis.

Scalambrini acredita que o Nordeste tem um papel de relevância para alcançar uma matriz elétrica sustentável, levando em consideração sol, ventos e áreas que poderiam ser utilizadas no sentido de produção de biomassa para fins elétricos. Para ele, essas fontes são fortes candidatas para a transição energética tão necessária em tempos de emergência climática, em que as emissões de gases de efeito estufa devem ser estancadas. A biomassa, em específico, tem um potencial subutilizado, que, segundo ele, depende apenas de decisões políticas para que novas práticas sejam adotadas.

Confira a entrevista completa:

Aline Vieira Costa – Como o senhor avalia o uso de biomassa como energia renovável no Brasil e no Nordeste?

Heitor Scalambrini Costa – Duas questões merecem destaque. A primeira é que uma matriz elétrica sustentável não terá uma única fonte de energia predominante, como foi na era do carvão e na era do petróleo. Um conjunto de energéticos farão parte desta cesta de oferta de energia. Por razões técnico-econômica, ambiental e social, a energia nuclear não fará parte desta miscelânea de energéticos.

A segunda é a necessidade de regionalizar as decisões sobre política energética em um país imenso e de tamanha diversidade disponível de fontes energéticas. Atualmente dispomos de um órgão de assessoramento à presidência da República, o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que decide a política energética nacional, não levando em conta as disponibilidades energéticas regionais, as potencialidades de consumo e geração. O modelo decisório assimétrico é todo no poder executivo federal, que sofre um enorme assédio de lobistas de plantão. 

Diante das questões expostas, vejo, sim, a contribuição da biomassa de modo regionalizado, com maior ou menor contribuição em função da região, da disponibilidade, das características sociais, econômicas e ambientais. A produção da energia, a partir da biomassa, pode atender às necessidades energéticas de origem gasosa, líquida e sólida.

No meio urbano, o gás produzido pela decomposição de matéria orgânica pode ser obtido nos aterros sanitários e na compostagem. Lamentavelmente, no Brasil, a destinação dos resíduos sólidos em cada um dos 5.570 municípios, mapeada recentemente pela Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes (Abetre), constatou que 2,7 mil cidades realizam descartes ainda em locais inapropriados. Soluções ambientalmente corretas seriam os aterros sanitários e postos de compostagem industrial, ambos para a produção de gás combustível para diversos usos.

No meio rural, uma solução seria a utilização de biodigestores residenciais, usando, como matéria-prima, na decomposição anaeróbica, resíduos vegetais e estercos de animais domésticos, como gado, ovelha, caprinos e suínos, o que permitiria atender a iluminação, o cozimento de alimentos e eventualmente o acionamento de equipamentos elétricos.

A produção do etanol, principalmente tendo como matéria-prima a cana-de-açúcar, é sem dúvida uma grande contribuição para o acionamento de veículos. Como também o bagaço da cana para a queima em termelétricas. Outros resíduos, como casca de arroz, resíduos madeireiros, etc, podem também ser “queimados” em termelétricas e produzir energia elétrica. As chamadas “florestas energéticas”, sem dúvida, podem e devem ter um papel importante em um modelo energético sustentável. Sem esquecer a enorme variedade de plantas oleaginosas que produzem óleo vegetal, também conhecido como biodiesel.

Logo, as opções que a biomassa oferece são inúmeras e diversificadas, cujo predomínio de um tipo ou outro dependerá da região. No Nordeste, em particular, a plantação de cana sobressai em Pernambuco e Alagoas, cujos subprodutos são atrativos para produção energética. Além de plantas e resíduos orgânicos diversos encontrados em outros Estados e que se prestam a produção de energia.

AVC – O que podemos esperar, para o Brasil e para o Nordeste, em termos de tendência para 2030, quanto ao uso da biomassa?

HSC – Sem dúvida é essencial, e mesmo condição necessária e suficiente para considerar o papel relevante que a biomassa possa ter, uma mudança no atual modelo de gestão do setor energético e elétrico. Ambos têm no Ministério de Minas e Energia (MME) o papel de coordenação das políticas energéticas, juntamente com outros órgãos que acabam gerando um emaranhado de dificuldades e participação de lobistas junto à definição do que fazer.

As florestas energéticas, plantações voltadas para a utilização da madeira para queima e produção de energia elétrica, têm sido estudadas pela Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) há vários anos em território baiano e poderia ser mais uma das alternativas para de vez incorporar a biomassa em uma desejada matriz sustentável, colaborando para a desejada e pretendida descarbonização da matriz brasileira, que tem no uso de termelétricas a combustíveis fósseis, na construção de mega hidrelétricas na região amazônica e na construção de usinas nucleares a base para a expansão da oferta de energia elétrica para os próximos anos, conforme definido pelas políticas governamentais.

AVC – O Nordeste apresenta algum diferencial ou potencial em relação ao restante do país?

HSC – Para alcançar uma matriz elétrica sustentável, o Nordeste tem um papel de relevância. Além do Sol e ventos em abundância, tem áreas que poderiam ser utilizadas no sentido de produção de biomassa para fins elétricos. Sem contar com o uso de dejetos urbanos, que, por meio da fermentação anaeróbica, e de outras tecnologias disponíveis, pode produzir gás para queima em motores veiculares e produção elétrica.

Olhando pela ótica da diversidade de fontes energéticas renováveis que o País possui, a biomassa, o sol e o vento são fortes candidatos para a transição energética tão necessária em tempos de emergência climática, em que as emissões de gases de efeito estufa devem ser estancados.

AVC – Quem são os principais usuários dela atualmente? E quem são os potenciais usuários? O senhor consegue ver algum motivo para a não-adesão?

HSC – Atualmente, a biomassa para fins energéticos mais utilizada no País é a cana-de-açúcar para a produção do etanol, usado na mistura com gasolina, ou mesmo puro. O subproduto, que é o bagaço da cana, é também utilizado para fins alimentares de animais em períodos de escassez alimentar no Nordeste.

Todavia, a queima para a produção de vapor de processo e produção de eletricidade são outros usos de grande relevância. Outras plantas, como as oleaginosas podem e devem também ser utilizadas na extração do óleo, conhecido como biodiesel. Ainda muito pouco se faz nesta direção pela ausência de decisões políticas.

AVC – Existe alguma possibilidade de a biomassa ultrapassar outras fontes de energia? Ou, ao menos, essa ideia seria interessante?

HSC – A questão não é quem será a fonte energética mais importante. A direção que devemos tomar é de apoiar as fontes renováveis e os modos de expansão destas tecnologias que menos impactam o meio ambiente. Uma matriz elétrica sustentável será alcançada aumentando a participação da biomassa, da energia solar, da energia eólica, e de outras fontes ainda pouco usadas em nosso País, mas que tem grandes vantagens, como a força das águas, como ondas, marés e correntes marítimas. Não podemos perder o bonde da história e não investir na pesquisa e estudos das fontes energéticas que os mares e oceanos oferecem, principalmente devido à grande costa que o Brasil possui com o Oceano Atlântico.

AVC – A biomassa seria, de fato, mais limpa que outras fontes renováveis?

HSC – Um conceito que tem que ser desmistificado, pois é falso, errôneo, é o da energia limpa. Não existe fonte limpa de energia. Devido ao uso de uma “fonte limpa”, “fonte verde”, tudo é permitido, inclusive impactar as pessoas e o meio ambiente, indo, de fato, na contramão do que se espera da fonte renovável, potencialmente importante pelo fato de a emissão de gases de efeito estufa ser zerada quando se realiza o balanço entre a produção da biomassa e o seu consumo para fins energéticos.

Quando é implantada a monocultura da cana-de-açúcar para produção do etanol e bagaço, por exemplo, são introduzidos vários aspectos negativos que acabam diminuindo as vantagens comparativas desta cultura. Também quando usamos uma tecnologia inadequada nesta atividade para a irrigação, o consumo de água dispara e a produção de energia elétrica para acionamento dos motores sobem muito.

AVC – O que o senhor diria sobre o potencial dela em relação às outras?

HSC – O potencial da biomassa no Brasil é subutilizado. Em função da localização do país nos trópicos, contando com uma das maiores insolações do mundo (número de horas de brilho solar), de terras agricultáveis, e água com grande disponibilidade (desde que o uso desta água seja racional). Aí estão os ingredientes necessários para um grande potencial da biomassa em contribuir para uma política energética inclusiva, democrática, justa e com controle social.

AVC – Existe possibilidade real de se conseguir utilizar resíduos orgânicos como biomassa nas cidades?

HSC – Sem dúvida “olhar” o lixo urbano não como um problema, mas como um atrativo social, econômico e ambiental, faz parte da primeira etapa na utilização dos resíduos orgânicos que inicialmente devem ser separados de outros materiais possíveis de serem reciclados e reutilizados.

Concluída a etapa da separação, toda matéria orgânica advinda dos dejetos domésticos tem grande potencial de produção de biogás em biodigestores industriais, com múltiplos usos, desde o acionamento de veículos, a produção de eletricidade, a refrigeração, etc.

Um exemplo é o município de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, que instalou, em 2019, uma usina na Central de Tratamento de Resíduos (CTR) local para gerar energia elétrica a partir do biogás produzido pela decomposição do lixo no aterro. Esse biogás move 12 motores da unidade de geração de energia e tem a capacidade de gerar, aproximadamente, 16,5 MW, podendo abastecer cerca de 65 mil residências com padrão médio de consumo.

AVC – Qual a grande dificuldade, do ponto de vista de Estado, em conseguir discutir e trabalhar esse tema, que envolve duas grandes questões: energia e lixo?

HSC – Ao meu ver, a questão principal reside na decisão política, na adoção de tecnologias apropriadas, que, mais do que nada, garanta a sustentabilidade da operação de produção, e de toda outra mentalidade e conhecimento que deverão prevalecer para que sejam adotadas decisões que levem em conta a ciência e as reais necessidades de produção e consumo.

Para que alcancemos a desejada e necessária matriz sustentável, é preciso democratizar as questões que envolvam as decisões em políticas energéticas. Hoje, esta decisão está a cargo do Conselho Nacional de Política Energética, órgão de assessoramento da Presidência da República composto, em sua ampla maioria, de ministros de Estado, sem a participação da sociedade civil. Assim, os lobistas agem com maior facilidade e acabam impondo ao País soluções que nada contribuem para a realidade que se impõe que é o enfrentamento das mudanças climáticas.

A atual política energética tem como prioridade aumentar a construção de usinas nucleares no País. Este é um exemplo de como o Brasil caminha na contramão da grande maioria dos países que já abandonaram a tecnologia nuclear. Quanto à questão do lixo produzido e utilizado, esta é uma vergonha nacional, dentre tantas que o povo brasileiro carrega em seu processo civilizatório. Tecnologia existe, o que não existe são decisões que transformem esta realidade dos lixões localizados nas entradas e/ou saídas das pequenas, médias e grandes cidades.

Eduardo Matos, superintendente de Implantação de Empreendimentos de Transmissão e Geração de Energia Elétrica

GNR Fortaleza

A energia que vem do lixo

No Brasil, de acordo com a CIbiogas, foram instaladas, entre 2003 e 2019, 670 usinas de biogás com finalidades de aplicação energética variadas, 12 delas no Nordeste e cinco em Pernambuco. A única que produz biometano – o gás natural de origem renovável – na região, é a Ecometano, uma subsidiária do grupo MDC que mantém uma usina no Ceará, a GNR Fortaleza.

O trabalho consiste em produzir biogás a partir da transformação da biomassa do aterro sanitário, em condições anaeróbicas, e depois purificá-lo para transformá-lo em biometano, que é o gás canalizado usado em edifícios, indústrias, comércios, postos GNV, etc, diferente do GLP, o de botijão.

De acordo com o diretor da GNR Fortaleza, Thales Motta, do volume que a região metropolitana consome de gás natural, vendido pela Petrobras, 15% vem do gás extraído de aterro sanitário pela GNR Fortaleza. “Esses 15% que injetamos na rede é um percentual muito grande. Em termos mundiais, em nenhuma outra experiência se injeta tanto gás renovável”, conta ele, que acredita no grande potencial dessa fonte no País. “Já fizeram programa de incentivo à energia solar, eólica, mas falta uma política integrada para incentivar o biometano, que hoje é zero”, observa.

Eduardo Matos, superintendente de Implantação de Empreendimentos de Transmissão e Geração de Energia Elétrica
Diretor da Kitambar, Antonio Marques, próximo ao forno onde são queimadas as biomassas. Nas mãos, a telha produzida pela empresa, à esquerda, retraço de madeira com serragem, e à direita um carrinho carregado de algaroba.

Prática sustentável no Agreste pernambucano

Mesmo na contramão, é possível encontrar mostras que provam que decisão, tecnologia, mentalidade e conhecimento existem, e apontam estar no caminho certo. É o caso de empresas que, por conta própria, buscam alternativas a usos “tradicionais” de energia. A fábrica de telhas Kitambar Artefatos e Cerâmicas, localizada em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, por exemplo, trocou, em 2007, a biomassa não renovável por biomassa renovável, como serragem e lenha de algaroba. Desde então, contribui para evitar o desmatamento de aproximadamente 400 mil m3 de lenha nativa da Caatinga. Esse número é cerca de 0,008% do bioma e, apesar de parecer pouco, é bastante representativo quando multiplicado por dezenas, centenas de indústrias desse e de outros ramos.

A serragem é adquirida de fornecedores que normalmente a descartariam por se tratar de um resíduo decorrente das atividades deles, como, por exemplo, da fabricação de móveis, o que gera uma receita extra para esses fornecedores que não possuem a venda de serragem como atividade principal. Já no caso da lenha de algaroba, por ser uma espécie exótica invasora, o corte da mesma é permitido pelos órgãos ambientais e, portanto, também é adquirida por meio de fornecedores. Ambas são utilizadas como combustível para os fornos na queima de artigos de cerâmica, como tijolos e telhas.

A mudança feita pela empresa, que foi a primeira fornecedora de telhas da região Nordeste a ganhar o certificado SocialCarbon, evitou, em 14 anos em meio, a emissão de 536.112 toneladas de CO2 equivalentes para a atmosfera e proporcionou ainda a geração de créditos de carbono. Estes possibilitam, desde a implantação do projeto, que a fábrica invista em melhorar a infraestrutura dela e adquirir novas tecnologias, o que gera, também, benefícios para a comunidade do entorno advindos de atividades socioambientais.

Essa e outras práticas socioambientais levaram a empresa a receber, por dois anos consecutivos, em 2014 e 2015, o Prêmio Sistema Fiepe (Federação das Indústrias de Pernambuco) de Sustentabilidade Ambiental, na categoria pequena empresa. Também em 2014 a Kitambar foi a única empresa do Norte/Nordeste que conseguiu vender créditos de carbono à Fifa na Copa do Mundo do Brasil.

De acordo com o diretor industrial da Kitambar, Antônio Marcos, tornar o processo mais sustentável demandou investimento, uma vez que o preço de biomassa renovável é superior ao da lenha nativa, e que foi preciso gastar com aquisição e manutenção de equipamentos que possibilitassem a alimentação dos fornos com os novos materiais. “Tal aumento de investimento acaba sendo compensado com a receita advinda dos créditos de carbono gerados pelo projeto”, avalia Antônio.

Eduardo Matos, superintendente de Implantação de Empreendimentos de Transmissão e Geração de Energia Elétrica
Carolina Pendl Abinajm – analista técnica da Sustainable Carbon

Para desenvolver esse trabalho, pioneiro nas duas regiões, a Kitambar conta com a parceria da Sustainable Carbon, uma consultoria especializada e líder na América Latina no desenvolvimento de projetos de reduções de emissões e de soluções ligadas ao gerenciamento de Gases de Efeito Estufa (GEE). De acordo com a analista técnica da Sustainable Carbon, Carolina Pendl Abinajm, a empresa possui 42 projetos com uso de biomassa voltados para a geração de energia térmica no país, sendo 12 deles no Nordeste e sete em Pernambuco.