EÓLICA

Ventos do Nordeste já produzem
mais que usina Belo Monte
No Brasil, o vento faz a curva no Nordeste e, literalmente, transforma essa força em energia.

Cledivânia Pereira
e Mirella Lopes

Agência Saiba Mais

No Brasil, o vento faz a curva no Nordeste e, literalmente, transforma essa força em energia. A região foi a primeira a instalar um parque de energia eólica no País, em 2006, e de lá pra cá catapultou a participação dessa matriz energética no Brasil. Em 15 anos, os ventiladores gigantes que alteraram a paisagem de cidades de 12 estados que dão endereço aos 726 parques instalados no País já produzem 10,6% de toda a energia gerada no Brasil.

Em números de junho de 2021, da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), os estados da região Nordeste são responsáveis por quase 80% da produção de energia eólica do País. Hoje, ainda é o Rio Grande do Norte que possui a maior produção – 5.574,8 MW. O Estado possui 191 parques instalados com 2.444 aerogeradores. Mas essa liderança nacional deve passar para a Bahia, que já produz 5.267,8 MW em 201 parques e 2.261 aerogeradores.

Dos nove estados do Nordeste, oito possuem produção de energia eólica. Apenas Alagoas não aparece no mapa da geração dessa matriz energética. Juntos, têm capacidade instalada de mais de 14.000 MW.

Para se ter ideia do tamanho e importância dessa produção, os parques eólicos do Nordeste juntos têm mais capacidade instalada de geração de energia que a Usina Belo Monte – a segunda maior do Brasil (fica atrás apenas da Itaipu) e uma das maiores do mundo. A capacidade instalada da Usina Belo Monte é de pouco mais de 11.200 MW.

E a expansão nacional da participação das eólicas na matriz energética não deve parar. Se entre 2011 e 2019 foram investidos, na matriz, aproximadamente R$ 187 bilhões, segundo dados da Bloomberg New Energy Finance, outros R$ 72 bilhões estão esperados até 2029. E a maior parte desses recursos serão direcionados para parques projetados para o Nordeste. É, definitivamente, o tipo de energia que mais cresce e de forma mais acelerada no País.

As eólicas também são apontadas como a matriz mais barata para enfrentar as, cada vez mais presentes, crises energéticas no Brasil.

Expansão para o mar com
investimentos da Europa

Além da sequência dos parques instalados em terra nos últimos anos, o Rio Grande do Norte também fechou um acordo, em novembro deste ano, com a empresa Copenhagen Infrastructure Partners, maior fundo de investimentos em energias renováveis no mundo, para a implantação de infraestrutura capaz de gerar mais 1,8 GW na produção de energia offshore (com turbinas instaladas no mar).

Estudos do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)/RN e de outros centros de pesquisa apontam que o Nordeste e o RN têm melhor capacidade de ventos e energia solar. “Diferentemente da Europa, onde há rajadas, aqui os ventos são mais constantes e mesmo quando eles diminuem, há forte incidência do sol. A implantação de parques offshore tende a crescer e deve passar dos 120 quilowatts. O mar aqui também é mais calmo, raso e também tem ventos constantes”, explica Emerson Batista, diretor regional do Senai de Senai/ RN.

O Rio Grande do Norte caminha para ser o primeiro Estado do País a ter produção de energia eólica offshore (no mar). Em setembro de 2021, a governadora Fátima Bezerra assinou acordo com a Internacional Energias Renováveis (IER) para desenvolver e implementar projetos de geração de energia eólica offshore e produção de hidrogênio verde.

A IER é uma empresa potiguar de consultoria e projetos em energias renováveis com mais de 2GW de projetos desenvolvidos no Nordeste. Em 2020, iniciou pesquisa relativa à energia eólica offshore, associada à geração de hidrogênio verde, no litoral setentrional do RN. O Complexo Eólico Offshore Ventos Potiguar prevê instalação de cinco usinas com capacidade de 2,7 gigawatts, 207 geradores, no mar localizado entre os municípios de Pedra Grande e São Bento do Norte.

“Estamos dando passos firmes para consolidar o primeiro parque de produção de energia no mar do Brasil”, afirmou a governadora Fátima Bezerra ao assinar o acordo. Em novembro deste ano, ela esteve na Dinamarca para firmar cooperação com objetivo de trocar conhecimento, experiências, dados e boas práticas relevantes para o desenvolvimento de energia eólica offshore.

A Dinamarca tem desenvolvido tecnologia para geração e produção de energia eólica offshore em larga escala. O RN aposta na matriz elétrica composta por 87% de fontes renováveis e um potencial ainda não explorado de geração de energia no mar.

Além do Rio Grande do Norte, pelo menos outros três estados do Brasil já se movimentam para concretizar projetos no mar: Ceará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.

Indústria de ventos muda paisagem e economia dos estados

No Rio Grande do Norte, entre 2019 e 2021, a procura por cursos de qualificação em energia eólica e fotovoltaica (solar) cresceu 170% no Senai, segundo Emerson Batista, diretor regional do Senai no Rio Grande do Norte.

“Atualmente, duas vertentes puxam a qualificação: a de vestuário e energia eólica e fotovoltaica. Os cursos variam de três a seis meses, a depender do que a pessoa tiver interesse. Um curso de eletrotécnica, que é mais completo, dura cerca de 18 meses. No caso dos cursos técnicos, exigimos Ensino Fundamental completo, já os de qualificação e aperfeiçoamento há uma variação, alguns pedem Fundamental, outros, Médio ou Superior”, detalha.

Não há dados sobre o número de pessoas empregadas no setor. A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico estima a criação 4 mil novos postos de trabalho na construção dos parques eólicos até 2022 no Rio Grande do Norte.

Segundo Emerson Batista, diretor regional do Senai/ RN, levantamento feito pelos cursos, 90% das empresas buscam pessoas com formação técnica, que vai desde a formação até a colocação da mão na massa, além dos engenheiros, que fazem mais um trabalho de acompanhamento. “A demanda na qualificação cresceu vertiginosamente nos últimos dois anos, algo em torno de 170%. Além de sermos os maiores produtores de energia, a ABEEólica também aponta que seremos o Estado que vai receber mais investimentos nos próximos anos”, explica.

Ele usa dados da Abeeólica que estima que para cada megawatt instalado, são gerados cerca de 15 empregos, seja diretamente na energia eólica, ou indiretamente, com restaurantes e pousadas e “principalmente, na manutenção e continuidade dos parques que é responsável por 854% dos empregos”.

De acordo com o diretor regional do Senai no Rio Grande do Norte, a média salarial no setor de eólica gira em torno dos R$ 6 mil, enquanto na indústria local esse valor fica nos R$ 2,5 mil. Atualmente, a maior parte dos equipamentos necessários para a instalação de um parque de energia eólica, como as hélices e turbinas, é importada.

“A instalação é fase que usa mais mão de obra, mas a maior riqueza é a que fica no seu entorno [do parque]. O RN ainda não produz os equipamentos dos grandes geradores, mas toda manutenção é feita aqui. Aqui no CT Gás nós formamos essa mão de obra que atua em todo o Brasil. Não é raro recebermos alunos de outros estados ou nossos alunos saírem para atuar fora. A maioria dos insumos é importada, mas há nacionalização de algumas peças. Os fabricantes são dos Estados Unidos, Europa e China. Há multinacionais estudando implantação de fábricas no Brasil com contatos iniciais no CE e RN, mas isso envolve também o aspecto político pela questão dos impostos”, avalia Emerson Batista.

Cledivânia Pereira
e Mirella Lopes

Agência Saiba Mais

Eduardo Matos, superintendente de Implantação de Empreendimentos de Transmissão e Geração de Energia Elétrica
Eduardo Matos, superintendente de Implantação de Empreendimentos de Transmissão e Geração de Energia Elétrica | Foto: Arquivo Pessoal

Eduardo Matos se formou em engenharia elétrica e atualmente ocupa o cargo de superintendente de Implantação de Empreendimentos de Transmissão e Geração de Energia Elétrica na Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco). Ele já está na empresa há 25 anos, sendo cinco no setor de telefonia e 20 no de energia.

A Chesf é a maior empresa do Brasil em termos de capacidade instalada e quantidade de linhas de transmissão, com atuação junto à Eletrobras. De olho no mercado de energia eólica, ele teve a iniciativa de se especializar no setor em 2019. Apesar de Trabalhar em Recife (PE), fez toda a especialização no CT Gás, em Natal (RN).

Você trabalha no setor de energia hidrelétrica, quando despertou para o potencial da energia eólica?
Notei o potencial na área com a publicação da ‘Carta dos Ventos’*, ainda no ano de 2008. O Rio Grande do Norte é o maior em termos de potência instalada e vendo essas oportunidades aqui na minha região, como no RN, Bahia e Ceará, que são os três primeiros com maior potencial, eu pensei: essa é uma oportunidade que não posso perder. Tem um centro de excelência de formação de mão de obra a 150 quilômetros da minha casa! Foi uma iniciativa minha. Trabalhava normalmente de forma presencial em Recife na semana e fazia o curso nos fins de semana. Apesar de majoritariamente, gerar energia por meio de hidrelétricas, a Chesf já tem parques de energia eólica no Nordeste.

* A Carta dos Ventos foi criada em 2008, pelo Fórum Nacional Eólic,o com o objetivo de definir diretrizes e desenvolver programas de incentivo econômico, fiscal e regulatório para esse mercado.

Essa especialização se refletiu em ganhos financeiros?
Ainda não porque a empresa precisa de mim no setor de transmissão, mas não tenho dúvida que isso vai acontecer. Hoje, já consigo transitar nos diferentes setores entre elétrica e eólica. Atuei implantando sistemas de transmissão para conectar os parques eólicos ao sistema elétrico. Ainda não resultou em maiores ganhos porque também não precisei ir atrás, mas estou tranquilo que esse conjunto de conhecimentos vai me colocar numa posição melhor quando eu precisar.

Como observa as oportunidades de emprego no setor?
Há oportunidade de trabalho nas diversas posições, seja no projeto, na implantação, operação ou manutenção. Há um centro de operação da Voltalia* perto de Mossoró. Isso representa geração de emprego para gente qualificada em toda cadeia produtiva.

*Empresa com sede na França que desenvolve projetos nos setores de energia solar, eólica, hídrica, biomassa e armazenamento, além de prestar serviços a outros clientes no desenvolvimento das diferentes fases de projetos do ramo de energias renováveis.

Está satisfeito com o que ganha hoje?
A remuneração no setor ainda fica acima do que é pago em média na região. Além disso, tem também a questão dos benefícios como auxílio alimentação, plano de saúde que, para a região, está melhor do que a média. Infelizmente, é uma região que sofre muito com a sazonalidade econômica, mas o setor energético tem a robustez de ser mais resistente a crises.

A pandemia chegou a afetar seu emprego?
Se você pega uma pessoa que trabalha no setor energético e uma que atua no comércio, por exemplo, na hora em que uma pandemia vem e fecha postos de trabalho, ela não afeta o emprego do colega que está no setor energético ou elétrico. Você fecha uma loja, mas não deixa de gerar energia. O varejo está mais sujeito ao poder aquisitivo das pessoas, mas a produção de energia não sofre tanto com essa variação da economia.

Juliete Oliveira, engenheira eletricista e coordenadora técnica da Conectrom
Juliete Oliveira, engenheira eletricista e coordenadora técnica da Conectrom | Foto: Arquivo Pessoal

Juliete Oliveira é engenheira eletricista com formação pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). Ela também é técnica em mecânica e em eletrotécnica, com especialização também pelo CT Gás de Natal (RN). Antes de ser coordenadora técnica, atuava no setor comercial da Conectrom, empresa potiguar especializada em redes de telecomunicações, fibra ótica, cabeamento estruturado, enlaces de rádios, assistência técnica em equipamentos, além de oferecer consultorias para utilização de recursos de comunicação.

Quando se interessou pelo ramo de energia eólica?
Sou engenheira eletricista e trabalho desde 2015 em uma empresa do segmento, a Conectrom. Inicialmente fazíamos o escopo de aterramento dos aero geradores nos parques eólicos e, mais recentemente, estamos executando as redes coletoras e ópticas até a subestação, o que é um avanço porque os contratos saíram da casa de 500k para 15 ou 20 milhões. O interesse sempre foi de crescimento profissional e de ajudar a empresa a se estabelecer nesse mercado.

Foi difícil conseguir um emprego?
Não porque eu já estava trabalhando na empresa na qual atuo no momento. Mas, pelo meu conhecimento de mercado e com as devidas qualificações, não falta emprego na eólica.

Qual a expectativa que tem em relação ao mercado?
A expectativa é que o mercado de eólica continue em franca expansão, pelo menos pelos próximos 10 anos e continuem surgindo oportunidades e geração de negócios. Os salários são bem maiores em obras no setor eólico. Semelhante ao petróleo, que é reconhecido pela exigência e maiores salários.

Impactos ambiental e social

Passados 15 anos da instalação do primeiro parque eólico no País e superada a euforia que traduzia quase que como sinônimos as expressões “energia eólica” a “energia limpa”, as sujeiras sociais e de falsas promessas no mercado profissional parecem já se acumular em “lixões” de narrativas econômicas.

Não são apenas as paisagens que têm mudado nos últimos anos em muitas cidades do Rio Grande do Norte. A construção de parques eólicos tem mobilizado não só empresas, investidores e trabalhadores, mas também pesquisadores e organizações da sociedade civil que deixam no ar questões relacionadas aos impactos ambientais e sociais resultantes da instalação dos parques.

A socióloga Zoraide Pessoa, doutora em Ambiente e Sociedade e professora do Departamento de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) estuda o impacto dessa nova cadeia produtiva no Nordeste – mais especificamente no RN. Ela coordena o laboratório Sociedades, Ambientes e Territórios que tem como foco estudar as questões socioambientais contemporâneas e pensar alternativas do ponto de vista crítico e propor políticas públicas que possam melhorar a articulação social nesses novos ambientes.

Eduardo Matos, superintendente de Implantação de Empreendimentos de Transmissão e Geração de Energia Elétrica
Socióloga Zoraide Pessoa, doutora em ambiente e sociedade e professora do Departamento de Políticas Públicas da UFRN

Há 10 anos ela se debruça sobre esse novo ambiente criado a partir das energias renováveis e tem dois olhares. O primeiro é reconhecer a importância que é pensar novas alternativas energéticas, que incluem a energia eólica. “Não há dúvidas que a gente precisa mudar a nossa dependência dos combustíveis fósseis”.

O segundo ponto que, também é reconhecido, é que, assim como as formas mais tradicionais de produção de energia, a cadeia das novas energias renováveis não é limpa nem ambientalmente correta. “E aí é que está o nó. Cria-se novas energias, mas não se muda a concepção desses empreendimentos. E gera uma série de impactos multidimensionais. Cria-se um bônus de energia renovável de energia limpa, mas o processo não é limpo”, ressalta a pesquisadora.

De acordo com os estudos já desenvolvidos na área, essa produção vem acarretando uma série de impactos nas regiões em que são implantados, nos ecossistemas onde estão se instalando.

Em 2017, Zoraide Pessoa orientou a dissertação de Moema Hofstaetter, na área de Ambiente e Sociedade que foi tida como pioneira no estudo dos impactos da energia eólica no Nordeste. O trabalho chegou a receber prêmio nacional de dissertação e conseguiu mapear os impactos ambientais e sociais que os parques eólicos estavam causando no Rio Grande do Norte. “Conseguimos mostrar as mudanças que esse processo trazia e a inoperância da gestão pública. O poder público atrai esses investimentos, mas não cria condições logísticas para controlar esses impactos”.

Zoraide Pessoa ressalta que os estudos não querem barrar a vinda desses investimentos. Mas defende que essa produção chegue dentro de uma cadeia sustentável. Há impactos ambientais (como desmatamento e instalações em ecossistemas frágeis); na paisagem; e os impactos sociais (criação de empregos sazonais – apenas na instalação dos parques). Há também a questão de conflitos pois muitos dos parques estão em áreas de assentamentos o que altera a dinâmica da produção dessas áreas. “É muito difícil chegar nessas áreas para investigar, até por uma questão de segurança pessoal do pesquisador”, ressalta a professora, lembrando que alguns parques, inclusive, estão instalados em áreas de preservação ambiental (com conivência do poder público).

“Empregabilidade é falácia”, denuncia pesquisadora

Moema Hofstaetter, doutora em Turismo e Desenvolvimento e integra o grupo de pesquisas do Laboratório Interdisciplinar Sociedades Ambientais e Territórios (LISAT) da UFRN

Moema Hofstaetter, doutora em Turismo e Desenvolvimento e integra o grupo de pesquisas do Laboratório Interdisciplinar Sociedades Ambientais e Territórios (LISAT) da UFRN

A pesquisadora Moema Hofstaetter hoje é doutora em Turismo e Desenvolvimento e integra o grupo de pesquisas do Laboratório Interdisciplinar Sociedades Ambientais e Territórios (LISAT) da UFRN. Ela deu andamento às pesquisas e é veemente: o discurso da empregabilidade no setor não passa de “falácia”.

“Não há números! Esse é um problema, ninguém consegue. Enquanto universidade, já solicitei, conversamos com empresas, pedimos dados, mas eles não aparecem. Na tese de doutorado, ela usou os dados atualizados da Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] e da Rais [Relação Anual de Informações Sociais] com número de contratados e demitidos no setor de energia que, aliás, tem saldo negativo. “Há número de contratados no Brasil, no Nordeste, no Rio Grande do Norte, por idade, sexo, por tipo de formação… você pode fazer o recorte que quiser, mas apenas no geral do setor de energia, não por fonte. Com isso, não conseguimos enxergar o que é o setor hidrelétrico, eólico, de petróleo… está tudo misturado”, argumenta, em entrevista à Agência Saiba Mais.

A pesquisadora defende que os estudos apontam que “não há interesse que esses números venham à tona, porque eles não são positivos. Esse discurso de emprego é mentiroso porque o trabalho gerado é precário, sazonal e de baixa remuneração. Não resolve a questão da pobreza, não gera desenvolvimento, ele é pontual”, critica Moema Hofstaetter.

No entanto, a pesquisadora lembra que o setor de energia eólica faz parte do que os pesquisadores chamam de “revolução no mundo do trabalho”, sistema no qual prevalece o emprego de pouca mão de obra, com o uso de muita tecnologia para substituir o trabalho que seria executado pelo ser humano há alguns anos, o que resulta em baixa empregabilidade.

“Os empregos locais duram de seis a 18 meses. É o tempo para retirada da vegetação, construção das estradas e carregamento dos equipamentos para os canteiros de obra. A energia eólica está dentro dessa nova revolução do mundo do trabalho em que os empregos não acontecem mais no local, mas a partir de uma sala de computadores de onde se faz o monitoramento de tudo isso. Por exemplo, em São Miguel do Gostoso, perto do assentamento Maria Aparecida, tem uma estrutura de uma empresa com um técnico que serve a todos os parques da região. Se na Europa o computador avisa que uma torre parou de funcionar, e eles ficam sabendo antes do técnico aqui, essa pessoa é deslocada para resolver o problema. É pouquíssima mão de obra, ainda tem uma psicóloga, uma assistente social, um vigia e uma responsável por serviços gerais”, aponta Moema Hofstaetter.

Conflitos empurraram investimentos para o mar

A professora Moema Hofstaetter aponta que não se justificativa a construção de parques eólicos offshore, ou seja, no mar. Uma decisão que seria agravada pela falta de estudos de impacto ambiental. Ela lembra que não existe parque eólico offshore abaixo da linha do Equador. “Todos os que existem estão acima, na Holanda, Irlanda, Finlândia, Suécia, países para os quais se justifica a geração de energia pelo mar porque são locais com pouca terra e eles precisam da terra para produzir alimentos. No caso do Brasil, não tem essa justificativa”.

Ela acredita que esses parques offshore estão sendo construídos para evitar conflitos com as comunidades. “É mais fácil construir um parque eólico no mar, porque quando você está num território, acaba tendo que enfrentar conflitos, os mesmos que temos denunciado aqui. Se você conversar com qualquer pessoa que acompanha esse debate na Europa, eles afirmam que lá a população não aceita a forma com que os parques eólicos estão sendo implementados aqui [no RN], porque lá as pessoas têm uma consciência muito maior”, argumenta Moema Hofstaetter.

Não faltam apenas estudos de impacto ambiental. Na verdade, também não há pesquisas de impacto na saúde humana no caso dos parques instalados em terra. Recentemente, no último dia 8 de novembro, o jornal The Guardian noticiou a sentença de um tribunal francês que reconheceu a “síndrome da turbina” depois que um casal reclamou que sua saúde foi prejudicada por morar perto de um parque eólico.

Ao todo, seis turbinas eólicas foram instaladas, em 2008, a 700 metros da residência do casal, em Fontrieu, no Tarn, sul da França. Eles notaram os problemas de saúde cinco anos depois da instalação das turbinas e agora foram indenizados em mais de € 100.000. A decisão é a primeira sentença desse tipo na França e está entre as pioneiras no mundo.

“Isso abre um precedente. Não há necessidade de implantação de offshore. Entendo que em razão da nossa plataforma marítima ser bastante rasa, o que acaba sendo menos custoso do que na Europa e países nórdicos que possuem mares mais profundos, muitas empresas estão de olho no Rio Grande do Norte e Ceará. Mas, há a questão do cabeamento, do campo eletromagnético, das aves e populações marítimas. Há um vazio de estudos, não sabemos de fato o que pode acontecer”, ressalta a pesquisadora.

Problemas sociais são subdimensionados

Filhos dos ventos. É como têm sido chamados os filhos de técnicos dos parques de energia eólica que passam de cidade em cidade, para prestar serviço à empresa, e acabam engravidando mulheres desses municípios. O problema é que eles vão embora sem assumir a paternidade. Esse é um dos pontos de dimensão social ignorados pela empresa, pelo funcionário e pelos gestores.

“Não adianta a empresa dizer: ‘Ah, nós fazemos um cursinho para nossos funcionários dizendo que eles têm que respeitar as mulheres do município porque eles estão só de passagem’. A pesquisadora defende que as empresas precisam ser responsabilizadas por essa questão social, já que “a pessoa passa a viver no município em função do trabalho”.

Outro agravante, na avaliação da professora da UFRN, é a possível perda de cobertura social, que no caso do Bolsa Família era pago às mulheres, com o surgimento de empregos temporários nos parques eólicos. Na prática, com a entrada de renda nas famílias pobres, elas deixam de ser assistidas pelos programas de assistência social dos governos. No entanto, em alguns meses essa família perde não só o emprego, mas toda a cobertura social que possuía antes.

“A partir do momento em que o marido dessa mulher trabalha para uma empresa de energia eólica e ele tem seu um salário mínimo registrado em carteira, aumenta-se a renda dessa família e têm ocorrido que muitas mulheres deixam de receber o Bolsa Família. Acontece que dali a seis meses a empresa demite essa pessoa e o homem está desempregado novamente, mas a mulher não tem mais o Bolsa Família. Não existe uma responsabilidade, pondera Moema.