CRISE ENERGÉTICA

Renováveis mostram caminhos para a Sustentabilidade
Ao enfrentar a maior crise energética nos últimos 20 anos, Brasil reacende alerta e busca de diversificação nas renováveis

Isabelli Fernandes

Eco Nordeste

A produção de energia, como na Usina de Sobradinho, por meio da hidroelétricas ainda é a principal fonte de abastecimento no Brasil | Foto: ANA

A produção de energia, como na Usina de Sobradinho, por meio da hidroelétricas ainda é a principal fonte de abastecimento no Brasil | Foto: ANA

Você consegue imaginar a sua vida sem energia elétrica? Ela torna possível o exercício de atividades noturnas, a conservação de alimentos sob refrigeração, uso de celulares, computadores e diversas outras facilidades. No entanto, para ter acesso a tudo isto, precisamos atentar às fontes utilizadas à geração desta energia tão essencial.

No Brasil, temos uma distribuição de energia formada por fontes renováveis e não renováveis. De acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN) de 2021, tendo 2020 como ano-base, 51,6% da oferta interna de energia foi realizada por fontes não renováveis e 48,4% por fontes renováveis. Na distribuição geral, o petróleo e seus derivados (33,1%) e a biomassa (19,1%) foram os principais geradores do País.

Apesar de ser capaz de usar fontes variadas para geração de energia, ao longo da história, o Brasil enfrenta aumento de tarifas e as crises na geração de energia nacional assombram muitos brasileiros e brasileiras. A mais recente reacendeu a dúvida: como tornar a distribuição energética mais sustentável para o presente e o futuro?

No momento, o País está em um cenário climático caótico para a produção de energia por meio das hidrelétricas, fator determinante para a crise energética. Mas ele não é uma surpresa para os especialistas na área. A situação foi prevista com antecedência, desde a crise, no início dos anos 2000, a natureza envia sinais preocupantes.

Crise energética nacional

Nos últimos meses, o Brasil está passando pela pior crise energética nos últimos 20 anos, a última havia sido em 2001, quando o País enfrentou uma série de “apagões” por dificuldade em gerar energia suficiente para todo o território. Em 2021, o fantasma retornou para assombrar o brasileiro, um dos fatores que tem colocado o País nesta situação é outra crise: a hídrica.

Esta situação impacta diretamente a principal fonte de energia do Brasil: as hidrelétricas. Elas geram energia a partir da água armazenada em reservatórios, ou seja, com a falta de chuvas, resultado das mudanças climáticas, a quantidade de água não atinge os níveis necessários. Levantamento, feito pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), mostrou que, nos últimos sete anos, os reservatórios das usinas hidrelétricas receberam um volume de água inferior à média histórica, dificultando o atendimento das demandas internas de produção de energia para um país inteiro.

A falta de chuva impacta diretamente a geração de energia | Foto: Maristela Crispim / Eco Nordeste
A falta de chuva impacta diretamente a geração de energia | Foto: Maristela Crispim / Eco Nordeste
Apesar de separadas por duas décadas, as crises de 2001 e 2021 guardam elementos em comum. Para Paulo Carvalho, professor titular do departamento de engenharia elétrica da Universidade Federal do Ceará (UFC), os aspectos políticos têm impactado diretamente na situação que o Brasil está enfrentando. “Tanto agora como em 2001 havia a crença de que o setor privado deve assumir toda a questão da geração de energia. Vimos que, nos dois períodos, foram feitos cortes de investimentos na geração e o setor ficou bastante debilitado”, aponta o professor.

Além do baixo investimento na geração de energia, o setor de pesquisa das universidades também tem sido afetado por cortes. Em outubro, o Congresso aprovou o remanejamento de R$ 600 milhões no orçamento destinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, áreas que são fundamentais para a pesquisa no setor elétrico, o que dificulta a produção acadêmica que poderia auxiliar no enfrentamento da crise.

Muitos questionam os caminhos possíveis a serem seguidos para evitar crises energéticas no País. Entre as opções, o uso de recursos renováveis é visto como uma saída. Apesar disso, é necessário entender que muitos fatores geram impactos nessa produção, como a intermitência, que impede que os recursos necessários para a produção de energia renovável estejam disponíveis todo o tempo.

A disponibilidade de água é sazonal e precisamos estar preparados para cenários adversos, não apenas para abastecimento, mas para geração de energia | Foto: Maristela Crispim / Eco Nordeste
A disponibilidade de água é sazonal e precisamos estar preparados para cenários adversos, não apenas para abastecimento, mas para geração de energia | Foto: Maristela Crispim / Eco Nordeste

“Não estaríamos vivendo a crise hídrica se a água estivesse disponível o tempo todo. Considerando essas energias, que seriam menos agressivas, por serem intermitentes, não dá para imaginar que 100% vai ser atendido por renováveis. Seria possível aproximar se tivesse uma gestão que pudesse administrar várias fontes ao mesmo tempo”, avalia Célio Bermann, professor associado III do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos.

Com tantos fatores e questões, é necessário entender a questão energética no Brasil para construir caminhos viáveis de diversificação.

Desmatamento prejudica
a geração de energia

Somado à irregularidade das chuvas, o aumento da temperatura também interfere diretamente, pois a água evapora com uma facilidade maior, e faz com que os reservatórios percam quantidades maiores de água em períodos mais curtos. Além disso, como as principais usinas hidrelétricas do País estão localizadas nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, o desmatamento da Amazônia, o pior nos últimos dez anos, também impacta na incidência de chuvas no território.

Isabelli Fernandes

Eco Nordeste

Opções disponíveis a partir de fontes renováveis

Existem muitas opções de energias renováveis disponíveis para geração de energia, todas elas possuem os prós e contras. No Brasil, é possível analisar as seguintes possibilidades:

Energia eólica

Com os principais parques localizados no Nordeste, a energia eólica corresponde a 10,9% da matriz elétrica brasileira, de acordo com o ONS, e espera-se que este percentual chegue a 13,6% até o fim de 2025. Entre as vantagens do uso da energia eólica estão a não emissão de gases poluentes e a diminuição de gases do efeito estufa (GEE). Como usam a força do vento para operar, um dos pontos negativos das usinas eólicas é a interferência na vida de aves e morcegos – que acabam morrendo ao se chocarem com as estruturas dos cataventos.

Energia solar

De acordo com o Ministério de Minas e Energia, em 2020 a capacidade instalada em energia fotovoltaica cresceu 66% no Brasil. Atualmente, a energia solar representa 2% da matriz elétrica do País, podendo chegar a 2,9% até o fim de 2021, segundo estimativas do ONS. A energia solar se destaca por possuir um baixo custo de funcionamento, todavia, o preço da aquisição ainda é elevado.

Energia nuclear

Responsável por aproximadamente 3% da energia produzida no Brasil, entre as vantagens atribuídas pelos defensores da instalação das usinas nucleares estão o uso do urânio como combustível para geração de energia – pois o Brasil possui uma enorme reserva do elemento químico – e o pouco espaço ocupado pelas usinas, permitindo que elas fiquem próximas dos grandes centros. Já os críticos, alertam para os riscos dos acidentes nucleares, como a tragédia de Chernobyl e as explosões na usina de Fukushima.

Biomassa

Entendida como a quantidade total da matéria viva existente no ecossistema, como madeira, resíduos agrícolas, resíduos de animais, etc, a biomassa pode ser utilizada para gerar energia por meio de quatro processos: pirólise, gaseificação, combustão ou co-combustão. A biomassa tem como vantagem o fato de ser uma fonte de energia renovável e com um custo de aquisição mais barato, em contrapartida, causa desmatamento, destruição de habitats e também pode gerar chuva ácida ao trabalhar com biocombustíveis líquidos.

Hidrogênio verde

Visto como um grande potencial para geração de energia sustentável, o hidrogênio verde é produzido a partir da eletrólise da água, processo que transforma a molécula H20 em hidrogênio e oxigênio. Com esse processo, evita-se a produção tradicional a partir de gás natural ou carvão, resultando na emissão de dióxido de carbono.

População sente os impactos da crise

Diante deste cenário, em maio de 2021, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) sinalizou a necessidade de acionar as usinas termelétricas, responsáveis por produzir energia com a queima de combustíveis fósseis, como carvão, petróleo e gás natural. Para custear esta produção, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) instituiu uma nova bandeira, 49,6% mais cara que a vermelha patamar 2, elevando o preço da cobrança para R$ 14,20 a cada 100 kWh consumidos. O resultado pôde ser sentido pela população: as contas de energia estão mais caras.

As linhas de transmissão transportam a energia das usinas geradoras até as distribuidoras, após isso ela é entregue ao destino final que é o consumidor| Foto: Brett Sayles / Pexels
As linhas de transmissão transportam a energia das usinas geradoras até as distribuidoras, após isso ela é entregue ao destino final que é o consumidor| Foto: Brett Sayles / Pexels
Para Ana Maria de Castro, aposentada, o aumento na conta de energia tem prejudicado o orçamento e dificultado honrar com todos os compromissos. “Antes, a energia já era um pouco cara para a gente que mora em casa mais simples e sozinha, mas tem um tempo que ela começou a crescer e pegar uma parte do dinheiro do mês. Não sei nem olhar a bandeira vermelha que eu vejo falar na TV. O que eu sei é que agora está tudo caro, comida, gás, energia… Em alguns meses a gente faz milagre e consegue, com muito suor, pagar tudo, mas nem sempre é assim”, explica a aposentada.

Esta é uma realidade de muitas famílias, principalmente das mais humildes, que em alguns casos sofrem por não ter conhecimento sobre o assunto e acabam precisando apertar o orçamento para conseguir quitar todas as dívidas. Ao enfrentar mais uma crise, o brasileiro deve se perguntar: como evitar que esta situação se agrave?

Como as renováveis podem
nos tirar da crise?

Uma das formas de minimizar a incidência de crises energéticas seria investir no gerenciamento de várias fontes ao mesmo tempo. Quando o Brasil enfrentou a crise energética em 2001, o País dependia das usinas hidrelétricas para produção de energia em um patamar superior a 80%. Em 2021, a realidade é outra. De acordo com o ONS, a dependência da energia hidráulica alcança hoje um percentual de 63,09%. Apesar de ainda ser alto, a queda gradativa nos últimos anos mostra a possibilidade de diminuir esta dependência, e o caminho sustentável para isto está na produção de outras fontes renováveis.

O Balanço Energético Nacional, ano-base 2020, mostrou que o aumento das fontes de energias renováveis tem sido o principal motivo para a queda da dependência das usinas hidrelétricas. Na capacidade de produção, as que mais se destacaram foram: biomassa (9,1%), eólica (8,8%) e gás natural (8,3%). Já a participação da energia solar passou de 1,0% em 2019 para 1,7% em 2020, atingindo 10.750 GWh (gigawatts hora) de geração elétrica, um crescimento de 61,5%.

Impactos das eólicas
para as comunidades

Ainda que seja vista como uma opção de energia sustentável, e possua muitas vantagens, não se pode desconsiderar os impactos que a instalação dos parques eólicos trazem para as comunidades locais.

Entre estes impactos, está a mudança na relação das comunidades com o espaço onde elas vivem, já que empresas passam a ocupar áreas para a instalação dos parques eólicos. “Pelos relatos podemos dizer que o principal impacto sobre as comunidades é com relação à apropriação do espaço e uma perda de valor afetivo e cultural que as pessoas têm em relação às áreas atualmente ocupadas pelas torres eólicas”, compartilha Thiago Santos, mestre em Energia, pela USP, que na sua dissertação de mestrado estudou os impactos da energia eólica no Brasil, incluindo a instalação de parques eólicos na região de Trairi, no Ceará.

As turbinas para a geração de energia eólica ocupam extensas áreas do Nordeste e impactam o cotidiano de muitas comunidades | Foto: Maristela Crispim
As turbinas para a geração de energia eólica ocupam extensas áreas do Nordeste e impactam o cotidiano de muitas comunidades | Foto: Maristela Crispim
O conjunto eólico de Trairi inclui os parques do próprio município e também das localidades de Flecheiras, Guajiru e Mundaú. Instalado em 2014, o projeto dos parques eólicos foi anunciado em 2011, e, na época, encontrou resistência por parte dos moradores. Anos após o início das operações, as pesquisas de Thiago mostram que os moradores das comunidades relatam a piora da qualidade da água das lagoas temporárias e dos poços depois da instalação das fundações das torres das turbinas. “Os próprios entrevistados apontam que não podem dizer que essa piora da qualidade da água é resultado da instalação das torres eólicas, mas esse problema começou depois da construção”, ressalta o pesquisador.

Além das mudanças nos recursos naturais, as expectativas dos moradores de que com a chegada dos parques eólicos haveria mais oportunidades de emprego também foram frustradas, uma vez que as vagas, em grande maioria, eram temporárias ou com baixa remuneração.

“Considerando o valor financeiro criado pela geração eólica em relação aos poucos recursos que ficam na comunidade — empregos criados e financiamento de projetos — os projetos eólicos, como costumo dizer, concentram impactos negativos nas comunidades locais, distribuem os impactos positivos ao meio ambiente e privatizam os lucros dessa geração de energia. Lucros esses que são remetidos para a sede das empresas, muitas delas no exterior”, avalia Thiago.

Projetos na terra e no mar

O Nordeste possui grande potencial para a geração de energias renováveis. Além das mais conhecidas, como solar e eólica onshore, está em andamento também um projeto para implantação da energia eólica offshore, no Porto do Pecém, no litoral oeste do Ceará, com aerogeradores colocados no mar. A torre piloto terá potencial de 15 MW.

No entanto, conforme explica o professor Célio Bermann, é preciso ter atenção aos impactos do uso desta energia. “Ela impede, por exemplo, o transporte marítimo, dependendo da localização. Como é que vai ser a trajetória dos grandes navios que utilizam o Terminal Marítimo de Pecém para poder navegar entre várias Torres no meio do mar? Esse é um problema. O segundo é justamente a consequência para a fauna marinha”, aponta o pesquisador.

Mau aproveitamento das fontes

Ao longo dos anos, o Nordeste acompanhou o desenvolvimento da energia solar e eólica em seu território, contexto que tem ajudado a região a se tornar uma exportadora de energia. “A eólica deu um salto muito grande. Hoje ela já chega a representar quase 10% da energia gerada na matriz elétrica brasileira. E a energia que ela produz atualmente é maior do que a energia total consumida pelo Nordeste. Ou seja, ela poderia atender a todo o Nordeste e mais ainda. Esses recordes têm sido batidos ano a ano porque o crescimento é muito grande”, explica Heitor Scalambrini, professor aposentado da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).

Mesmo a região nordestina tendo um potencial de suprir as necessidades energéticas do Nordeste e atender também outras regiões, ainda há um mau aproveitamento das fontes disponíveis. Um exemplo disso são as usinas instaladas na Bacia do Rio São Francisco, com projetos ainda não finalizados. Um deles é em Itaparica, que fica no Médio São Francisco, com uma potência instalada de 2.500 megawatts, e com o funcionamento atual de apenas 1.500 megawatts. O projeto inicial para a região incluía a operação de 10 turbinas de 250 MB cada, mas apenas seis delas estão instaladas, perdendo um potencial de mil megawatts.

Um caso semelhante acontece na Usina de Xingó, próxima ao encontro do Rio São Francisco com o Oceano Atlântico. Lá também havia o projeto para 10 turbinas instaladas, cada turbina de 500 megawatts, totalizando 5.000 megawatts. No entanto, apenas seis estão instaladas, gerando 3.000 megawatts.

“Se faz um projeto como foi o da transposição, que traz ainda mais água do Rio São Francisco, para, na minha avaliação, enriquecer os donos de terra. Os canais foram colocados, mas a população nordestina, que deveria ter os benefícios da transposição, não está tendo. Só os grandes proprietários de terra que tiveram o acesso à água do rio por meio dos canais que foram construídos, muitos deles não estão nem operando até hoje, o que mostra como é que se administra a água e a energia no nosso País. É uma calamidade, uma irresponsabilidade”, avalia Célio Bermann.

Usinas nucleares: vale o risco?

Ao gerarem energia elétrica a partir das reações nucleares de elementos radioativos, as usinas nucleares são vistas com bons olhos por aqueles que defendem a ausência dos riscos com os problemas climáticos, tanto pela emissão zero de gases geradores de efeito estufa, quanto pela crise das usinas hidrelétricas em virtude da baixa precipitação de chuva.

No entanto, as usinas nucleares também carregam o peso dos acidentes que, no passado, já causaram verdadeiras catástrofes, como as de Chernobyl, na Ucrânia, e Fukushima, no Japão. Os casos sempre são lembrados quando se discute a instalação de usinas nucleares, visto que, quando acontecem explosões nos reatores nucleares, há vazamento de material radioativo, trazendo graves consequências para a saúde da população.

Atualmente, no Brasil existem duas usinas em operação, Angra 1, que entrou em funcionamento em 1985, e Angra 2, que começou a funcionar em 2001, além do retorno previsto para as obras na usina Angra 3. Um dos assuntos que está em pauta nas agendas governamentais é a instalação de novas usinas nucleares, sendo o Nordeste a região escolhida para as construções. Mais precisamente, já se estuda a instalação de uma usina em Itacuruba, no sertão pernambucano. Localizada na região do Médio São Francisco, a cidade possui cerca de cinco mil habitantes, entre eles população ribeirinha, pescadora, quilombola e indígena.

Usina nuclear em Angra dos Reis (RJ) | Foto: Eletrobras / Eletronuclear
Usina nuclear em Angra dos Reis (RJ) | Foto: Eletrobras / Eletronuclear
Para o professor Célio Bermann, não existe a necessidade da instalação de usinas nucleares, pois, além do mito de que elas são mais baratas, também há o risco dos acidentes nucleares, uma vez que é preciso uma grande quantidade de água para resfriar os reatores. No caso da instalação em Itacuruba, o possível desastre está estampado para quem quiser ver. “Querem colocar uma central nuclear que vai exigir que estejam disponíveis 253 mil litros por segundo em uma região – do médio São Francisco – que em 2017 teve uma vazão mínima de 506 metros cúbicos por segundo. Isso significa o seguinte: querem construir uma usina que vai precisar de metade da água do Rio São Francisco”, alerta o especialista.

Mesmo com os alertas feitos por pesquisadores, o atual governo segue tratando a instalação de usinas nucleares como uma prioridade. De acordo com o Plano Nacional de Energia, até 2050 o Brasil deve ter um potência de 10 mil megawatts de geração por reatores nucleares, o projeto inclui as usinas Angra 1, Angra 2, Angra 3 e o complexo a ser construído em Itacuruba, que deve contar com a instalação de seis reatores.

Levando em consideração o vasto potencial de produção de energia com outros recursos renováveis, como a solar, eólica e até mesmo marítima, não existem argumentos que justifiquem os riscos assumidos com a instalação de usinas nucleares. Para o professor Heitor Scalambrini, “essa instalação não tem o menor sentido, principalmente pela quantidade de opções que nós temos. A energia nuclear tem vários aspectos negativos, eu não vejo aspecto positivo nenhum. Muitos falam que é importante o Brasil continuar o desenvolvimento em energia nuclear para a gente não ficar atrás do que está se fazendo em outros países, mas, do ponto científico e tecnológico, não precisa de uma usina nuclear. Basta pequenos reatores de pesquisa instalados nas universidades, onde o estudo continua. O que nós somos radicalmente contra é a instalação de usinas para produzir eletricidade”.

A instalação da usina em Itacuruba encontra resistência na Constituição de Pernambuco, que em seu artigo 216 proíbe a instalação de usinas nucleares enquanto não se esgotar toda a capacidade de produzir energia a partir de outras fontes. Mas, com a movimentação das forças políticas decididas a levar a instalação à frente, nos bastidores, Rosa Weber, vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do artigo, o que pode facilitar a instalação do complexo nuclear em Pernambuco.

Geração distribuída de energia

Uma alternativa para diminuir os impactos causados pela crise no abastecimento energético, que eleva os valores da energia em todo o País, pode ser encontrada na geração distribuída, modelo com a participação direta do consumidor na produção de energia por meio de recursos renováveis. Com esta prática, a distribuição enérgica não fica na mão apenas de grandes usinas elétricas, tornando-se mais democrática para a sociedade.

A REN 414, publicada em 2012, é a resolução normativa responsável por instituir o modelo de compensação de energia que possibilita o uso da energia distribuída. Tendo a normativa como base, os sistemas de microgeração são aquelas que possuem potência instalada de até 70kW e na Minigeração uma potência entre 70kW e 5MW.

O uso da geração de energia distribuída vai de encontro à complexidade do sistema gerador já existente, no qual os grandes sistemas concentrados, como as termelétricas, geram custos mais elevados para comportar e garantir o fluxo de fornecimento capilarizado para atender todos os acessantes, como as residências, o comércio e as indústrias.

Com a energia distribuída, a estrutura de compensação de energia se concentra mais na ponta da cadeia, no usuário, que passa a gerar dentro das suas necessidades de consumo. Com a estrutura do sistema distribuído, um dos principais pontos de adesão é o menor custo para o consumidor.

Placas fotovoltaicas, localizadas na Usina Solar Tauá (CE), primeira comercial do país | Foto: Eneva
Placas fotovoltaicas, localizadas na Usina Solar Tauá (CE), primeira comercial do país | Foto: Eneva
A instalação de placas fotovoltaicas tem sido a preferência daqueles que optam pela geração de energia distribuída, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), os dados levantados apenas até agosto de 2021 já mostram um aumento de 39,53% na capacidade instalada em todo o País. Já a Associação Brasileira de Energia Solar (Absolar), projeta um crescimento de 90% para o setor, passando de 4,4 gigawatts (GW) para 8,3 GW.

Apesar de ser uma solução vista como positiva, e adotada em outros países, a geração distribuída de energia encontrou impasses no segmentos das distribuidoras, principalmente há alguns anos. Um argumento utilizado é que a geração distribuída seria subsidiada, ou seja, aqueles que não têm sistema fotovoltaico, acabam custeando para os que têm. Em meio às pautas, veio a necessidade de revisitar os modelos de compensação e também analisar os prós e contras do uso da geração distribuída.

Com todas estas questões, hoje o Brasil passa por um processo para que o sistema de energia distribuída saia de baixo de uma norma e passe a ser regido por lei, trazendo mais segurança e contribuindo para alavancar a instalação de números significativos de sistemas fotovoltaicos.

Para Dayane Carneiro, engenheira eletricista e mestre em energias renováveis, este é o movimento do qual não é possível escapar e os distribuidores terão que repensar seus negócios para não ficarem fora do mercado. “As distribuidoras estão revendo seu posicionamento, abrindo o leque de atuação. A Enel é geradora, distribuidora e fomentadora de geração distribuída. […] Todo o discurso internacional de transição energética, a latência de abertura de mercado, é algo que todo o mundo grita.”, aponta a especialista.

Regularização das geração distribuída

No dia 18 de agosto de 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei Nº 5829/19, que regulariza as regras para quem investe em mini e microgeração distribuída de energia no Brasil. O texto, de autoria do deputado Silas Câmara (Republicanos-MG), relatado por Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), possibilita à população produzir sua própria energia, por meio de energia eólica, solar, biomassas e centrais hidrelétricas, com adequação a um projeto de compensação para aqueles que optarem por esta atividade. Dessa forma, o consumidor poderá gerar a própria energia tendo retorno do capital com segurança legal e jurídica. O projeto evidencia a busca pela diversificação na produção de energia no Brasil.

Apesar dos benefícios da geração distribuída, a PL 5829/19 encontra resistência em alguns setores, como distribuidores e instituições ligadas à defesa do consumidor. Entre as ressalvas, está a preocupação de que os incentivos para instalação de geradores individuais impactem no bolso da população mais pobre. Mesmo em meio às polêmicas, o Marco Legal dos Micros e Minigeradores de Energia segue para votação no Senado e, caso aprovado, vai esperar pela sanção do presidente Jair Messias Bolsonaro.

Mudar as fontes de energia é uma necessidade em nível mundial, um passo fundamental para diminuir os impactos causados pela ação dos seres humanos no meio ambiente. No caso do Brasil, que passa por sua maior crise energética, a situação acende, mais uma vez, o alerta de que uma oferta de energia mais sustentável pode ser a protagonista para solucionar o problema nacional e garantir uma melhor condição de vida para o brasileiro.

Qual o melhor caminho para a distribuição?

Com as experiências vivenciadas nos últimos anos, incluindo as duas crises do sistema energético brasileiro, muitos se questionam qual o melhor caminho a ser seguido no País. Investir apenas em energia solar? Eólica? Continuar insistindo nas hidrelétricas?

Do ponto de vista técnico, Dayane Carneiro acredita que a melhor solução é apostar em um mix de energias. “Eu não consigo viver só com eólica ou solar, então qual o melhor cenário logística, financeira e principalmente técnico? É uma composição. Se nós tivéssemos no Brasil atualmente uma boa gestão dos ativos que temos de geração de eólica e solar, a gente conseguiria fazer uma boa reserva da hidreletricidade do que a gente tem nas barragens e fazer um contorno dessas ações que nós não controlamos, que é o nível de precipitações. A melhor estrutura é pensar no mix que seja de variação de energia em momentos e em escalas diferentes, e dentro dessa estrutura uma gestão da qualidade do recurso, trabalhar fortemente no sistema de acumulação”, pontua a engenheira eletricista e mestre em energias renováveis.

Para isso, é necessário virar a chave e caminhar junto à visão adotada em todo o mundo, que prioriza o trabalho com diversos cenários e com a visão ampla de uma economia pautada em baixo carbono. Caso retarde ainda mais o processo de mudança, o Brasil pode acabar pagando caro por manter um posicionamento contrário à escala mundial.

“Não só pagar caro porque vai ficar atrasado, mas porque realmente com a revisitação do acordo do clima, os produtos importados terão um custo re-taxado sobre a estrutura de carbono em do seu processo fabril. Que isso seja cada vez mais diverso, distribuído, que alcance cada vez mais as pontas e que o consumo de energia possa ter esse maior empoderamento por parte do usuário. A maioria dos países já vem seguindo e que a gente não fique muito aquém disso”, reforça Dayane.

Compromisso com o meio ambiente

Entre os países que fazem parte do Brics – Brasil, Rússia, África do Sul, Índia e China – o Brasil é o que mais produz energia sustentável. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), referentes a 2019, a matriz elétrica brasileira foi formada por 54% de fontes fósseis. Em comparação aos outros países componentes do bloco, o uso de energias fósseis chega a 97% na África do Sul, 94% na Rússia, 92% na Índia e 87% na China.

De acordo com Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Brasil firmou o compromisso de reduzir, até 2025, as emissões de gases do efeito estufa em 37%, e 43%, até 2030. Todavia, para atingir a meta, planeja-se aplicar o uso de fontes renováveis de energia – como solar, eólica e biomassa – até alcançar o percentual de participação em 45% na composição da oferta de energia.

As ações fazem parte da responsabilidade com o Acordo de Paris, pacto assinado por cerca de 195 países que se comprometeram em adotar medidas para reduzir a emissão de dióxido de carbono, reduzindo os riscos e impactos das mudanças climáticas.

Mesmo com as metas estabelecidas, é necessário olhar para o processo de transição da energia de uma forma mais ampla, entender que estas mudanças requerem também um olhar para a forma como a sociedade vive. “A gente tem um modelo socioeconômico, cultural e ambiental que privilegia o consumismo e certas coisas que vão de encontro à sustentabilidade. Nós vivemos em um mundo capitalista, consumista e individualista. Fica muito difícil modificar como você produz os bens de consumo. Fazer a transição da energia dos combustíveis fósseis para os renováveis é resolver parte do problema. Porque se nós continuarmos ao mesmo tempo nesse ritmo de consumo, nesse sistema político-econômico que nós vivemos, não vai adiantar muita coisa fazer a transição. É uma questão de mudança não só no sistema, mas na cabeça das pessoas”, finaliza o professor Heitor Scalambrini.

Esta é apenas a primeira reportagem da série Energias no Nordeste, que ainda vai tratar das energias Nuclear, Eólica, Solar, Biomassa, Hidrogênio Verde e também de energia descentralizada. Muita informação para você entender os caminhos mais seguros para a garantia da segurança energética com menores impactos para o meio ambiente e as pessoas. Não deixem de acompanhar!