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Cinco candidatos diante das verdades LGBT

Inácio França / 15/09/2018

Foto: Inês Campelo

Debates e sabatinas entre candidatos promovidos pela mídia, universidades, entidades empresariais ou sindicatos são comuns em qualquer lugar do Brasil. No Recife, desde 2002, a agenda dos candidatos a cargos majoritários inclui o debate com a comunidade LGBT no endereço que, há pelo menos três décadas, é o mais badalado ponto de encontro de gays, lésbicas, transexuais, drags e travestis da cidade.

E ontem, pela primeira vez, a Marco Zero Conteúdo foi convidada para participar do mais informal dos debates do calendário eleitoral pernambucano. Coube a mim, junto com a blogueira Noélia Brito, a tarefa de formular perguntas para os candidatos. Perguntas não, uma pergunta, no singular.

Dos sete pretendentes ao governo de Pernambuco, Ana Patrícia Alves (PCO), Dani Portela (PSOL), Júlio Lóssio (Rede), Maurício Rands (PROS) e Simone Fontana (PSTU) se dispuseram a dar a cara a tapa à beira da piscina da boate Metropole. Os dois líderes das pesquisas não apareceram. Armando Monteiro (PTB) ao menos enviou a coordenadora de mobilização de sua campanha para ler uma carta com as justificativas. O governador Paulo Câmara, nem isso.

Houve quem dissesse que a ausência expressava o desprezo do candidato do PSB com as pautas LGBT. Como diria meu velho amigo Wellington Medeiros, do Movimento Leões do Norte, grupo que organiza o debate, talvez isso seja “maldade das bichas”: provavelmente Câmara não quis ser fotografado ao lado da bandeira do arco-íris, o que desagradaria aos seus aliados evangélicos fundamentalistas que já o fizeram ficar de joelhos.

No início do debate, parecia que Dani Portela estava jogando em casa graças à torcida organizada por duas candidatas da comunidade LGBT, a trans Robeyoncé Lima, sua correligionária, e a travesti Amanda Palha, candidata a deputada federal pelo PCB.

Devagar, Júlio Lóssio conquistou a simpatia de parte do público. Como seu primo Dan, um homem trans, coordena sua campanha no sertão, ele demonstrou intimidade com os temas e com a linguagem do público. Chegou a arrancar aplausos num ambiente que, em tese, lhe era adverso, ao usar o bom senso: “O mínimo de respeito é tratar a pessoa do jeito que ela quer ser tratada”.

É provável que o formato do debate tenha prejudicado Maurício Rands, mais afeito às formalidades do ambiente jurídico e do parlamento do que num debate à beira da piscina, mas também provocou danos nas costas dos entrevistadores.

Algo me incomodava, mas só fui ligar lé com cré quando Noélia Brito avisou: “essas cadeiras têm costafobia”. Quinze minutos depois, já estava difícil achar posição, pois a cadeira, na verdade, era um desses bancos altos para tomar uns drinques com o cotovelo no balcão ou em mesinhas altas de um pé só.

Um erro dos organizadores tornou tudo mais sofrido para a lombar. A previsão inicial era um bloco em que quatro representantes da sociedade civil fizessem perguntas a serem respondidas por todos os candidatos. Mas alguém – ninguém apareceu para levar a culpa – induziu a mediadora Andréa Trigueiro, professora de jornalismo da Unicap, a incluir uma réplica de dois minutos de quem fez a pergunta, seguida de uma tréplica dos candidatos. Imagine isso multiplicado por quatro. Ou melhor, por cinco: pois alguém – não sei se foi o mesmo, mas deu raiva mesmo assim – incorporou um quinto perguntador, ou seja, mais réplica e mais tréplicas.

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Debate com candidatos ao Governo no Club Metropole. DESCRIÇÃO: Cinco dos sete candidatos que participaram do debate, sentados em bancos altos, com mesas redondas, ambiente escuro. Ao fundo duas bandeiras nas cores do arco-íris. Da esquerda para direita: Ana Patrícia Alves (PCO), Dani Portela (PSOL), Júlio Lóssio (Rede), Maurício Rands (PROS) e Simone Fontana (PSTU). Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Registre-se que, nesse tempo todo, o comportamento do público foi extremamente respeitoso com os candidatos. A irreverência e a descontração festiva, sempre associadas à imagem do público LGBT, deram lugar, desde o início, à seriedade e atenção de quem discute aos assuntos que interferem na sua vida e podem mudar seu destino.

Só aí, quase duas horas depois, chegou a vez das perguntas dos entrevistadores. Foi quando entendemos que só teríamos de fazer uma pergunta para um candidato a ser sorteado. Melhor assim, pois, a essa altura, já tinham sido discutidos o preconceito institucional no serviço público, a dificuldade dos transexuais de conseguir empregos, o direito à maternidade das lésbicas, a transformação do Centro de Referência do Combate à Homofobia numa política de Estado etc.

Para efeitos de registro, Noélia Brito perguntou se os candidatos estariam dispostos a gastar parte da verba de publicidade de seus eventuais governos em campanhas informativas sobre os direitos da população LGBT. Ana Patrícia Alves respondeu.

A Marco Zero quis saber como fazer para que, 33 anos após o fim da ditadura, a PM de Pernambuco deixe de ser uma milícia à serviço dos interesses das elite e dos fundamentalistas para se tornar um instrumento de construção da democracia. Coube a Maurício Rands responder que deveria ser aplicado o princípio de autoridade do governador, com aplicação justa tanto de gratificações e promoções quanto de punições severas.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.