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A comissão de inquérito administrativo formada para investigar denúncia de danos patrimoniais e furtos durante a ocupação do ano passado do Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE recomendou ao reitor Anísio Brasileiro a expulsão de seis alunos da graduação. O advogado de defesa de cinco dos jovens, André Barreto, criticou fortemente o documento por não apontar a conduta individualizada de cada aluno e, segundo argumenta, utilizar a “teoria do domínio do fato”, sem embasamento no direito brasileiro, para responsabilizar os jovens enquanto supostas lideranças da ocupação. Entidades estudantis de todo o Brasil assinaram manifesto acusando a comissão de “perseguição política e criminalização” do movimento.
Com base em vistoria realizada logo após a desocupação do CAC, em dezembro de 2016, o relatório indica que houve “destruição de mobiliário (com arrombamentos), conspurcação de imóvel público (paredes e pisos pichados, inclusive com frases de baixo calão e de caráter difamatório), vandalismo, furto a equipamentos tombados (computadores, projetores, máquinas fotográficas), ameaça a funcionário responsável pela segurança do imóvel… desaparecimento de material acadêmico e outros atos ilícitos…”.
O relatório final da comissão de inquérito, datado de 5 de maio deste ano e assinado por quatro servidores da UFPE, começou a circular nas redes sociais no final da semana passada. Na página oficial do Movimento Ocupa UFPE no Facebook foi publicado o manifesto Contra a Criminalização do Direito de Lutar. O Ocupa acusa a Comissão de atuar no âmbito político para enfraquecer vozes dissonantes dentro da universidade, seguindo tendência nacional do Poder Judiciário.
“A Comissão responsável por elaborar um parecer entendeu pela expulsão desses alunos e alunas – sem quaisquer provas ou documentos, sem individualização das acusações – meramente por associá-los às ocupações e danos ao patrimônio público. Essa política, portanto, se alinha à política do judiciário brasileiro como um todo, que atua ativamente na criminalização dos movimentos sociais, sindicais, estudantis e lideranças populares; que condena sem provas, baseando entendimentos meramente em convicções, e que defende a expulsão de estudantes engajados politicamente”, critica o manifesto do Ocupa assinado por 126 entidades, a grande maioria estudantis.
Além da perícia realizada após a saída dos alunos do prédio do CAC, os titulares da comissão de inquérito administrativo ouviram seis testemunhas, entre servidores técnicos administrativos, terceirizados e professores. Segundo o relatório, os representantes legais dos estudantes informaram à comissão que estes não prestaram depoimento porque “se recusaram a reconhecer a legitimidade da comissão para julgar o ato político de resistência dos estudantes na luta em defesa da universidade pública”. A comissão alega que garantiu o direito de ampla defesa aos jovens.
De acordo com o relatório da comissão, “os discentes denunciados assumiram a responsabilidade e o risco pelos atos praticados durante a ocupação do CAC–UFPE, notadamente quando forçaram a saída dos funcionários responsáveis pela segurança patrimonial do edifício e permitiram o ingresso de pessoas estranhas à Universidade durante o período do movimento”. Diz que os estudantes devem ser responsabilizados civil, administrativamente e penalmente pelos danos causados ao patrimônio, apontando prejuízo no valor de R$ 100 mil.
Para o advogado de defesa dos jovens, André Barreto, integrante da Frente de Juristas pela Democracia, não há nada no relatório que comprove a conduta específica de qualquer um dos estudantes mencionados em atos de danos ao patrimônio ou furto de equipamentos. “Não há a individualização da conduta de nenhum dos estudantes citados. Eles não podem ser acusados porque supostamente são lideranças do movimento por terem participado de reuniões de negociação com a Reitoria. Outros estudantes também participaram. A ocupação do CAC envolveu dezenas de estudantes. Estão aplicando a teoria do fato, que não está contemplada no direito brasileiro”.
A teoria do domínio do fato tornou-se conhecida no Brasil durante o julgamento da ação penal 470 no Supremo Tribunal Federal, mais conhecida como “mensalão”, quando foi utilizada para incriminar o ex-ministro José Dirceu. Segundo a teoria, são passíveis de culpabilização por um ato ilícito não apenas aqueles que praticaram o ato em si, mas também os agentes que teriam autoridade hierárquica sobre os autores materiais do ato. Para muitos juristas, a teoria do domínio do fato coloca em xeque o princípio legal da presunção de inocência.
André também questiona a citação de vários equipamentos que teriam sido furtados durante a ocupação, como notebooks, data shows, aparelhos de som, impressoras, entre outros, sem que estejam devidamente registrados os números de tombamento de cada um deles. “Não está dito lá como chegaram ao valor de R$ 100 mil, sem descriminar o número de registro de cada equipamento, o que comprova sua existência como patrimônio público, e nem está claro o valor de cada um deles. Isso é uma exigência jurídica”. Um dos professores que prestou depoimento citou equipamentos que teriam sido furtados ou danificados quantificando o valor aproximado deles, inclusive com alguns detalhes técnicos, mas no documento não constam os números de tombamento do material.
O advogado criticou também a citação no relatório de artigo da lei antiterrorismo, utilizada para enfatizar a gravidade dos atos relatados, muito embora esteja claramente explicitado no documento elaborado pela comisão que ela “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais… direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios”. “Essa lei aparece no relatório da comissão como um fantasma. Sua citação diz muito sobre as intenções do documento”.
André Barreto defende cinco dos seis jovens citados no relatório da comissão de inquérito. A advogada Raquel de Oliveira Sousa faz a defesa do outro estudante. Ela contou à reportagem da Marco Zero Conteúdo que protocolou pedido de liminar para a suspensão do ato de indiciamento do seu cliente e que o pedido foi deferido pela juíza da 5ª Vara Federal de Pernambuco, Nilcéa Maria Barbosa Maggi, no processo de número 0811570-07.2017.4.05.8300.
A assessoria de comunicação social da UFPE informou que o relatório da comissão de inquérito administrativo chegou ao Gabinete do Reitor no dia 28 de junho, tendo sido encaminhado à Procuradoria Jurídica da universidade neste mesmo dia. O relatório foi distribuído, no dia 10 de agosto, para um procurador que fará um parecer jurídico sobre o caso. Cabe à Procuradoria avaliar se foi seguido o devido processo legal na comissão, tendo sido garantido, por exemplo, o amplo direito de defesa aos estudantes. O parecer da Procuradoria deverá então ser encaminhado ao reitor Anísio Brasileiro, a quem caberá a decisão sobre o caso. Ele pode aceitar a recomendação e expulsar os alunos, optar por uma pena menos severa (advertência, repreensão ou suspensão) ou arquivar o processo. Seja qual for a decisão, os estudantes ainda podem recorrer em última instância interna ao Conselho de Administração da universidade.
A professora do campus Ageste da UFPE, Allene Carvalho Lage, coordenadora do Observatório dos Movimentos Sociais na América Latina, publicou nas redes sociais uma carta aberta ao reitor pedindo que ele rejeite o parecer que recomenda a expulsão dos estudantes do Centro de Artes. Ela defende a legitimidade da ocupação estudantil em defesa das universidades públicas e contra a emenda do teto de gastos e associa o pedido de punição a atos praticados sob um regime de exceção. “Esta decisão vem punir violentamente estudantes que passaram vários dias em uma exaustiva ocupação, pela defesa da manutenção dos recursos públicos que garantissem o funcionamento integral da UFPE. E, nesta perspectiva, entendemos que este parecer fere os princípios democráticos, que desde sempre têm sido um valor em todos os setores da UFPE, só encontrando ecos esse tipo de expulsão nos tempos da ditadura civil militar”.
Outros dois processos administrativos estão em tramitação na UFPE: um relativo à ocupação do Centro de Filosofia e Ciência Humanas (CFCH), onde são investigados também danos ao patrimônio público, e outro que apura agressões a professores durante reunião do Conselho Coordenador de Pesquisa, Ensino e Extensão, que discutia a adequação do calendário acadêmico no pós-ocupação.
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República