Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Construção de Atacado dos Presentes é a nova polêmica do Poço da Panela

Maria Carolina Santos / 06/06/2019

Para a maioria dos recifenses, é um sonho distante: morar pertinho de belas praças, parques, shopping, cafés, cinema, museus. E, mesmo assim, estar rodeado de natureza. Esta forma privilegiadíssima de se morar no Recife tem endereço: o bairro do Poço da Panela. Não é de se espantar, então, que tudo que tire este relativo sossego seja combatido pelos moradores. Só para lembrar os últimos 10 anos: em 2009, conseguiram expulsar um projeto de supermercado Carrefour. Em 2015, se opuseram à construção de uma Upinha perto das margens do Capibaribe. Agora, se voltam contra a construção de uma unidade do Atacado dos Presentes.

O projeto do empreendimento prevê 20 mil m2 de construção (três pavimentos de loja e dois de garagem), movimentação diária de 3 mil pessoas e a geração de 300 empregos diretos. Em vez do Atacado dos Presentes, um grupo mobilizado de moradores pede mais um parque no bairro, com uma feirinha.

Um abaixo-assinado está nos planos do grupo Parque Poço para que a prefeitura não conceda a licença de construção. Outra frente atua na preparação de uma possível ação civil-pública. Assim como no caso da Upinha e do Carrefour, a justificativa é pelo meio-ambiente: o terreno, onde funcionou por décadas a Casa de Saúde São José (que era privada) teria vegetação nativa e serviria de abrigo para animais (como saguis e timbus). Fora isso, afirmam que o projeto não segue a Lei dos 12 Bairros, apesar do projeto prever 60% do uso do solo natural (área do terreno a ser mantida nas suas condições naturais, tratada com vegetação) e altura máxima de 12 metros, entre outros pontos que seguem os princípios básicos da legislação.

bannerAssine

Moradores de prédios vizinhos tiraram fotos que mostram que a vegetação já está sendo cortada. Mas muitas árvores de grande porte permanecem no terreno, que está todo murado. Ao contrário do que pode parecer até aqui, o enorme terreno com 12 milm2 não fica em nenhuma das ruas históricas do bairro, mas sim com frente para a Avenida 17 de Agosto e a lateral é toda a extensão da Avenida Doutor Seixas, que, apesar do status de “avenida”, é, na verdade, uma via não pavimentada e de pouca circulação de carros. Há prédios imensos ao redor.

Para se entender o que acontece hoje no Poço da Panela, no entanto, é preciso retornar a 2009, quando aconteceu a expulsão do projeto do Carrefour no mesmo terreno hoje em disputa. Ali, havia um belo casarão que estava em fase final para se tornar um Imóvel Especial de Preservação (IEP). Na reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) que iria definir o imóvel como IEP, a então presidente do CDU, Maria de Biase, retirou o pedido da pauta.

Uma semana depois, o casarão foi abaixo. Os moradores, com razão, ficaram revoltados. Como a associação do bairro ainda era recente, conseguiram que a Ordem dos Advogados do Brasil – secção Pernambuco (OAB-PE) entrasse com uma ação civil-pública contra a Prefeitura do Recife e a rede Carrefour. Em 2015, ganharam a causa: R$ 1,578 milhão de multa para ser dividida entre os dois réus. Ainda não foi paga.

Terreno está em verde no mapa. Imagem: PCR

Terreno está em verde no mapa. Imagem: PCR

Com a ação, o Carrefour desistiu do projeto. Na época, a ideia do grupo de moradores era de que o terreno fosse desapropriado pela prefeitura e virasse uma praça ou um parque. Mas a mobilização definhou. O local ficou uma década abandonado e, assim, a vegetação prosperou. Até que o Atacados dos Presentes se interessou em construir uma nova unidade ali. E a mobilizaçãoestá voltando– porém, ao que parece até agora, não tão forte quanto em 2009.

Um dos porta-vozes do grupo, o advogado Elvânio Jatobá atuou em 2009 contra a PCR e o Carrefour. Agora, está empenhado para que a área seja mesmo de uso público. “A prefeitura pode muito bem desapropriar o terreno e fazer esse parque, como havia sido proposto anteriormente”, diz. Entre os impedimentos que ele cita para a construção do Atacado dos Presentes está o trânsito congestionado da avenida 17 de Agosto, que não suportaria uma loja como o Atacado. “Há dez anos a CTTU fez um estudo e concluiu que o Carrefour não poderia ser construído aqui com esse tráfego. Imagina agora, com muitos mais carros nas ruas?”, questiona.

Empregos x Paz

O Poço da Panela, contudo, não está distante das tensões sociais de uma cidade desigual como o Recife – e a chegada do Atacado divide opiniões. A notícia começa a se espalhar pelas comunidades do Poço e do Monteiro, com ares de esperança de emprego. Quando soube da possível construção, a doméstica Ane Karine pensou logo nos conhecidos desempregados.

“Fiquei animada. Passei muito tempo para conseguir emprego. Tem meu esposo, primos e amigos que ainda estão desempregados. É uma oportunidade. É um ponto crítico a derrubada das árvores, mas até pensando nos moradores do Poço iria ser bom, porque a loja ficaria perto e não precisariam ir para lugar distante. O terreno está aí vazio…Tomara que seja construído. Mas cada um com sua opinião”, diz.

Há também moradores antigos do bairro que apoiam a construção. “Vai ser bom pelo movimento de pessoas e pela facilidade de compra. Aqui tem muito assalto”, diz Sônia Vieira, moradora da Rua Tapacurá. Sobre o impacto no bairro, a moradora minimiza os efeitos que a loja pode trazer. “O trânsito já está sufocado por conta dos edifícios que foram e estão sendo construídos por aqui. Disso, ninguém reclama. A moradia dos saguis já está sacrificada, eles estão indo para margem do rio. Há uma falta de empregos, temos que olhar o que tem de vantagem e desvantagem”, pondera. “Se for bem organizado, não vão destruir todas as árvores. Aqui já tem muitos parques”.

Também moradora do Poço desde que nasceu, Sônia Maria diz que espera há muito tempo que o terreno seja ocupado. “O que eu acho é que eles (os moradores contrários à loja) vão se sentir incomodados. Aqui é um lugar calmo, sem agitação”, diz.

Para o advogado do grupo, esta dicotomia emprego x tranquilidade é uma falácia. “Já foram na comunidade dizer que vai ter emprego, para conquistar apoio. Mas por que não constroem em Dois Irmãos, lá perto da BR? Não é que somos contra emprego, nem contra construção. Mas precisam construir em lugares adequados. Não em um bairro como o Poço da Panela, que não tem estrutura, nem perfil para isso. Pela lei, todo terreno aqui tem que deixar 60% da vegetação”, reforça.

O que diz o projeto do Atacado dos Presentes
O projeto para a construção está em fase de avaliação para licenciamento no site da Prefeitura do Recife. No formulário de Orientação Prévia para Empreendimento de Impacto (OPEI) preenchido pelo Atacado dos Presentes constam algumas informações sobre o projeto.

A ideia é que a fase de projeto dure oito meses e a de construção se estenda por dois anos, inaugurando a loja em setembro de 2021. São cinco pavimentos, sendo dois de estacionamento no subsolo, com 393 vagas, somando 20.590 m2.

A estimativa é de um público de 3 mil pessoas diariamente. A planta prevê acesso de veículos pela avenida Doutor Seixas, só com pedestres entrando pela Av. 17 de Agosto.

Em termos de empregos, o Atacado estima que seriam 400 vagas diretas na fase de implantação, mais 2 mil indiretas. Na operação, o número cai para 300 empregos diretos (e estimativa de 1,5 mil indiretos). O investimento total do Atacado dos Presentes na loja é estimado em R$ 20 milhões.

Meio termo

Ainda que pese no pleito dos moradores certa sombra de uma visão elitista, não é novidade que, em tempos de crise, a carta do desemprego e de um suposto desenvolvimento seja jogada pelos entes públicos em detrimento do meio-ambiente, do bem estar e da história de uma cidade. No Recife, é quase que um modus operandis de um urbanismo cada vez mais segregador e desumano. Da construção da Avenida Boa Viagem até o Cais José Estelita, exemplos não faltam. O Poço da Panela não é somente dos seus moradores: com seu casario antigo, as ruas largas com pedras, a igreja e as margens preservadas do Capibaribe, é parte também da memória do Recife.

Encontrar um meio termo entre o desenvolvimento econômico e o bem-estar da população é uma tarefa que cabe principalmente à Prefeitura do Recife. Alguns moradores do grupo mobilizado estão mais abertos e pedem uma requalificação do projeto. “A ideia é de que vire um espaço para a comunidade. Se não der para ser nosso sonho dourado com um parque com quiosques para a população local vender seus produtos, que se consiga chegar a um meio termo que não gere tanto impacto negativo no bairro”, pede a moradora Cynara Moury. O Atacado dos Presentes não entrou em contato com o grupo demoradores.

Respostas

Procurada, a Secretaria de Mobilidade e Controle Urbano (Semoc) da Prefeitura do Recife afirmou em nota que “o projeto em questão está tramitando internamente na Prefeitura do Recife e que a aprovação será possível caso esteja de acordo com todas as legislações vigentes”.

O Atacado dos Presentes não respondeu aos questionamentos da Marco Zero. A secretária de um dos proprietários informou que ele estava em viagem até a próxima semana e não conseguiria atender a reportagem. Foi indicado um diretor para falar sobre o assunto, mas ele também não respondeu ao e-mail da reportagem com as perguntas sobre o empreendimento.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com