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Há 20 anos a poluição do Capibaribe só aumenta

Inácio França / 08/07/2019

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

O recifense reclama do trânsito. O recifense reclama das ruas vazias à noite. O recifense reclama do calor. O recifense reclama dos alagamentos quando chove. O recifense reclama dos buracos no asfalto. O recifense reclama das calçadas irregulares. O recifense reclama.

Da poluição do rio Capibaribe, o recifense já deixou de reclamar.

O mau cheiro, a sujeira boiando em direção ao mar, os peixes mortos nas margens e as águas escuras do rio fazem parte da rotina da cidade há décadas.

A poluição do Capibaribe só fez aumentar desde a década de 1990, quando a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) começou a fazer o monitoramento da qualidade da água do rio. Qualquer cidadão pode conferir os índices das últimas duas décadas, pois os resultados dos relatórios elaborados a partir de 2001 estão disponíveis no site da entidade. Esses números indicam a inércia das autoridades públicas e da sociedade em relação ao rio que molda a paisagem e a história da Região Metropolitana do Recife.

Para facilitar a compreensão do leitor, foram escolhidos quatro dos 12 parâmetros medidos periodicamente pela CPRH.

O primeiro deles é o OD, sigla de Oxigênio Dissolvido. O conceito é autoexplicativo: quanto mais oxigênio dissolvido na água, mais limpo é o rio, melhores condições de vida oferece para peixes, crustáceos e outros animais.

O segundo é o DBO, conceito um pouco mais complexo. É a sigla de Demanda Bioquímica de Oxigênio, indicador da quantidade de oxigênio consumida por bactérias presentes na água. É importante porque são as bactérias que realizam a decomposição da matéria orgânica lançada no rio. Quando maior a sujeira, mais bactérias e maior o consumo desse gás.

A presença de Fósforo e Amônia são indicadores da presença de esgoto doméstico no rio. No caso do fósforo, qualquer número superior a 0,1 é sinal de água muito poluída.

No caso da Amônia, a taxa tolerada é menor ainda: 0,015

gráficos

Na bacia do Capibaribe a CPRH faz a coleta da água em 10 pontos fixos, dos quais dois estão em afluentes (rios Goitá e Tapacurá). Para essa reportagem, foram usados os dados das coletas realizadas no Recife (ponte no início da Abdias de Carvalho, junto ao estádio da Ilha do Retiro, e na ponte da avenida Caxangá, no bairro da Várzea)

O diretor de Controle de Fontes Poluidoras da CPRH, Eduardo Elvino Sales de Lima, afirma que a maior causa da poluição do Capibaribe na área urbana do Recife são as ligações clandestinas de esgoto doméstico na rede de drenagem. No entanto, ele mesmo adverte que não é só isso: “Hoje exigimos que as atuais estações de tratamento de esgoto façam a remoção de 60% da DBO dos efluentes despejados nos cursos d’água. Quando as novas estações ficarem prontas, terão de remover 90% da DBO”.

O diretor da CPRH aconselhou a comparar os dados coletados na mesma época de cada ano. A comparação entre meses de muita chuva e meses de estiagem seria inadequada, pois quando chove os resíduos são diluídos pelo maior volume d’água e os índices melhoram um pouco. O conselho foi aceito. Os gráficos com os resultados das análises da CPRH dizem respeito aos meses de abril, maio ou junho, a depender da data da coleta.

Em tese, as amostras coletadas no trecho do rio sob a ponte da Caxangá teriam de registrar menos poluição do que as registradas na altura do estádio do Sport, onde o rio já carrega o esgoto recebido nas zonas oeste e norte do Recife. Mesmo assim, os resultados daquele local já bastam para classificar o rio como “Muito Poluído”, segundo a escala da CPRH.

Na altura da Ilha do Retiro, as taxas de amônia chegam a ser quatro vezes maiores do que na Caxangá. A DBO, frequentemente atinge o dobro. O Oxigênio Dissolvido chegou perto de zero várias vezes desde 2001. É bom lembrar que os resultados usados para elaborar os gráficos que ilustram essa reportagem são de meses com fartura de chuvas, quando o rio está mais limpo. Ou menos imundo.

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

 Passeio pelo esgoto

A organização não-governamental SOS Mata Atlântica também acompanha a poluição no Capibaribe. Há cinco anos, o Instituto Bioma Brasil participa do projeto Observando os Rios, uma iniciativa que mobiliza comunidades e a sociedade civil para monitorar rios, córregos, lagos e represas em todo o País. Seu ponto de coleta é em frente ao parque da Jaqueira, a meio caminho entre as duas estações de coleta da CPRH.

Esse monitoramento usa um número maior de parâmetros (16), cuja combinação gera um Índice de Qualidade da Água (IQA) – uma pontuação de 0 a 100 pontos – por meio do qual o curso d’água é enquadrado em cinco categorias – ótimo, boa, regular, ruim e péssimo. Desde então, o Capibaribe oscila entre “regular” e, com mais frequência, “ruim”.

Coordenador do Instituto Bioma Brasil, o biólogo e doutor em oceanografia Clemente Coelho Júnior todos os meses desce a escadaria que dá acesso ao rio, acompanhado de um dos seus alunos do curso de Biologia da Universidade de Pernambuco (UPE), para coletar a água e, ali mesmo, realizar as primeiras análises. Muitas vezes, a cena é vista à distância pelo barqueiro Zomilton Tomé Parangaba, cuja família há quatro gerações faz o serviço de travessia para pedestres entre a Jaqueira e a Torre.

A Marco Zero Conteúdo acompanhou o diálogo entre o cientista Clemente e o barqueiro durante uma excursão de algumas horas pelo rio. Assista ao vídeo abaixo para entender o encontro entre o conhecimento acadêmico de Clemente, que dedica a vida à pesquisa dos manguezais, e a experiência de Zomilton, um homem que passou a infância e sustentou a família às margens do rio.

 Todas as fichas na PPP

“A única solução para despoluir a bacia do Capibaribe é a universalização do saneamento e do tratamento de esgoto”. A frase foi repetida tanto pelo gestor da CPRH, Eduardo Elvino, quanto pelo cientista e ativista ambiental, Clemente Coelho. O que nos remete diretamente à Compesa, empresa pública responsável pelo saneamento básico em Pernambuco, do fornecimento de água ao tratamento de dejetos.

A incômoda posição dos municípios da Região Metropolitana no Ranking do Saneamento 2018, elaborado pelo Instituto Trata Brasil, ajuda a explicar a dimensão do problema e suas consequências ambientais: o Recife está em 75º entre as 100 maiores cidades brasileiras, Paulista em 78º, Olinda em 81º e Jaboatão em 99º.

No início desta década, o saneamento voltou à agenda pública com a assinatura da polêmica Parceria Público-Privada para o Saneamento (ou PPP da Compesa). Apesar da reação do Sindicato dos Urbanitários, que representa os funcionários da empresa e temia a privatização, a PPP foi concretizada e tornou-se a maior aposta para expandir a rede de coleta e tratamento de esgotos na Região Metropolitana do Recife.

Inicialmente, a parceira do governo pernambucano na PPP foi a Odebrecht Ambiental, que assumiria 75% dos investimentos e elevaria para 90% a cobertura da rede de esgotos na região do Grande Recife até 2025. Com os problemas enfrentados pela Odebrecht por causa da Lava Jato, a empresa acabou sendo incorporada pela canadense Brookfield e passou a se chamar BRK Ambiental, atual parceira da Compesa.

A mudança na parceria foi mais profunda. A BRK assumiu 87% dos investimentos de quase R$ 7 bilhões, mas o prazo para a conclusão dos serviços foi dilatado até 2037.

O diretor de Novos Negócios da Compesa, Ricardo Barretto Vasconcelos, explicou que, em 2014, quando a PPP foi assinada, a cobertura da rede de esgoto na RMR era de 30%. Hoje está em 37% e vai alcançar 55% em 2025. A meta de chegar a 90% em 2037 está mantida.

“Certamente isso vai impactar na qualidade do rio, mas não é a única solução”, afirma Barretto. Seu ceticismo tem explicação: “Para não gastar dinheiro ou não ter de lidar com uma obra maior dentro de casa, parte da população continua a fazer ligações clandestinas do esgoto doméstico para a rede de drenagem”.

Em números absolutos, há pouco menos de 1.500 quilômetros de rede. A PPP prevê a implantação de mais 8.100 quilômetros. Hoje existem quatro grandes estações de tratamento de esgoto e 45 pequenas. As menores serão desativadas para dar lugar a, pelo menos, mais 36 estações de grande porte. “Cada uma dessas novas estações realizará a função de cinco ou seis dessas pequenas que existem atualmente, a maior parte dela instaladas em conjuntos habitacionais e sem condições técnicas de tratar os dejetos de acordo com as exigências legais em vigor”, explica Barretto.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.