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Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
O derramamento de óleo no Nordeste é um flagelo principalmente para os que vivem do mar. Em Pernambuco, onde dez municípios foram afetados, há 30 mil pescadores e pescadoras, de acordo com o Censo 2010, do IBGE. Na região do Cabo de Santo Agostinho, os mais de 500 associados da colônia de pescadores já estão há pelo menos quatro dias sem trabalhar.
Em solidariedade a essas pessoas, o arcebispo da Arquidiocese de Olinda e Recife, Dom Fernando Saburido, e o bispo auxiliar dom Limacêdo Antônio fizeram uma visita aos pescadores da praia de Suape, no Cabo. Eles passaram de barco pelas praias contaminadas pelo óleo, que continua surgindo no mar sem qualquer explicação.
No começo da viagem, com saída da Praia de Suape, os religiosos entoaram a estrofe de um cântico cristão que faz uma analogia entre o barco e a vida. Os discípulos de Cristo eram pescadores. “Estamos presentes diante do sofrimento dessas pessoas. As consequências desse desastre são dolorosas. Viemos escutá-los para saber como podemos mobilizar nossas paróquias em auxilio”, comentou Saburido. O arcebispo lembrou que o Papa Francisco escreveu uma encíclica sobre os problemas ambientais no mundo e que a Igreja Católica está atenta às questões que estão surgindo no Brasil. “O trabalho do governo tem sido lento”, disse.
Ainda no começo da visita, a presidente da Associação dos Pescadores do Cabo de Santo Agostinho, Glicelia Maria, apontou para um arrecife que foi contaminado. Dali os pescadores tiravam o aratu, um tipo de marisco comum no litoral pernambucano. Mais a frente, em uma praia na Ilha de Tatuoca, um pescador com água na altura da cintura carregava um saco cheio de óleo. “Por que vocês não estavam limpando conosco?” questionou, visivelmente zangada. Na faixa da areia, outras pessoas peneiravam a areia para livrar a praia da mancha tóxica. Eles usavam luvas e eram todos pescadores. Não havia ninguém do Exército, do Corpo de Bombeiros, nem de órgãos oficiais.
O material tóxico de origem desconhecida também contaminou a ilha de Cocaia, que fica no território de Suape. É uma área de mangue, que é berçário das espécies marinhas. “Esse vazamento vai nos prejudicar por muitos anos (especialistas já falam sobre consequências por mais de 20 anos). Já está afetando a saúde das pessoas que vivem do mar e estão trabalhando como voluntários”, frisou Laudinete Santana da pastoral da pesca do Recife. Ela narrou que o óleo foi tirado com pás e barcos pelos pescadores e voluntários na praia de Suape.”Tiramos toneladas de óleo”.
As famílias de pescadores não têm outra fonte de renda, explicou Laudinete Santana. Vivem dos peixes e crustáceos, que também são seu alimento. “O governo federal informou que vai antecipar o defeso (benefício equivalente a um salário mínimo pago durante a época em que a pesca é proibida). Mas aqui na região apenas 1% dos pescadores estão cadastrados para receber o benefício. Como as pessoas vão viver?”, questionou.
Cristiano Ramalho, professor de sociologia da pesca da UFPE, lembrou que o derramamento de óleo é um desastre socioambiental. “A paralisação dos pescadores artesanais gera impactos para os pescadores e para toda a cadeia que a atividade move, incluindo comércio, turismo e serviços”. Pedro Silveira, pesquisador de pesca artesanal da Fundaj, recordou que os pescadores da área de Suape já foram prejudicados de várias formas pela contaminação das fábricas do Porto de Suape, que invadiram territórios de populações tradicionais. “Agora esse impacto, que para eles já é histórico, está se alastrando por todo o litoral nordestino”.
Secretária de Assistência Social do Cabo, Edna Gomes informou que o município está buscando cadastrar as famílias dos pescadores e fazer um levantamento das suas necessidades. Edna chegou a mencionar que recebeu documento do governo federal desaconselhando a pesca por seis meses, mas não apresentou o material à reportagem. “Queremos colher informações para pedir auxilio financeiro ao governo federal”. Até agora, segundo a secretária, o município não recebeu recursos extraordinários para fazer a limpeza das praias, nem para ajudar os pescadores.
O abandono e a ineficácia dos governos diante da tragédia se traduz na vida de gente como a marisqueira Laudinete da Silva, 36 anos. Ela abordou a comitiva do arcebispo chorando muito e com luvas sujas de óleo. “Estou limpando a praia desde o domingo. Sem apoio de ninguém porque isso aqui é nossa vida. Estamos sem nosso sustento, sem nosso alimento”.
Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).