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Projeto que proíbe passinho nas escolas é inconstitucional, alerta presidente da OAB

Mariama Correia / 11/09/2019

Grupo de passinho "As Caciques" realiza trabalho social através da dança. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo

Goste ou não, se você mora em Pernambuco provavelmente já ouviu falar do passinho. A dança, que nasceu nas periferias do estado, é um sucesso inquestionável entre os jovens. Está nas festas, nas playlists, nos campos de futebol, nos virais das redes sociais.

Na última semana, contudo, o passinho se tornou alvo de uma polêmica. Um projeto de lei (PL 494/2019) que pode proibir a dança nas escolas públicas da rede estadual de ensino, começou a tramitar na Assembleia Legislativa de Pernambuco. A reação nas redes sociais foi imediata. Entre críticas e aplausos dos internautas, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em Pernambuco analisou a proposta a pedido da nossa equipe de reportagem. O presidente da entidade, Bruno Baptista, foi taxativo na resposta: “O projeto é inconstitucional”.

“Fere o Artigo 5 º da Constituição Federal, que veda a censura prévia”, explicou Baptista. O PL apresentado pela deputada Clarissa Tércio (PSC) não faz referência direta ao passinho, mas proíbe a realização “de danças em eventos e manifestações culturais cujas coreogafias sejam obscenas, pornográficas, ou exponham as crianças e adolescentes à erotização precoce” no âmbito das escolas da rede estadual. Ou seja, os gestos sensuais do passinho estariam na mira direta da proposição. Tanto que a parlamentar postou um vídeo na sua conta de Facebook com cenas de jovens dançando passinho. Em outro post ela escreveu: “Escola não é cabaré!”.

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Censurar a dança “não é papel do Estado”, afirmou o presidente da OAB-PE. “Não cabe ao Estado determinar se uma manifestação cultural, de uma dança, por exemplo, é boa ou não. Nem a uma deputada”, enfatizou. Baptista também avaliou como negativa a tentativa de criar um ambiente culturalmente proibitivo para os estudantes.“Vai haver uma blitz em todos os intervalos? É um retrocesso à liberdade garantida na nossa Constituição”, considerou. O PL, inclusive, prevê que “qualquer pessoa física ou jurídica, inclusive pais ou responsáveis, poderão representar à Administração Pública e ao Ministério Público quando houver violação da lei”.

Também considera como âmbito escolar atividades desenvolvidas “dentro e fora do espaço territorial das escolas” e destaca que a lei se, aprovada, se aplicaria a “qualquer modalidade de dança, inclusive manifestações culturais pernambucanas.”Em resposta à reportagem, a deputada Clarissa Tércio informou que “o projeto está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça da Alepe, onde sua constitucionalidade será devidamente analisada.

Esta não é a primeira tentativa de proibir o passinho. Já noticiamos por aqui que os encontros da dança estavam sendo duramente reprimidos pela polícia. Contamos, inclusive, o caso de um menino que perdeu um olho depois de ser atingido por uma bala de borracha disparada por um policial, enquanto estava dançando em um encontro de passinho. Até agora o policial não foi afastado das suas funções e a família do jovem não recebeu indenização, nem ao menos o benefício ao qual o rapaz tem direito.

Erotização precoce

O presidente da OAB-PE, Bruno Baptista, concorda que a erotização precoce das crianças deve ser uma preocupação da sociedade. Neste aspecto, ele lembra que outras danças e ritmos já foram classificados como “erotizados”, como o rock, atualmente aceito pela sociedade. Ele acha importante medidas de conscientização e combate à erotização infantil nas escolas, como também prevê o PL. “O problema da censura é que ela abre um precedente, que depois pode ser aplicado para outras coisas”, alertou. “Cabe aos pais orientarem os seus filhos. Não se pode partir do princípio do gosto ou das convicções para aplicar proibição a uma manifestação cultural, porque todo tipo de censura é muito perigosa”.

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AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).