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Crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Em Pernambuco, pelo menos 13 candidatos a prefeito e a vereador com patrimônio acima de R$ 1 milhão – segundo a autodeclaração de bens no TSE – aparecem na relação de beneficiários do auxílio emergencial. Os postulantes a cargos públicos eletivos, a maioria de partidos que cresceram na esteira da “nova política”, fazem parte do seleto grupo de 1.320 candidatos milionários contemplados no programa do governo federal em todo o Brasil.
O relatório foi divulgado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), na sexta-feira (6). Na tabela anexa ao despacho do ministro Bruno Dantas, é possível identificar que no estado a maioria dos casos se concentram no Agreste (7). Há registros também, na Região Metropolitana (3), no Sertão (2) e na Zona da Mata Sul (1). Em relação aos partidos políticos dos flagrados na lista do TCU, eles transitam do campo da extrema-direita até o centro, do PSL à Rede, passando por Patriotas, Podemos, PRTB, Republicanos, PSC, DEM, PP e MDB.
Mesmo com propriedades rurais, casas, apartamentos, veículos e investimentos em fundos financeiros, os políticos tiveram depositados em suas contas bancárias valores entre R$ 600 e R$ 1.800, no período entre abril e agosto deste ano. De acordo com o ministro do TCU Bruno Dantas, a lei que instituiu o auxílio emergencial não estabeleceu restrições formais quanto ao valor do patrimônio dos beneficiários.
“Todavia, a Medida Provisória 1.000, de setembro, que trata do auxílio emergencial residual, corrigiu essa falha estabelecendo que [o benefício] não será devido ao trabalhador que em 31 de dezembro de 2019 tinha posse ou propriedade de bens ou direitos, incluindo terra nua, de valor total ou superior a R$ 300 mil”, destaca o ministro no despacho.
Dantas afirma em seu posicionamento que a listagem aponta indícios de irregularidades por renda incompatível com o direito ao auxílio. O ministro, no entanto, faz uma ponderação ao lembrar que há risco de erros de preenchimento pelo candidato das suas informações no TSE, bem como de fraude praticada por terceiros a partir do uso dos dados dos políticos que estão públicos no site da Justiça Eleitoral.
“A partir dos números preliminares apresentados, o Comitê Gestor do Ministério da Cidadania decidiu cancelar todos os pagamentos subsequentes de beneficiários cujo patrimônio é superior a R$ 300 mil, tanto no auxílio emergencial quanto em sua modalidade residual, exceto os que receberam ou receberão por decisão judicial”, diz o ministro.
Candidato a vereador de Orobó, no Agreste, pelo DEM, João Antônio Carvalho Távora se disse surpreso com a informação repassada pela reportagem de que teria recebido R$ 600 do auxílio emergencial. “Eu não recebi auxílio nenhum. Eu nunca solicitei. Nunca recebi auxílio de nada, não”, garantiu.
Disse que tinha a consciência tranquila. “Não tinha nem lógica eu pedir auxílio do governo federal se eu tenho patrimônio e tenho do que viver. Não faz nenhum sentido isso”. Na declaração de bens de Zé Antônio, como se identifica na urna eletrônica, consta um terreno no sítio Tabosa, avaliado em R$ 1 milhão, e um apartamento no bairro da Torre, no Recife, no valor de R$ 600 mil.
Zé Antônio, que já foi vereador do município pelo PMDB, afirmou que tentaria descobrir o que aconteceu. Vai procurar a única casa lotérica que existe em Orobó e faz os pagamentos da Caixa para obter alguma informação.
“Se está constando aí, eu preciso tomar as providências para que não haja nenhum problema futuro por causa disso”. Ele se mostrou crítico em relação às pessoas que pressionaram contra a redução do auxílio de R$ 600 para R$ 300. “Eu dizia aqui para as pessoas que elas não podiam achar que iam receber o dinheiro para toda a vida, que esse é um recurso de emergência, e o governo não tem condições de dar dinheiro direto para o povo”.
Apresentando-se como renovação no cenário político de Bom Jardim, no Agreste, o candidato a vereador da cidade pelo PSC César Guerra também alegou ter sido surpreendido com seu nome na lista do TCU, e culpou o sistema do governo federal. Dono de sítio, dois apartamentos, sendo um deles em bairro nobre do Recife, terreno, automóveis e aplicações em banco, o político tem um patrimônio avaliado em R$ 1,1 milhão. Mesmo assim, aparece como beneficiário de R$ 600 do auxílio emergencial.
“Fiquei surpreso, até porque não preciso e não me enquadro nos requisitos. Já tomei as medidas cabíveis efetuando a devolução do valor que estava numa conta digital criada em meu nome. Isso mostra o quanto o sistema é falho”, disse.
Em Machados, também no Agreste, o empresário e candidato a prefeito pelo MDB, João Soares de Moraes, confirmou que pediu o auxílio emergencial, mas colocou a operação na conta da filha dele. “Eu nem sei o que falar. Isso aí quem fez foi minha menina, eu num tava nem sabendo se eu tinha recebido ou não. Tô chegando de viagem, vou ver com ela o que foi. Foi ela que fez, disse que tinha direito. Me perguntou: ‘faço, papai?’ e eu disse: ‘faça’”.
Com patrimônio de R$ 1,1 milhão, João Soares declarou quatro carros – sendo dois caminhões – uma casa em Machados e R$ 120 mil em espécie. “Vou ver aí o que vai acontecer, consultar um amigo advogado. Se tiver alguma bronca e precisar devolver, a gente devolve”, afirmou. Segundo os registros do TSE, João Soares foi candidato a vereador da cidade em 2008 pelo PHS, candidato a vice-prefeito em 2012 pelo PTB e a vice-prefeito pelo PR em 2016.
Ex-vereador por duas vezes em Águas Belas, no Agreste, atual candidato do Patriotas a prefeito do município, o produtor rural e estudante de direito Renato Alexandre Rodrigues Wanderlei sacou recentemente a terceira parcela do benefício de R$ 600. “Com a pandemia deixei de trabalhar e minha esposa perdeu o emprego então recorri ao auxílio emergencial para pagar as contas, foi necessidade mesmo. Estou triste por ter precisado e as pessoas me julgarem por isso”, lamentou.
Renato Wanderlei é proprietário de terrenos que somam 290 hectares, prédio com campo society, uma casa e automóvel. Os bens do candidato ultrapassam R$ 1,2 milhão. “Ter esse patrimônio não quer dizer que você tem esse dinheiro em mãos. O produtor rural aqui sofre, fecha todo ano no vermelho. Meu intuito é quando as coisas começarem a melhorar, devolver esse dinheiro”, contou.
Em Petrolina, no Sertão, a candidata a vereadora pelo Republicanos Maria das Mercês Coelho Araújo, mais conhecida como Mercezinha Araújo, disse à reportagem que precisava falar com os seus advogados e contador para explicar o que aconteceu.
“Só se receberam em meu nome porque eu não recebi. Se vocês apontarem essa irregularidade, eu vou entrar nos órgãos competentes para ver o que é isso e tentar fazer a regularização. Você não publique qualquer coisa antes de eu falar com meus advogados. Vou falar também com meu contador”, afirmou.
A candidata disse que estava passando por uma situação econômica difícil. “Estou num aperto porque vivo de aluguel, está entendendo? E os aluguéis caíram aqui. Vou falar com meus advogados”.
Pouco tempo depois, ela retornou a ligação com a informação do contador que, de fato, havia sido feito o pagamento. “Foi uma questão mesmo de erro material. Esse dinheiro foi devolvido. Meu contador vai passar o recibo para vocês por e-mail comprovando que esse valor foi devolvido”.
Segundo Maria das Mercês, deve ter havido um erro porque a família dela é natural do Piauí e lá tem muitas Marias de Mercês. “Toda casa tem uma”. Segundo ela, a conta da Caixa onde houve o depósito só é utilizada para o recebimento dos aluguéis.
“Eu procurei saber e meu contador disse que foi um erro, acho que tinha algum nome ou CPF parecido com o meu e vincularam, mas ele me informou que, quando detectou isso lá, foi tirado do caixa da empresa mesmo e devolvido. Essa situação já foi regularizada. Não tem nem mais graça”, explicou. O comprovante enviado por e-mail para a reportagem, no entanto, tinha sido emitido há poucos minutos e com data de pagamento para esta segunda-feira, dia 9.
Na declaração de bens de Maria das Mercês ao TSE constam oito terrenos, dois carros e uma moto, totalizando um patrimônio de quase R$ 2 milhões.
“Eu tô dirigindo agora. Você tem como ligar daqui a meia hora?”, foi assim que respondeu Adeilson de Holanda Lucena à reportagem ao saber do tema da conversa. Adeilson é candidato a vereador do Recife pelo Podemos. “Eu nem tava sabendo dessa listagem, foi um vizinho meu que falou que tinha saído uma listagem de quem recebeu o auxílio. Eu na realidade estou recebendo, entendeu? Sou taxista, autônomo. Se eu disser para você que eu não estou recebendo, vou estar mentindo. Tô recebendo”.
Ao ser questionado sobre os bens que declarou e a real necessidade de solicitar o auxílio, Adeilson terminou a conversa do mesmo modo que ela começou. “Eu tô dirigindo. Você tem como me ligar daqui a meia hora?”. Nas tentativas seguintes feitas pela reportagem o número deu fora de área ou tocou sem resposta.
Figura conhecida na cena política de Araçoiaba, Região Metropolitana do Recife, o ex-vice-prefeito da cidade, Antônio Fernando Galindo Borges – o Antônio de Maria Rita – não quis responder se recorreu ao auxílio emergencial. Ao ser questionado pela reportagem sobre o assunto encerrou a entrevista e desligou o telefone, mesmo após sucessivas tentativas de contato não atendeu.
Com passagens pelo PL, PT, PSB, PMDB e atualmente no DEM, Antônio é produtor agropecuário e, segundo sua declaração de bens ao TSE, dispõe de um patrimônio de R$ 1,6 milhão divididos em dois terrenos e um imóvel na cidade de Nazaré da Mata.
Em Santa Maria da Boa Vista, no Sertão, o candidato a vereador pelo PP Artur Murilo Gonzaga Rodrigues confirmou que está recebendo o auxílio emergencial. Segundo ele, a terra de sua propriedade que está declarada ao TSE não vale R$ 1 milhão. “Eu tenho uma terra de beira de rio de 49 hectares e aí quando preencheram o documento colocaram R$ 1 milhão, mas todo mundo que me conhece aqui na cidade sabe que eu não tenho esse patrimônio, que a terra não vale isso”.
Murilo Rodrigues, nome na urna de Artur, é agricultor. Disse que trabalhou por quatro anos no Maranhão, em terraplanagem, cuidando das máquinas. Natural de Santa Maria da Boa Vista, retornou ao município em 2016 e faz dois anos que plantou a última roça. “A terra está parada. Fica há seis quilômetros do centro da cidade. Sou agricultor. Tô sem renda nenhuma. Tava necessitado mesmo do auxílio e estou recebendo”, contou.
Na declaração de bens ao TSE, além do terreno, constam quatro veículos no valor total de R$ 69 mil. “Tem uma pampa que está encostada e nem roda mais. Eu ando num fiestinha 2004”, conta Murilo.
O minerador de água e empresário, José Messias Leite Bernardo é taxativo: “Precisei recorrer e não há nenhum problema nisso, se você se enquadra nos requisitos tem direito porque o dinheiro não é do governo, vem dos nossos impostos”. Com nome de urna de Bernardo da Água, o candidato a prefeito de Belo Jardim pelo PRTB, além de participação em empresas, dispõe de imóveis e obras de arte que lhe garantem um espólio de quase R$ 2 milhões.
“Levei 30 anos para construir o que tenho hoje. O empresário é o maior pagador de impostos do mundo, e nessa pandemia o governo fechou tudo. Recorri ao auxílio emergencial para não roubar da saúde, da educação ou qualquer outro dinheiro público como tantos fazem. Sou um cidadão trabalhador e vou usar as três parcelas que tenho direito”, afirmou Bernardo, argumentando que foi o primeiro candidato do Brasil a renunciar aos fundos partidário e eleitoral.
Advogado com atuação no Recife, Aderbal Queiroz Monteiro Júnior é candidato a vereador pelo PP em Lagoa do Ouro. Ele confirmou que entrou com o pedido para receber o auxílio emergencial e disse que foi negado porque já teria concorrido a cargo eletivo. “Eu dei entrada e foi negado porque eu fui candidato. Eu ia até recorrer porque eu tava querendo receber esse dinheiro porque depois dessa pandemia tive que fechar meu escritório de advocacia, demitir, uma verdadeira roda viva”, explicou.
Segundo Aderbal, outras pessoas que já haviam se candidatado antes também teriam tentado e não conseguido os recursos. “Não só fui eu não, viu? Todos os que foram candidatos na eleição passada foram cancelados porque concorreram a cargos eletivos. Se tem alguém recebendo por mim é bom apurar isso aí porque eu não recebi nenhum tostão, não fiz nenhum saque, inclusive tive que vir morar na fazenda porque o custo de vida aqui é mais barato”, informou.
Na declaração de bens ao TSE constam como propriedade de Aderbal um apartamento e uma casa no Recife, que juntas somam o valor de 1,45 milhão de reais, duas terras nuas em Lagoa do Ouro, uma caminhonete e dois jeeps.
“Realmente eu tenho patrimônio. É tanto que está declarado, que foi conquistado com os meus honorários, com os meus esforços. Infelizmente, com a pandemia, o fórum fechou, os processos virtuais praticamente não estavam andando. Estou vivendo da produção de orgânicos que eu tenho aqui na fazenda”, contou, explicando que já vendeu o carro do filho e da esposa e teve que cancelar seu plano de saúde. “Eu não tenho motivos para estar escondendo, eu sou um profissional liberal e vivo do que eu corro atrás, dos meus processos”.
Na declaração de bens ao TSE do candidato a vereador de Olinda pela Rede Sustentabilidade Fernando Antônio de Melo Moura, conhecido por Buguito, consta que ele tem uma “herança estipulada em US$ 2 bilhões” como beneficiário de um fundo e várias contas em diversos países.
Em entrevista, Fernando disse que é beneficiário de um fundo fora do país há 13 anos e que algumas das transferências desse fundo, que deveriam vir para o Brasil no seu nome, foram desviadas e ele não recebeu os recursos de aplicação a que tinha direito e, por isso, precisou pedir o auxílio emergencial.
“Diante do que aconteceu eu parei minhas atividades e solicitei o auxílio. Eu mesmo escrevi para Bolsonaro dizendo que se ele cumprisse a ordem do Ministério da Justiça de liberar o meu dinheiro, eu não tinha necessidade de receber o auxílio emergencial”. Segundo Fernando, depois dos primeiros pagamentos, o governo cortou o auxílio que ele estava recebendo. Na lista divulgada pelo TCE, Fernando teve depositado o total de R$ 1,8 mil do auxílio.
Em Palmares, Zona da Mata Sul, Josildo Alves da Silva estreia na disputa pela câmara da cidade concorrendo pelo PSL. Autodeclarado indígena, o candidato informou ao TSE ser dono de um veículo e duas casas. Juntos, os bens somados valem um pouco mais de R$ 1,2 milhão, mesmo assim, segundo registros do Ministério da Cidadania e do TCU, Josildo fez o saque de duas parcelas do auxílio emergencial, totalizando R$ 1.200.
A reportagem tentou contato com Josildo por ligações telefônicas e deixou mensagens no WhatsApp informado pelo candidato no registro do TSE. Uma pessoa identificada como Marcelo Guedes, que se apresentou como contador responsável pela campanha de Josildo, respondeu pelo aplicativo dizendo que não sabia informar se o seu cliente recebeu ou não parcelas do auxílio emergencial.
A reportagem também fez ligações telefônicas e mandou mensagens de WhatsApp para o comerciante e candidato a vereador de Frei Miguelinho pelo MDB Zé Carlos da Sulanca, mas não obteve resposta. A lista do TCU aponta que ele recebeu R$ 1,2 mil.
Dos 13 candidatos com bens acima de R$ 1 milhão, ele tem o maior patrimônio, com bens avaliados em mais de R$ 4 milhões. À Justiça Eleitoral, declarou possuir a propriedade de um prédio comercial, casa, dois terrenos, 40 máquinas de costura industrial e dois caminhões. Segundo registro no site do TSE, Zé Carlos da Sulanca foi candidato a vereador, em 2016, em Riacho das Almas e ficou na suplência.
Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.
Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com
Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República