Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Entrevista| Albanise Pires (PSOL): “A disputa para o Senado acaba sendo um apêndice da eleição ao governo do estado”

Mariama Correia / 03/10/2018

adalgisasaberturaQuando avisei que o gravador estava ligado, Albanise Pires, candidata ao Senado pelo PSOL, demonstrou preocupação. Queria garantir que sua voz seria distinguida pelas eleitoras e eleitores caso o áudio fosse publicado. “É que já tive uma fala atribuída a outra candidata em um debate de rádio. A confusão muitas vezes acontece porque os candidatos homens, que estão na política há anos, já são conhecidos. Mas as pessoas ainda não conhecem as vozes das candidatas”, justificou.

A afirmação de seu discurso e de sua candidatura é questão central para a recifense, que disputa uma vaga no Senado pela segunda vez (a primeira foi em 2014). Isso porque os espaços de debate entre os postulantes à Casa Alta do Congresso Nacional – cuja disputa deste ano está sendo liderada por nomes tradicionais e masculinos da política – foram escassos. “A eleição ao Senado acaba sendo um apêndice da corrida ao governo do estado, quando é um cargo de extrema importância para Pernambuco e que tem um mandato de oito anos”, considera.

É preciso qualificar o debate, defende, porque as pautas do Senado não têm sido discutidas nas campanhas, que se baseiam em feitos pregressos dos postulantes em cargos executivos ou no apoio que eles recebem de padrinhos políticos. Nesse ponto, a participação mais efetiva de mulheres na política é essencial, na opinião da candidata que pelo PSOL, que também tem no currículo uma campanha como candidata a vice-prefeita do Recife e, atualmente, é a primeira suplente do mandato de vereador de Ivan Moraes (PSOL).

“Pernambuco nunca teve uma senadora nem nunca foi governado por uma mulher. A cada quatro anos elege 25 representantes para a Câmara de Deputados, ao longo da história da democracia pernambucana nós só elegemos três mulheres para esse lugar. Precisamos ocupar esses espaços para que nossas demandas sejam ouvidas”, argumenta.

Em uma chapa feminista e 100% feminina, encabeçada pela candidata ao governo, Danielle Portela (PSOL), e pela vice, Gerlane Simões (PCB), que ainda tem outra postulante ao cargo de senadora, Eugênia Lima (PSOL), Albanise escolheu o slogan ‘Ela é muitas’ para se apresentar como uma representante da diversidade de pautas das mulheres no parlamento. Mas a capacidade de sua campanha de agregar essa pluralidade de pensamentos tem sido posta à prova por resistências que ela enfrenta dentro de grupos femininos no próprio partido. Mesmo sendo uma das fundadoras do PSOL e já tendo ocupado a presidência da legenda em Pernambuco, Albanise está hoje fora da Casa Marielle Franco, comitê coletivo do PSOL, no Derby. Seu QG foi montado em uma casa no Espinheiro, que ela divide com o deputado estadual Edilson Silva (PSOL) e a candidata a deputada federal Gaby Conde (PSOL).

“O que me ofereceram lá (no comitê do Derby) foi um quartinho nos fundos, sem janela. Sou fundadora desse partido, abri as portas para muita gente”, reivindica. Os motivos que levaram ao estremecimento entre ela e suas companheiras da chapa majoritária se tornaram públicos depois que uma carta-queixa de Albanise foi vazada na imprensa. Entre outros fatores, os desentendimentos têm como combustível, entre outras coisas, o gesto de apoio à Marília Arraes quando a petista foi retirada da disputa ao governo do estado pelo seu partido. Albanise não esconde o descontentamento. Considera que o isolamento trouxe perdas para a campanha. Nesta reta final, contudo, garante já ter superado as desavenças e evita falar de um racha no partido, que luta para romper a cláusula de barreira. Diz que, embora existam discordâncias, a sua candidatura e a das suas companheiras apontam para um mesmo horizonte de luta por uma sociedade emancipada e pela desmasculinização da política. Acompanhe a entrevista:

Representatividade

“A Câmara de Vereadores já está na 17º legislatura e apenas 16 mulheres ocuparam esse lugar em Pernambuco. A gente tem uma subrepresentação e isso se reflete na definição de políticas públicas para as mulheres. Porque na política, os espaços institucionais de poder são os espaços decisórios, onde se define o bolo dos recursos públicos. Nós temos uma desigualdade na arrecadação muito grande onde o peso maior recai sobre os menos favorecidos, mas os benefícios vão para as elites. Mas quem está lá decidindo não somos nós.”

Mulheres na política

“A gente sabe que a política foi pensada e é exercitada por homens. É um modelo rígido. Para nós como mulheres é super difícil participar desses espaços mistos na política porque os homens nunca pensam, por exemplo, que a mulher não tem com quem deixar o filho para ir para uma reunião. Então, quando mais mulheres participarem acaba sendo mais natural a gente pensar nessas pautas. O ato do último sábado (29) contra Bolsonaro, protagonizado pelas mulheres, mostrou que as pessoas estão com muita consciência do momento político do país. Acho que vi a desmasculinização da política acontecer naquele ato. Tem relação com esse processo onde as mulheres estão sendo empoderadas, com a execução de Marielle, que faz parte desse processo de empoderamento que as mulheres que estão chegando e ocupando lugar na política e o PSOL está na proa disso. Em 2013 elegemos 11 vereadoras. Somos um partido pequeno, mas temos parlamentares bem avaliados. Em Pernambuco temos a nossa chapa feminista – quatro titulares, suplentes também mulheres, duas mulheres negras disputando o poder executivo. Dani Portela está despontando como algo novo e diferente. É uma questão de identidade. Somos a maioria da sociedade, precisamos estar nesses espaços e queremos. ”

Senado

“Acredito que o candidato ao Senado é o último voto a ser definido, não somente por causa dessa polarização atual, mas é uma disputa que fica como um apêndice da eleição ao governo do estado. Historicamente os candidatos que disputam o Senado não querem ter compromissos com a população, então é conveniente para eles não discutir propostas para o mandato. Mas enquanto Pernambuco tem 25 deputados federais, senadores são apenas três -a gente vai renovar dois agora. A Câmara dos Deputados é proporcional à população. A Constituição prevê o mínimo e o máximo de representantes por estado. O Senado é quem dá o equilíbrio, mas não temos debates para o Senado entre os que lideram a disputa. Além disso teve essa reforma eleitoral que só reforçou a manutenção das pessoas que já estão lá. Recebi R$ 22 mil para fazer a campanha, Jarbas (MDB) recebeu R$ 2 milhões. Eu tenho cinco segundos de guia eleitoral de dois em dois dias (mesmo com as regras que estabelecem o tempo de TV para candidaturas femininas, esse tempo é proporcional à legenda). ”

Pautas prioritárias

“Meu primeiro compromisso é organizar uma trincheira de luta tanto no campo social quanto no campo institucional junto com os parlamentares do PSOL. É compromisso meu também defender a revogação da PEC da Morte (PEC do Teto dos Gastos) e interromper a reforma previdenciária porque ela tira direitos. Nós queremos que o debate de gênero chegue nas escolas. Queremos uma escola sem mordaça onde os alunos possam estudar sociologia, comunicação, discutir os tempos. A questão de gênero e diversidade é muito importante para nós que discutimos as pautas de opressão, afinal a sociedade machista é uma construção. Nós precisamos desconstruir esses preconceitos.”

Chapa feminista

“Feminismo não é o oposto do machismo. Machismo é quando os homens oprimem mulheres, feminismo não é opressão, é igualdade. A mulher que faz a opção pela maternidade, por exemplo, sofre uma redução da sua cidadania plena. Nós muitas vezes não conseguimos mais ter uma participação plena na sociedade e os homens não entendem isso. Por isso a gente precisa do debate de gênero.”

Disputas internas

“O PSOL é um partido que tem uma vida interna muito viva. Tivemos algumas diferença na chapa majoritária. Sou fundadora do PSOL, tenho uma história longa no partido, sempre coordenei as eleições, sou dirigente desde a fundação, essa é a quarta eleição que participo. Então tenho um acúmulo, mas a minha intenção não é necessariamente sobrepor às minhas companheiras. Fiz um movimento para me solidarizar à candidatura de Marília Arraes (PT). Minha candidata ao governo é Dani Portela (PSOL), sempre foi, mas, como mulher, quero empoderar outras mulheres na política e eu não poderia me silenciar diante de uma situação de desqualificação de uma candidatura feminina. Isso causou um estremecimento. Você vê que esse comitê é distanciado porque me deram uma sala nos fundos, sem janela. Eu fui fundadora do PSOL, construí esse partido para ser uma ferramenta de empoderamento. A gente precisa ter mais irmandade, mais unidade.”

Racha no partido

“Para fazer política você não pode ser covarde. Não acho que tem um racha entre um grupo de Edilson SIlva (PSOL) e outro, mas acho que o mandato de Edilson era pra ser prioridade e não está sendo. Nos poucos programas que temos de TV não existe Edilson, quando o lógico era que ele aparecesse mais, por ser uma figura conhecida que atrai votos. Tivemos uma mudança no programa de TV para gastar mais tempo com candidaturas de Ivan Moraes e Paulo Rubem porque a gente precisa ultrapassar a cláusula de barreira. Colocaria essa mesma lógica no deputado estadual. Nós temos um mandato, temos que potencializar. Não é um racha porque assim o PSOL foi construído, com essa possibilidade de tendências internas.”

Ela é muitas ou está isolada?

“A minha candidatura tem um grande chamado de fazer uma unidade no campo progressista e republicano em defesa da democracia. Precisamos resgatar a nossa democracia para construir musculatura – mas não sozinha. Preciso me juntar aos parlamentares do PSOL, mas o partido ainda é pequeno. Tem parlamentares na Rede, no PDT, no PT. Meu candidato é Boulos, essa é a minha chapa onde me sinto muito representada, mas também estou na torcida para que Haddad e Ciro cheguem fortalecidos. Esse combate ao golpe tem que caber mais gente. No caso das divergências internas, o fato de sermos mulheres facilitou as conciliações. Quando fiz aquela carta era para discutir internamente, lamentei ter saído no jornal, mas a gente não tem controle com rede social. Tenho uma inserção por dia na TV. Quando fui olhar a grade só aparecia de manhã e de tarde. Ora, eu vou passar na hora da sessão da tarde? Ninguém vê! Não se quem decidiu isso, quando fui ver, já tava decidido. Depois da carta, nos reunimos as quatro companheiras e dissemos absolutamente tudo. Temos um grupo no ‘zap’ as quatro. Torço pela candidatura de Dani, precisamos de mais candidatas mulheres na política e na esquerda, independente do partido.”

AUTOR
Foto Mariama Correia
Mariama Correia

Jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi repórter de Economia do jornal Folha de Pernambuco e assinou matérias no The Intercept Brasil, na Agência Pública, em publicações da Editora Abril e em outros veículos. Contribuiu com o projeto de Fact-Checking "Truco nos Estados" durante as eleições de 2018. É pesquisadora Nordeste do Atlas da Notícia, uma iniciativa de mapeamento do jornalismo no Brasil. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais, na Kings (UK).