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Crédito: Maíra Acioli/Recife de Luta
A Articulação Recife de Luta, composta por 40 organizações da sociedade civil organizada, apresentou, nesta quarta-feira (14), um conjunto de propostas que não estão presentes no documento organizado pela Prefeitura do Recife, através da empresa Diagonal, para o Plano Diretor que vai definir a política de desenvolvimento e expansão urbana pelos próximos dez anos.
As entidades que têm participado desde o início do processo de construção do Plano de Ordenamento Territorial (POT) – do qual o plano diretor faz parte – denunciaram irregularidades no processo e pediram a inclusão de 30 propostas “inegociáveis” no Caderno de Propostas que será votado nos dias 3 e 4 de dezembro, na Conferência de Revisão do Plano Diretor. As propostas da sociedade civil foram formalmente entregues à prefeitura na última segunda (12).
Nesta semana, uma missão oficial do Banco Mundial está no Recife para averiguar a situação do contrato. Na segunda-feira, a Recife de Luta apresentou uma denúncia formal ao órgão, que é financiador do processo. A denúncia aponta o descumprimento de salvaguardas ambientais, sociais e culturais previstos pelo próprio órgão internacional. Com financiamento do Banco Mundial (Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD), a Prefeitura do Recife destinou R$ 2.679.963,04 para a contratação de empresa Consórcio Diagonal – JW, vencedora da licitação internacional. O Banco deve ouvir a gestão e acompanhar o andamento do projeto.
Pelo Termo de Referência do contrato firmado, a Diagonal deveria entregar um novo Plano de Ordenamento Territorial (POT), no qual estão incluídos a revisão do Plano Diretor e um conjunto de elementos técnicos (ver imagem ao lado) sem os quais não é possível ter um planejamento adequado à realidade do Recife.
Entre as irregularidades apontadas está a ausência de estudos que deveriam ter sido feitos antes da finalização da proposta do Plano Diretor (a minuta de Lei organizada pela prefeitura) com finalidade de dar suporte técnico ao documento. Além desta grave denúncia, a PCR até hoje não apresentou avaliação sobre o plano vigente. “O termo de referência exige. Esses estudos estão sendo pagos e não estão sendo feitos. São estudos caros. Eu só poderia fazer uma proposta de zoneamento, de parâmetros depois de ter tudo isso pronto. Você pega o diagnóstico e nada disso está. É uma vergonha”, criticou Fernanda Costa, vice-diretora do IBDU (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico) e integrante da articulação.
As acusações não param por aí. Fernanda considera que as mudanças propostas pela gestão da cidade abrem margem para o desmanche de duas políticas públicas – a Lei dos 12 Bairros, que limita construtoras em alguns bairros, e as ZEIS (Zonas de Especiais de Interesse Social). As duas políticas surgiram após pressão popular contra a especulação imobiliária em áreas superpovoadas ou ocupadas por população de baixa renda.
Apesar dos esforços de diálogo com a gestão, a sociedade civil organizada avalia se irá participar da Conferência, agendada para o início de dezembro. O processo anterior de construção do POT deveria incluir no cronograma escutas da sociedade, mas não foi o que aconteceu segundo a articulação. “Na prática, o Plano Diretor encerra no momento da entrega do documento. O calendário que mostra que em 2019 continua o processo não é verdade”, explica critica Socorro Leite, da Habitat Para Humanidade e da articulação Recife de Luta.
Uma contradição apontada é o tempo gasto com a licitação, contratação da empresa e início dos trabalhos, que durou 38 meses. Por outro lado, todo o trâmite para construção do POT em 2018 aconteceu em cinco meses. Em 2018, ano em que o último Plano Diretor foi construído, o mesmo processo durou três anos. “A fase de proposições foi extirpada, não houve processo de participação da sociedade. Na verdade o que deveria estar indo para discussão eram as diretrizes, linhas gerais e indicativos para só depois formular os instrumentos normativos”, completou Fernanda Costa.
As organizações se dizem desrespeitadas pelo rolo compressor que a Prefeitura do Recife tem feito. “Nós batemos no teto de todos os esforços democráticos que nós poderíamos fazer. O horizonte não está claro, mas se a minuta não for apreciada ainda esse ano não quer dizer que o processo vai se alterar. Os lados estão muito bem definidos”, comentou Evanildo Barbosa, da FASE.
O temor de alguns é que independente do tempo normal de tramitação, a prefeitura acelere o processo na Câmara, como fez em outras ocasiões. O receio é justificado, já que não haveria impedimentos legais que impeçam a Câmara dos Vereadores de analisar a minuta em uma sessão extraordinária antes do recesso parlamentar.
As organizações apontaram, também, que o documento apresentado traz sugestões que são cópias fiéis do plano diretor de São Paulo. O problema não é se basear na experiência da outra cidade, mas trazer propostas em qualquer ajuste à realidade e necessidades do Recife, explicaram representantes da sociedade civil.
O descuido, no entanto, mostra como a pressa para acabar a proposta pode resultar em erros grosseiros que qualquer profissional sério descartaria em uma análise. “A proposta copia vários dispositivos do plano diretor de São Paulo, uma megalópole com outra dinâmica territorial e de renda”, disse Fernanda. Um dos cálculos propostos pela prefeitura, por exemplo, leva em consideração uma realidade econômica muito diferente que poderia beneficiar, mais uma vez, as construtoras e não grande parte da população da capital pernambucana.
“Nós já vivemos na capital mais desigual no Brasil e essa proposta aprofunda isso. Na prática, a Prefeitura do Recife propõe extinguir as ZEIS do Recife nos próximos dez anos”, disse Rud Rafael, da articulação, explicando que a criação de “Projetos Especiais” pela prefeitura serve para flexibilizar os parâmetros de construção dentro das zonas de proteção especiais.
O debate técnico pode confundir muitas pessoas, mas a articulação alerta para o perigo de este Plano Diretor abrir espaço para o avanço do setor imobiliário em áreas que já tinham algum tipo de proteção e outras regiões do Recife que ainda não sofrem com a especulação imobiliária.
A articulação tem tentado frear o avanço do projeto denunciado as irregularidades. Além do Banco Mundial, foram apresentadas representações ao Ministério Público do Estado de Pernambuco pela falta de efetiva participação popular da sociedade civil ao longo da revisão; ao Tribunal de Contas, por descumprimento do edital de licitação, pagamentos indevidos e uso indevido dos recursos públicos; Atualmente, a prefeitura está respondendo a dois inquéritos do MPPE e passa por uma investigação do Banco Mundial.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.