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Exercício do livro didático “Natureza e Sociedade” (Edição 2017) da editora Construir.
Por Helena Dias
O livro “Solta os cabelos, Maria” conta a história de uma menina negra em processo de construção da sua identidade, mas tem um significado muito maior no combate ao racismo e na luta por uma reparação social mais que urgente para as populações negras. O livro será lançado na próxima sexta-feira (7), das 9h às 12h, no Centro Cultural Rossini Alves Couto, como resultado de denúncia feita pela educadora social Aline Lopes, em 2017, mãe de duas crianças negras que resolveu não se calar quando percebeu o racismo ser reproduzido naturalmente no material didático do seu filho.
Era julho de 2017 quando ela tomou a decisão de denunciar a reprodução de preconceitos raciais encontrados no livro “Natureza e Sociedade” da editora Construir (conhecida à época como Formando Cidadãos), utilizado como base nas aulas do seu filho de 3 anos. A denúncia foi feita primeiramente pelo Facebook, rede social em que Aline se deparou com muitas agressões à sua fala e, mesmo assim, não desistiu de tocar a reivindicação por representações sociais justas para seus pequenos.
Ela, mulher branca, recebeu acolhimento em uma corrente do movimento negro em Pernambuco, o Círculo Palmarino, para levar o caso ao MPPE e dar início a um processo de busca por reparação social.
A denúncia se transformou em um inquérito que ficou sob responsabilidade das procuradorias de Direitos Humanos e Educação, resultando em um termo de ajuste de conduta, em que a editora se comprometeu a produzir um livro paradidático que abordasse questões raciais. Ao todo, foram distribuídos 17 mil exemplares em 760 escolas privadas que, anteriormente receberam o livro didático “Natureza e Sociedade”.
O Círculo realizou formações de combate ao racismo tanto com o corpo docente quanto com os alunos da escola privada onde o filho de Aline estuda. As formações foram feitas em janeiro deste ano, apresentando o tema de forma didática e levando o debate para além do combate ao racismo. Segundo a universitária e integrante do Círculo, Juliana Vitorino, outras problemáticas foram encontradas nos exercícios do livro.
O movimento tratou sobre gênero, heteronormatividade, cotas raciais e se colocou à disposição da editora Construir para desenvolver a mesma formação com os funcionários da empresa. A proposta foi feita no início deste ano, mas não houve retorno.
Até o fechamento desta reportagem, a Marco Zero Conteúdo não obteve posicionamento da editora a respeito da obra. Já o MPPE confirmou o lançamento do livro infantil e divulgará os detalhes do inquérito durante o evento. Haverá roda de diálogos sobre o enfrentamento ao racismo nas escolas.
Combate ao racismo em tempos de Bolsonaro
Juliana Vitorino considera o livro “Solta os cabelos, Maria” uma conquista do movimento negro por significar que a denúncia de racismo não teve um cunho punitivo, mas sim educativo e reparador. Questionada sobre sua expectativa enquanto ativista do movimento negro para o governo Jair Bolsonaro (PSL), Juliana acredita que as dificuldades no combate ao racismo serão maiores, mas não enxerga a possibilidade de recuar. Reforça a resistência.
“Essas conquistas vão estar muito mais distantes, esta pauta vai ser tratada como uma pauta identitária e distante. Ele (Bolsonaro) vai colocar em segundo e terceiro plano e a gente vai ser visto como quem “tem que trabalhar, trabalhar, trabalhar”. Quando ele vem com isso de criminalizar os movimentos sociais, eu só penso em me proteger e proteger os meus irmãos”, afirmou.
Relembre a denúncia
Um dos exercícios passados como tarefa de casa pela escola privada, onde o filho de Aline Lopes estudava, pedia que as crianças ligassem três profissionais às suas respectivas profissões representadas pelos ambientes de trabalho.
Entre três profissionais, apenas um era negro e trabalhava como servente, enquanto as duas pessoas brancas exerciam funções como secretária e professora. À época, em entrevista a veículos locais, Aline deixou claro que a problemática não estava nas profissões em si e questionou o porquê das funções serem atribuídas de acordo com a cor da pele.
Já em outra tarefa, o conteúdo fazia relação entre sentimentos e família. Pedia que as crianças circulassem a ilustração “do lar em que as pessoas estão felizes”. Acontece que o exercício diferiu os sentimentos a partir da pele dos integrantes de cada família, como é possível ver nesta outra imagem:
Em resposta à denúncia, no mesmo período, a editora emitiu nota de repúdio a “qualquer tipo de intolerância e preconceito” e, por meio do gerente administrativo da empresa à época, Paulo André Cavalcante Leite, se pronunciou. Segundo ele, a denúncia foi uma surpresa já que o livro fazia parte de uma coleção de 12 mil páginas que estava sendo trabalhada há quatro anos e não havia recebido nenhuma reclamação.
Para ele, Aline estaria se “pautando em apenas duas atividades” quando, na mesma coleção, há outras imagens “onde o negro é protagonista da própria cena, como professora negra e bailarina negra”. Paulo André informou que na edição 2018 do livro os erros seriam corrigidos para “evitar problemas”.
A última atualização da matéria foi feita às 16h41 do dia 07/12/2018
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