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Debate na Fiocruz. Foto: MCS/MZ
O amplo auditório da Fundação Oswaldo Cruz, no campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), é decorado com painéis com imagens de oito grandes cientistas da saúde, como Alexandre Yersin, Adolpho Lutz e Pirapá da Silva. Todos homens, todos brancos. Mas ontem, 13 de maio, as palestras do professor da UFPE Alexandre de Jesus e da professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Lia Vainer Shucman eram sobre figuras que não estavam lá: como a branquitude influencia no fazer científico.
A plateia estava lotada, com maioria negra. Apesar do tema do debate supor dados sobre como os brancos se mantém no topo da academia, a palestra dos dois professores se voltou para aspectos mais conceituais e aprofundados.
Lia falou sobre o conceito de branquitude como um lugar de poder. “Nas sociedades estruturadas pelo racismo, ou seja, as de colonização europeia, ser branco é uma construção social que o coloca em um lugar de vantagem. Apesar de apenas 18% da população mundial ser considerada branca, mesmo assim o branco é colocado em uma posição de norma”.
Segundo o IBGE, entre a população branca, 22% são graduados (2017). É mais do que o dobro dos brancos diplomados no ano 2000, quando o índice era de 9,3%.
Dentro dos estudos de raça, a brancura é a cor da pele e a branquitude é uma construção social: não existe o “branco verdadeiro” e sim o que é considerado branco pela sociedade. “O branco não se vê como um ser racializado. O negro, por outro lado, aprende isso desde cedo. O negro carrega o peso de um grupo, a raça vem antes do sujeito. O branco representa apenas ele mesmo”, explicou Lia.
Segundo um levantamento do portal G1, em 2017, quase 400 mil pessoas davam aulas em universidades públicas e particulares do Brasil. Apenas 62.239 delas, ou 16% do total, se autodeclararam pretas ou pardas.
Em um rápido slide que a professora mostrou, havia dados de uma pesquisa de 2010 sobre professores negros em universidades brasileiras. Na Unicamp, por exemplo, dos 1.761 professores, apenas quatro eram negros. Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2.300 professores, 30 negros.
A diferença no acesso aos cursos de pós-graduação já começa na graduação. São os brancos que têm mais tempo e acesso aos programas de iniciação científica. “E como são feitas as escolhas para os cursos de mestrado e doutorado? Geralmente são pessoas que os professores já conhecem, que já fizeram pesquisa”, disse, citando o caso do geógrafo Milton Santos, que tentou por nove vezes até passar em um concurso da USP.
O mesmo levantamento do G1 indica que em 2010 os negros respondiam por 11,5% das vagas de docentes do ensino superior.
Um ponto interessante levantado pelo professor Alexandre de Jesus foi de como na academia os brancos se apropriaram da história e da luta dos negros. “Quando um branco faz um estudo sobre racismo, ele faz um diagnóstico. Quando é um negro, é militância”, criticou. “E assim os brancos vão usando o arquivo dos negros para enriquecer seus currículos Lattes, lançar seus livros, viajar para congressos”.
Já para exemplificar o peso do sentido de grupo que o negro carrega, o professor citou o exemplo de dois programas: O PET (Programa de Educação Tutorial) e o PET Conexões de Saberes. “O PET foi criado como um reconhecimento do Ministério da Educação de que o ensino superior é precário. Então pega 18 estudantes para serem de excelência. Eles têm tutores e desenvolvem uma pesquisa. É um grupo que vai trabalhar com ensino, pesquisa e extensão. Muitos colegas professores participaram desse programa. Ao final, apresentam o resultado da pesquisa”, explicou.
Já o PET Conexões de Saberes é voltado para alunos da periferia. “Em sua maioria, pretos e pardos. E o que eles têm que fazer quando termina o período? Levar o que aprenderam para a comunidade. O branco não tem que levar o que aprendeu para o condomínio. O condomínio não é visto como um lugar problemático”, disse.
O percentual de pretos e pardos que concluíram a graduação cresceu de 2,2%, em 2000, para 9,3% em 2017, segundo o IBGE.
Alexandre também questionou os métodos da academia, ao impor os mesmos paradigmas para todas as pesquisas. “O arquivo do Ocidente é cioso de si mesmo. Ele deseja só a si mesmo. A experiência do Ocidente com o arquivo do outro foi primeiro destruir o arquivo do outro. Os maias, os incas, toda a experiência latino-americana. Primeiro, destruídos. Depois negados, como uma experiência de apenas oralidade. E hoje têm que falar sobre si pelos critérios do arquivo Ocidental. Tem horas que não fazer um diálogo é o respeito que a gente pode oferecer para esses grupos”, afirmou.
Para a Lia Vainer os cortes na educação anunciados pelo MEC, que atingem principalmente o custeio das universidades, vai ter um impacto maior nos estudantes negros. “Atinge a permanência das universidades. Fora que atinge os alunos em serviços como restaurante e casa estudantil, atinge os terceirizados que, na minha universidade, é de maioria de população negra. Qualquer corte público no Brasil, em qualquer dimensão, atinge primeiramente pobres e pretos”, afirmou.
O professor Alexandre de Jesus lembrou que a resistência é importante e que, pesquisadores negros como ele, já estão acostumados a fazer pesquisas “franciscanas”. “É um momento também para se fazer uma reflexão de como vai ser quando chegar a época de vacas gordas”, comentou.
Do total de 8 milhões de matrículas em universidades em 2011, 11% foram feitas por alunos pretos ou pardos. Em 2016, ano do último Censo, o percentual de negros matriculados subiu para 30%.
Na semana passada, a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) fez o primeiro corte em bolsas neste governo. Foram 3.474 bolsas “contingenciadas”. Eram bolsas que já haviam sido garantidas para o ano de 2019, mas ainda não tinham sido distribuídas para os estudantes.
Na UFPE, foram 36 bolsas cortadas, em várias áreas, como matemática, engenharia química, medicina tropical, genética, neuropsiquiatria. Dos R$ 4,1 bilhões de orçamento anual da Capes com despesas não obrigatórias (que não inclui, por exemplo, pagamento com pessoal) devem ser cortados R$ 819 milhões.
Com os cortes, a UFPE anunciou hoje a suspensão dos cursos presenciais de inglês na UFPE, dentro do programa Idiomas sem Fronteiras. Os professores eram financiados pela Capes. “Não há previsão para novas ofertas. Também foi necessário cancelar a seleção para o cadastro de reserva para novos professores”, diz nota da UFPE.
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org