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O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Justiça, Sérgio Moro, comemoram a redução dos homicídios no Brasil usando números preliminares e o menos confiável dos bancos de dados que o governo tem à disposição. E a diminuição da violência em 21,1% nos primeiros meses do ano, conforme divulgado terça-feira, dia 13, além de não ser resultante de nenhuma iniciativa do Governo Federal, pode ser bem menor do que afirmam as autoridades.
Ao comparar os números do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) e os dados do Sistema de Informações de Mortalidade, do Ministério da Saúde, se percebe que não há muito a festejar: se em 2017 o SIM apontou o recorde de 63.748 assassinatos, em 2018, os números preliminares indicam 52.508 mortes.
Aparentemente, a diferença é grande.
O problema é que ainda há 20.293 mortes sob investigação. E, se a média dos últimos anos se repetir, é provável que perto da metade desse total acabe migrando para o indicador de mortes violentas. A apuração de cada uma dessas mortes leva meses, o que explica a demora do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), responsável pelo SIM, em consolidar suas estatísticas. Para 2019, não há nenhuma estatística consolidada.
A investigação detalhada de cada morte é o que torna o SIM mais confiável. No mesmo período, o Sinesp registrou 59.790 homicídios em 2017 e 51.973 no ano passado. Ou seja, mesmo os números preliminares do SIM para 2018 (52.508 citados acima) já são maiores que os números finais do Sinesp.
De acordo com a sanitarista Maria da Conceição Cardozo, técnica da secretaria estadual de Saúde de Pernambuco e especialista em Monitoramento e Avaliação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) por mais de uma década, quando a a declaração de óbito, documento-base do SIM deixa dúvidas a respeito de uma morte, “os técnicos da prefeitura vão à residência da vítima, entrevistam os parentes e amigos,conferem o boletim de ocorrência, consultam os médicos e os prontuários do hospital, checam informações junto aos legistas do IML”.
Tamanha investigação não basta para confirmar todos os óbitos. “Milhares de mortes permanecem no indicador de causas indeterminadas porque os técnicos são impedidos ou têm medo de entrar nas comunidades onde as vítimas residiam”.
O Sinesp não conta com esses mecanismos de controle.
Criado em julho de 2012 ainda no primeiro governo Dilma Rousseff, o Sinesp nasceu para ser a base de dados própria das políticas públicas de segurança. Alimentado diretamente pelas secretarias de segurança pública ou de defesa social dos estados, ainda não é tão confiável quanto o SIM, segundo os especialistas.
O sociólogo José Luiz Ratton, coordenador do Núcleo de Estudos em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança da UFPE, pesquisa estatísticas de violência desde os tempos em que era estudante da graduação em Minas Gerais. Para ele, a fragilidade do Sinesp está na origem dos dados: “Alguns estados têm capacidade de lançar dados de maneira mais acurada, outros não. O Sinesp é uma tentativa de unificar esses procedimentos das secretarias estaduais de segurança, mas há estado que não está usando o sistema direito e sequer tem mecanismos de controle”.
Ratton acredita que “a maneira mais eficiente de melhorar a qualidade dos dados estaduais seria condicionar o repasse das verbas federais ao fornecimento das informações”. Algo semelhante aconteceu na Saúde, o que fortaleceu a produção de estatísticas da área.
O pesquisador da UFPE não está sozinho. Pelo menos três outros pesquisadores – Daniel Cerqueira, um dos responsáveis pelo Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); João Trajano, do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); e Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) – já se pronunciaram de maneira semelhante.
Outra base de dados não-oficial criada pelo site G1, da Rede Globo, está sendo usada por veículos de outros grupos de mídia. O Monitor da Violência é definido pelos seus editores como uma iniciativa cujo objetivo é “discutir a questão da violência no país e apontar caminhos para combatê-la”.
Ainda segundo texto do próprio site “o levantamento dos dados é feito por jornalistas do G1, que também fazem a investigação in loco (…) pesquisadores do NEV (Núcleo de Estudos da Violência da USP) e do FBSP revisam e analisam os dados (demandando, por vezes, ajustes e nova apuração)”.
A Globo garante que o Monitor “permite acompanhar com mais rapidez os índices de violência”, mas o sociólogo Ratton faz ressalvas à credibilidade dos dados. “Trata-se de uma tentativa de fazer um mapeamento mais rápido, mas, inexplicavelmente, eles decidiram não incluir os crimes cometidos por policiais, o que, em estados como Rio de Janeiro e São Paulo, representa um percentual considerável”.
Posição do Ministério da Justiça
A Marco Zero enviou três perguntas à assessoria de Imprensa do Ministério da Justiça:
1) Quais ações o MJ está desenvolvendo junto aos estados para padronizar o envio de dados ao Sinesp e torná-lo mais confiáveis?
2) A equipe do MJ identifica ou reconhece alguma fragilidade na base de dados do Sinesp, conforme alguns especialistas apontam, a exemplo de Daniel Cerqueira (Ipea), José Trajano (UERJ) e José Luiz Ratton (UFPE)?
3) O MJ ainda utiliza, mesmo que apenas internamente, os dados do SIM (Sistema de Informações de Mortalidade)?No mesmo dia, a assessoria encaminhou a resposta assinada pela técnica Déborah Salles, do setor de Estatísticas do Ministério da Justiça. Abaixo, segue a resposta na íntegra:
“A Lei que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública (Susp) – Lei nº 13.675/2018 – determina a integração das informações e dos dados de segurança pública por meio do Sinesp. Estados e Distrito Federal devem considerar a classificação da comunicação de morte de acordo com a Portaria 229/2018.
Modelos internacionais mostram que as Leis Penais são a base da classificação de crimes em registros de ocorrências policiais, salvo classificações que visam monitorar determinados fenômenos, como por exemplo, mortes por intervenção de agentes do estado. O Código Penal Brasileiro e Leis Extravagantes são as bases legais utilizadas pelo Sinesp em sua Tabela Nacional de Naturezas.
Além disso, os dados recebidos pelo Sinesp passam por análises quantitativas e qualitativas, objetivando a verificação da consistência das informações transmitidas. Após análise internas, os dados são ratificados ou retificados pelos Gestores Estaduais, para, então, serem divulgados.
O Sistema de Informações de Mortalidade é consideração (sic) na elaboração da metodologia e na divulgação inicial somente para fins de controle, já que não é possível coincidir tais números, espera-se que tais dados estejam na mesma ordem de grandeza.
O Sinesp passa por constante aprimoramento, tanto no que concerne a implementação de novas tecnologias, quanto às metodologias aplicadas à coleta, tratamento, análise e disseminação e acesso aos dados e informações fornecidos por seus integrantes”.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.