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Crédito: Helena Dias/MZ Conteúdo
Por Helena Dias e Joel Santos Guimarães
Durante coletiva de imprensa na última segunda-feira (9), o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Jaime Amorim, afirmou que a estratégia que o governo Jair Bolsonaro (PSL) tem usado para atacar o movimento em todo país é a tentativa de “privatizar” os assentamentos. No Nordeste, a solicitação do cumprimento da reintegração de posse do Centro de Formação Paulo Freire, localizado no assentamento Normandia, em Caruaru, é a primeira ofensiva contra os sem-terra que consolida essa tática do governo e reafirma as políticas contrárias à reforma agrária no Brasil, endossadas pela atual gestão.
Representantes do PSB, PSOL, PT e PDT se fizeram presentes na coletiva para prestar apoio ao MST, assim como a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e movimentos ligados à defesa dos Direitos Humanos no estado. Nesta terça-feira, está marcada a Plenária Jurídica em Defesa do Centro Paulo Freire, às 18h, no Armazém do Campo. Com essa mobilização espera-se unir forças para pensar estratégias jurídicas de defesa, articulada a uma agenda política marcada para o próximo sábado (14), quando assentados de todo o estado firmarão acampamento em Normandia em vigília contra o cumprimento do despejo.
Jaime é enfático quando diz que a solicitação do cumprimento de reintegração do centro de formação por parte do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) seria mais um passo do desmonte que os órgãos ligados à reforma agrária vem sofrendo desde o governo Michel Temer (MDB). Um “golpe político e ideológico”, já que justamente um lugar voltado para o fomento de formação técnica e política é o alvo de um despejo que foi negociado desde a ocupação do local em 1993.
O que ele classifica como “privatização” é a intenção do Incra de realizar uma distribuição de titularidades individuais dos lotes de terra para os assentados, acompanhada da retirada de responsabilidade das áreas coletivas do assentamento das mãos do movimento para o órgão público. Politicamente, a medida significa uma tentativa de desmobilizar e desarticular o MST. “Além de não ter mais desapropriação, eles tão falando em desassentar, transformar os assentados em agricultores familiares e pequenos agricultores. Para isso, estão utilizando uma política de privatizar, de titular as áreas. Eles querem começar com Normandia, porque Normandia é uma referência. Para isso, eles buscaram uma norma interna que não é lei”, explica.
O Governo Federal anunciou, em junho desse ano, uma operação intitulada Luz no Fim do Túnel. A ação visa intensificar a emissão de títulos definitivos aos beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) em todo o território nacional, segundo matéria publicada à época no site oficial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O anúncio aconteceu no momento em que o Incra comemorava 49 anos de existência e o general do exército e presidente do instituto, João Carlos de Jesus Corrêa, afirmou que a operação corresponde à realização de metas estabelecidas por Jair Bolsonaro e pela ministra do MAPA, Tereza Cristina.
O Nordeste é a prioridade na ação do governo, de acordo com o texto que menciona a posse da terra como uma possibilidade dos assentados que se transformam em agricultores familiares ou pequenos agricultores de acessar programas de financiamento do governo voltados para as áreas. Mas, os movimentos do campo já vem denunciando o desmonte desses financiamentos e a dificuldade de acesso aos programas promovida pela gestão Bolsonaro.
Após a coletiva, em entrevista à Marco Zero, Jaime afirmou que a dimensão do ataque do governo Jair Bolsonaro (PSL) já foi diretamente expressa no Paraná, Pará e em Goiás. “Nós temos trabalhado isso com os governos dos nove estados do Nordeste, tentando articular para evitar o conflito e o confronto. Isso a gente consegue fazer, tanto é que aqui em Pernambuco a reintegração de posse tem sido negociada para tentar evitar o conflito. Não é uma questão de atacar o MST, é uma questão de atacar a reforma agrária. É destruir uma história que foi construída às custas de muita luta, de muitas mortes e muito sofrimento.”
A ordem de despejo contra o centro de formação causou surpresa e indignação nas lideranças e ativistas dos movimentos sociais de outros estados. O deputado federal João Daniel (PT-PR), coordenador do núcleo agrário do seu partido na Câmara dos Deputados, foi enfático: “É mais um ato de terror de Estado com o claro objetivo de intimidar os sem-terra e todos aqueles que lutam pela reforma agrária”. O parlamentar entende que a Justiça Federal, ao autorizar até o uso de força, foi cúmplice de uma “atitude absurda e criminosa, parte de uma estratégia maior que é a de acabar com as políticas públicas de reforma agrária”.
A “prova” dessa cumplicidade, segundo João Daniel, estaria no fato do Incra, em 1998, ter orientado o movimento a criar o centro na sede da fazenda ocupada. Em consequência, o Centro de Formação Paulo Freire tornou-se uma “referência nacional e internacional em educação popular. Agora, 21 anos depois, o Incra, dirigido por generais, quer destruir essa referência”.
Na condição de coordenador da bancada agrária, Daniel já participou de uma reunião com o atual presidente do Incra, o general Jesus Correia. Ele diz ter saído do encontro com a certeza que o “Incra de Bolsonaro só tem o objetivo de atrapalhar e, assim, paralisar o processo de reforma agrária”. A decisão de suspender vistorias de imóveis é um exemplo de decisão que atende a esse objetivo, pois inviabiliza desapropriações e impede a instalação de novos assentamentos.
Ainda no início do governo Bolsonaro, o jornalista José Maschio, diretor do Sindicato dos Jornalistas do Norte do Paraná, já havia publicado um artigo com esse alerta: “A suspensão de vistorias em imóveis rurais é a primeira etapa do golpe que o governo prepara em seu laboratório de maldades: um ataque ao Plano Nacional de Reforma Agrária”.
Maschio advertia para a composição do novo Incra, cujo staff tem vínculos estreitos com os ruralistas, e “está a fazer um pente fino em todos os programas de assentamento e, com a cumplicidade do Judiciário, irão pedir reintegrações de posse. É a desreforma agrária o que vem por aí. O mais grave não é breca a reforma agrária, mas destruir assentamentos rurais criados desde 1989 no país. Ou seja, todos os avanços na reforma agrária desde o governo José Sarney estão em risco”.
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