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Da terra à mesa, a comida que consumimos é, ao mesmo tempo, produto, fonte de renda, modo de vida e política. Comer é um ato político não só porque o preço daquilo que chega ao prato passa por regulamentações, sofre influência da política de exportação, do clima, mas também porque poder escolher o que se come ainda é um privilégio no Brasil.
Quem tem acesso à informação de que o Brasil figura entre os países que mais consomem e utilizam agrotóxicos pode buscar alternativas de alimentos sem veneno. As feiras agroecológicas são espaços para quem quer adotar uma alimentação saudável, mas nem sempre é fácil entender o que elas significam e como são organizadas.
Muitos mitos foram criados sobre o assunto e a falta de informação só favorece que iniciativas como as feiras fiquem restritas a poucos.
Além do alimento produzido sem veneno, as feiras agroecológicas – que não são a mesma coisa que as chamadas “feirinhas orgânicas” – são parte de um processo mais complexo, que propõe desde o plantio até a comercialização uma outra forma de relação com a natureza, com os agricultores e com os consumidores.
Segundo explica Carlos Magno, coordenador da organização não governamental Centro Sabiá, que trabalha apoiando agricultores familiares a produzirem de maneira agroecológica, é importante que quem compre o alimento agroecológico entenda o que existe por trás. “Não é qualquer alimento que tem na feira agroecológica. Existe o aspecto cultural, de guardar as culturas e de mudança política. A agroecologia põe na mesa a ideia de transformação política, de crítica ao neoliberalismo, ao capitalismo e à instrumentalização da natureza”, argumenta.
Os desafios e benefícios a essa mudança na sociedade existem tanto para agricultores quanto para consumidores, mas também cabe ao poder público uma parcela importante no processo. No caso das feiras, o espaço público adequado e a segurança são fundamentais para a sobrevida das iniciativas.
Para Magno, o aumento do interesse e, por consequência, de demanda por feiras assim são importantes para estimular o mercado e a produção, mas precisam ser debatidos e acompanhados de perto pela sociedade civil e governos como uma política pública.
Para isso, Davi Fantuzzi, assessor de Mercados do Centro Sabiá e coordenador do CPOrg-PE (Comissão de Produção Orgânica) de Pernambuco, alerta que mais do que apoiar pontualmente as feiras agroecológicas, é preciso que municípios e estados entendam esses espaços como equipamentos públicos de abastecimento alimentar.
O objetivo de estruturar as feiras precisa estar vinculado ao desenvolvimento de uma política pública de agroecologia como um todo. Para Fantuzzi, Pernambuco tem um terreno fértil para avançar nessa questão, a começar pela regulamentação pendente da Lei estadual Lei Nº 16320, que estabelece regras para as feiras orgânicas e agroecológicas.
“Além da lei, precisamos ter uma política estadual, um plano de agroecologia com participação da sociedade civil, com um programa forte de fortalecimento e apoio às feiras agroecológicas”, complementa. O Circuito Pernambuco Orgânico, iniciativa do Governo do Estado, é também uma ação que precisa ser integrada com outras políticas, defende Fantuzzi.
No dia a dia, um dos principais desafios, no entanto, é dar condições de que feiras agroecológicas cheguem às periferias das cidades ou locais menos abastecidos e que tanto produtores quanto os consumidores, de fato, possam ser beneficiados pelo acesso a esses produtos.
A escolha por comer alimentos saudáveis não pode ser apenas uma possibilidade de acesso individual. É preciso de ação de estímulo, conscientização da sociedade e de fomento.
“As feiras agroecológicas estão concentradas nos bairros de classe média e classe média alta do Recife, por exemplo. Em um contexto de mobilidade urbana defasada, é muito difícil uma família sair da periferia para ir a uma dessas feiras”, pontua.
O preço é acessível, mas as feiras necessariamente não são. Davi Fantuzzi reconhece o desafio, mas entende que a questão é mais complexa. “Os agricultores tentam minimizar riscos. Eles têm produção e precisam da renda que vai vir da comercialização. Em um contexto de aumento da pobreza, a cultura alimentar e a renda é o que define o que muitas pessoas vão consumir. Em geral elas vão fazer opções pela sobrevivência”, explica. Por exemplo, com o dinheiro que comprariam frutas e vegetais, a escolha por um macarrão e extrato de tomate é mais comum.
Uma pesquisa realizada pelo Centro Sabiá, em 2016, comprovou que o produtos agroecológicos vendidos nas feiras específicas saem mais baratos do que os convencionais (não orgânicos) em supermercados e feiras livres. A pesquisa contou com o apoio do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e identificou que, na compra de 20 produtos, o preço pago nos supermercados foi em média 56% mais caro do que o praticado nas Feiras da Rede Espaço Agroecológico (duas feiras assessoradas pelo Centro Sabiá) e, no caso das feiras populares, os preços ficaram em média 19% mais caros do que nas agroecológicas.
Outro dado importante nesse debate é que o custo do alimento agroecológico é, sim, maior do que os alimentos com agrotóxicos. Isso porque a produção agroecológica é mais parecida com artesanato do que com uma fábrica de peças. A remuneração do trabalho das famílias é apenas uma parte do valor embutido.
Apesar disso, o preço que chega para o consumidor não será necessariamente mais caro. “No geral, mesmo o produtor ganhando mais, o consumidor paga menos ou a mesma coisa porque o circuito no qual o produto circula é curto. É curto em distância, ou seja, gasta pouco petróleo (combustível), é de baixo carbono”, explica o assessor de Mercados do Centro Sabiá Davi Fantuzzi. Além disso, os alimentos são vendidos pelos próprios produtores ou por alguma família que faz parte do mesmo grupo ou associação.
O perfil de quem busca as feiras agroecológicas, em grande parte, é de pessoas que buscam mais saúde, mas muitas vezes desconhecem outras características do alimento agroecológico. Uma confusão comum, nesse sentido, é achar que orgânico é a mesma coisa que agroecológico.
A principal diferença entre os dois é que um produto orgânico, sem veneno, pode ser operacionalizado por uma grande empresa, com uma lógica de trabalho que não garante direitos aos trabalhadores, que emprega atravessadores e entrega um alimento mais caro ao consumidor final.
Apesar de não ter o selo orgânico, o alimento agroecológico, também produzido sem veneno, tem outros valores agregados que nem sempre são visíveis ou possíveis de medir numa conta de padaria. “Os produtos agroecológicos vêm da agricultura familiar. São famílias que buscam trabalhar a partir de outra relação entre homens e mulheres, por exemplo. Tem aí o valor de transformação econômica local e social, de garantia de direitos, de valorizar saberes tradicionais, o conhecimento”, explica Carlos Magno, que reconhece que isso não acontece da noite para o dia.
“Existe o esforço de que esses elementos estejam presentes nos alimentos que qualquer consumidor vai encontrar na feira. Mas há um misto de questões, de contradições que estão sendo trabalhadas no dia a dia a partir da assessoria”, complementa.
Diferente dos produtos orgânicos, não existe um selo para alimentos e produtos oriundos da produção agroecológica. Isso não quer dizer que não exista fiscalização ou outros modos de certificar os alimentos.
No caso das feiras, segundo explica Davi Fantuzzi, as associações de agricultores utilizam uma das três opções de certificação emitidas pelo Sisorg (Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica).
Para a produção agroecológica, o Ministério da Agricultura faz o reconhecimento apenas de agricultores familiares, que precisam estar vinculados a organizações de controle social e se comprometem solidariamente, uns com os outros, com a garantia da produção orgânica. Eles passam a integrar o banco de dados, mas precisam comercializar seu produto diretamente ao consumidor final e não podem utilizar o selo de orgânico. A fiscalização é a mesma para todos.
Em Pernambuco, o governo do Estado reconhece 96 pontos de comercialização de alimentos orgânicos e agroecológicos. No Recife, a mais antiga feira, o Espaço Agroecológico das Graças, no bairro de classe média, existe há 22 anos e tem características próprias, além de uma clientela fiel.
Até chegar ao estágio de organização e consolidação atual, no entanto, foi preciso enfrentar diversos desafios. As feiras mais novas já aprendem com os erros passados, por exemplo. Hoje, vários órgãos públicos no Recife convidam organizações a realizarem feiras regulares.
Uma lista com indicações de feiras agroecológicas em Pernambuco está disponível no site do Centro Sabiá, com horários e endereços.
No Recife, a prefeitura também disponibiliza uma lista com pontos e feiras de comercialização de alimentos agroecológicos por RPA (Regiões Político Administrativas) da cidade, aqui.
A Plataforma Mapa de feiras orgânicas, do Idec, também reúne estabelecimentos, feiras e pontos de comercialização tanto de orgânicos como agroecológicos. Acesse aqui.
Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.