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O isolamento de dezenas de pessoas com sintomas semelhantes aos da covid-19 no sistema prisional de Pernambuco, espalhou o medo entre as famílias dos detentos e detentas. Ao medo, se junta a impotência provocada pela falta de informações precisas ou oficiais a respeito do estado de saúde de cada um dos doentes.
Nos últimos dias, a Marco Zero manteve contato com várias esposas
de detentos que participam de grupos de whatsapp nos quais único assunto das
conversas é a ameaça do coronavírus nos presídios.
Desde novembro de 2019, o marido da professora Maria da
Conceição (a pedido das entrevistadas, os nomes das mulheres de detentos são
fictícios para evitar retaliações contra seus companheiros) está em prisão
preventiva no Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel),
em Abreu e Lima.
No dia 2 de abril, o advogado conversou com ele e avisou à Conceição que seu marido estava gripado. Foi quando a angústia chegou e não a largou mais.
“Ele começou a ter febre, falta de ar, tosse e perdeu o
olfato e o paladar. Pediu pra ir pra enfermaria, onde foi medicado com
Paracetamol e Dipirona e orientado a voltar pra cela. Esses sintomas persistiram por cinco
dias. Os 11 homens com quem ele divide a cela começaram a sentir os mesmos
sintomas”, contou a professora.
Pelo que Conceição soube através do advogado, nenhum dos 11
presos teve o direito de ser atendido na enfermaria. No dia 8 de abril, o
advogado voltou ao Cotel, mas foi impedido de entrar para ver seus clientes sob
a alegação que o presídio estava em quarentena.
“Então ligamos nesse dia para o serviço de saúde e pedimos informações dele. Disseram que fizeram uma consulta, medicaram e encaminharam de volta pra cela. Eu retornei a ligação e me informaram que ele estava bem, sem nenhum quadro de doença”.
A situação vivida pela professora Conceição é semelhante a da cabeleireira Maíra. Seu companheiro está cumprindo pena no presídio Professor Aníbal Bruno e também teve sintomas similares aos da covid-19, H1N1 ou dengue: “Ele tá com muita febre, muita dor no corpo, passou quatro dias na enfermaria e voltou ontem pro pavilhão. Ele disse para o advogado que só tomou soro, mas agora estou sem saber de mais nada. Também proibiram o advogado de entrar”.
Se os advogados estão proibidos de ver seus clientes, o mesmo não estaria acontecendo com as esposas dos “chaveiros”. Em todas as conversas de whatsapp que a Marco Zero teve acesso, é consensual a informação de que as restrições impostas para impedir que o vírus chegue aos presídios por meio da visitação não valem para os presos mais poderosos.
De acordo com a vendedora autônoma Deyse, cujo companheiro também está no Cotel em boas condições de saúde, os “chaveiros continuam recebendo as esposas e as amantes, inclusive com visitas íntimas. Todo mundo sabe”.
Os “chaveiros” são aqueles que realizam a função do Estado, abrindo e fechando celas, fazendo a contagem diária de presos, aplicando a disciplina ou escoltando doentes para a enfermaria. Alguns são escolhidos pelas diretorias dos presídios, outros compram essas regalias ou porque representam organizações criminosas.
Apesar da angústia das esposas, oficialmente nenhum caso de coronavírus foi confirmado nos presídios do estado. A secretarias estadual de Saúde e a secretaria executiva de Ressocialização informaram, em nota conjunta, “que não há caso confirmado da covid-19 no sistema prisional de Pernambuco”.
De acordo com a nota, 121 detentos estão sendo acompanhados,
pois estariam “todos com síndrome gripal e, como medida de prevenção e controle,
são colocados em isolamento na unidade prisional. As pessoas privadas de
liberdade que apresentem sintomas gripais são acompanhadas diariamente pelos
profissionais de saúde do sistema prisional”.
A maior parte desses presos estaria no Cotel, no presídio Aníbal Bruno e no Presidio Desembargador Augusto Duque, em Pesqueira, onde pelo menos 32 detentos estão isolados.
Desses 121 presos que estão sendo monitorados em isolamento, apenas um está internado. A nota do governo, entretanto, não informa de qual presídio nem mesmo o gênero do detento ou detenta, pois o texto informa apenas que “uma pessoa está internada”.
A proibição de contato entre os presos e seus advogados está sendo questionada pela seccional pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Entendemos e respeitamos algumas medidas restritivas ao contato e circulação de pessoas nos presídios. Todavia, a conversa entre o advogado e o seu cliente é um direito previsto em lei e deve ser respeitado”, afirma Bruno Batista, presidente da OAB em Pernambuco.
A OAB formalizou o pedido ao secretário de Justiça e Direitos
Humanos, Pedro Eurico, para que o contato entre advogado e cliente aconteça “preferencialmente
nos parlatórios existentes nos presídio, onde há um vidro separando e interfone,
completa higienização entre um e outro atendimento com álcool gel e uso de
máscaras”. Batista explica que, em contrapartida, a instituição pede aos
advogados que reduzam ao máximo as visitas aos presídios.
A proibição do contato entre advogados e clientes também preocupa Luís Gustavo Magnata Silva, perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura. O Mecanismo é um órgão federal vinculado administrativamente ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, porém seus peritos e peritas têm mandatos e autonomia para inspecionar os locais de privação de liberdade no Brasil inteiro.
Para ele, medidas como a que foi implementada em Pernambuco
torna os presos incomunicáveis sob o pretexto de proteção à saúde:
“Temos recomendado fortemente que as autoridades criem comitês gestores interinstitucionais assumindo a construção de fluxos de informação para garantir transparência e segurança a todos e todas (pessoas privadas de liberdade, familiares e funcionários) e que sejam construídos planos de contingência para que o estado esteja preparado para o pior. Infelizmente as respostas tem sido de incomunicabilidade dos presos sob um verniz de isolamento”.
Em meados de março, mais de 70 organizações elaboraram
uma carta aberta com 20 sugestões para os governos estaduais, União e
também para o Poder Judiciário conterem o coronavírus nos presídios. Clarissa
Trevas, do coletivo Liberta Elas, foi uma das signatárias da carta.
Trevas ainda não tem ideia se há mulheres com sintomas similares ao coronavírus nos presídios femininos, mas a morte de uma detenta de 20 anos, no dia 6 de abril, acendeu o sinal de alerta entre as entidades que apoiam o desencarceramento da população feminina dos presídios.
Elimy Cassiana Ramos do Nascimento estava na cela de “castigo” na Colônia Prisional Feminina de Abreu e Lima, quando as colegas notaram que ela estava passando mal, mas as agentes penitenciárias não lhes deram atenção. Três horas depois, perceberam que ela havia morrido sem socorro. Desde então, o Liberta Elas, a Cátedra Dom Hélder Câmara de Direitos Humanos da Unicap e outras 40 entidades estão cobrando a investigação da morte.
“Já tínhamos recomendado o não uso do isolamento em período de pandemia, pois os presos e presas estão extremamente fragilizados com medo do vírus e sem apoio algum dos familiares. O governo deve destinar uma quantidade de testes para realizar dentro do sistema prisional”, afirma Clarissa Trevas.
Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.